Grande merda ser rico e famoso. Euzébio nunca se importou com cifras, muito menos com um bando de desconhecidos aplaudindo suas façanhas, enquanto ele supostamente ficaria exibindo um corpo, um talento ou os proventos de uma conta bancária recheada de grana. Nunca ganhou mais do que um salário mínimo e isso jamais o impediu de viver sua vida como quis. O sujeito morou com os pais até ambos falecerem, em diferentes épocas, deixando-o órfão e sozinho, já que não teve irmãos. E isso, apesar do dano psicológico, nunca impediu que ele seguisse fazendo o que sempre fez de melhor: comer, beber, transar com qualquer tipo de mulher, sem exceções, reclamar da vida e caminhar sem rumo por aí.

Euzébio frequentava bares sujos, do tipo que o dono não tem preocupação alguma com a estética visual, muito menos com a limpeza do local. Havia um, em específico, que ostentava um balcão dos anos 1980, como se as décadas nunca houvessem passado. Além disso, tinha pôsteres de times de futebol da mesma época pendurados nas paredes. Sabe aquele tipo de fotografias que vinham impressas em páginas do jornal e que as pessoas emolduravam para mostrar o amor pelos seus times? Sim, me refiro exatamente a esses. As paredes do estabelecimento contavam histórias, o chão vermelho encerado ativava memórias e as casquinhas de maria-mole imitando sorvete, com aquele pequeno brinde de balão, ficavam no balcão esperando algum saudosista comprá-las. O sujeito curtia frequentar o local, pois era um ícone de uma grande época, que se opunha a qualquer tendência ou gourmetização.

Além deste, havia outros, que ficavam abertos até a madrugada e recebiam os mais distintos tipos de pessoas. Nestes, ele gostava de sentir o cheiro que vinha do banheiro feminino. Uma mescla de urina, fezes, menstruação, vaginas sujas e barro dos sapatos. Ele delirava. Grande merda se não conseguia nada mais que olhares de repulsa quando tentava flertar. “Na minha mente, já possuí todas vocês”.

Já havia ultrapassado a marca dos 60 anos. Ao contrário de muitos homens que se cuidam, vão pra academia, se alimentam bem e não bebem, ele tinha certo orgulho de não se render às modinhas. Tinha cabelos que escorriam até os ombros, partindo apenas da porção em volta da cabeça, pois a calvície tinha levado todos os que anteriormente existiam do topo. Era o famoso "cabereca”(cabeludo-careca). O rosto, mesmo após o banho diário, mantinha um aspecto oleoso, que brilhava até mesmo com a luz mais fraca.

Com roupas, nunca foi muito de se preocupar. Usava a primeira calça que encontrava no armário. Mesma coisa com camisas, meias e sapatos. Outra de suas "não-preocupações” eram as cores das roupas. Sempre oscilavam entre o marrom e o amarelo encardido, passando pelo “verde-limo” e cinza. Os sapatos eram esses que operários de fábrica usam no trabalho pesado, pois custavam menos que uma garrafa de whisky barato.

Sua moradia, herdada dos pais, era simples e de madeira, com a tinta quase toda perdida pela ação dos anos. Nunca se importou com a conservação e muito menos com os olhares de preconceito dos vizinhos que passavam. Mandava-lhes um dedo do meio e tomava um gole de cachaça, soltando uma risada de sarcasmo.

Em uma de suas profissões, havia sido porteiro em um prédio, onde todos o conheciam e, apesar do aspecto sujo, gostavam dele. Sempre recebia presentes dos moradores. Foi com estes presentes que mobiliou sua casa, depois que os móveis e eletrodomésticos foram estragando.

Era um desses sujeitos que, anos depois, as pessoas comentam:

—Lembra do Euzébio?

—Claro, mas nunca mais vi.

Era como se nunca tivesse, de verdade, gostado e nem cativado ninguém.

Euzébio, depois de tantos anos de contribuição, conseguiu sua aposentadoria e finalmente pode fazer o que sempre fez com maestria: nada de útil. Só ficava em casa bebendo e vendo TV. Mas, no fundo, sempre pensou em como seria se ele fosse rico e famoso. Era dono de muitos talentos e, se tivesse mostrado algum deles para o mundo, poderia ter sido muito bem sucedido e até tido fama.

Falava 4 idiomas, que aprendeu somente ouvindo músicas estrangeiras e prestando atenção nos diálogos dos filmes. Também cantava melhor do que a maioria dos supostos talentos que a mídia descobre de tempos em tempos (sabemos que não é assim, pois na verdade quem paga é quem aparece nas mídias). Além disso, sabia tocar diversos instrumentos musicais, só de ouvido. Euzébio ainda escrevia histórias fantásticas no seu computador velho, presente de um morador do prédio onde trabalhava. Ele era um gênio que nunca foi reconhecido, pois nunca mostrou seus talentos. Exceto para Marli. Uma linda jovem completamente perdida nas drogas, que usava cabelos descoloridos e curtos, no estilo Madonna dos anos 80, que morreu de overdose antes que pudesse declarar seu amor por aquele homem talentoso.

Euzébio, um gênio abandonado, com muitos talentos. Grande merda.