Sempre gostei de cães. Daqueles que vemos nos filmes a correr em câmara lenta, a saltar para os braços da família, e que parecem perceber tudo mesmo quando não dizemos nada. Sempre quis ter um. Mas havia alguns obstáculos que, durante muito tempo, me impediram: alergias e asma — o dueto ingrato que não combina com pelos e lambidelas. Enquanto os outros miúdos da escola tinham histórias sobre os seus cães, eu tinha comprimidos anti-histamínicos e inaladores. As alergias passaram com o tempo, mas a vontade de ter um cão nunca passou. Ficou ali, num canto da alma, como aquelas vontades de infância que sobrevivem à idade adulta, mesmo quando deixamos de acreditar nelas.

De tempos a tempos, a vida fazia-me cruzar com pessoas que tinham cães. E, por sorte, alguns deixavam-me “descarregar” neles todo o amor acumulado e a carência de um amigo de quatro patas. Mas, como em todas as festas breves, havia sempre o amargo do fim. Para além desse dissabor, quase sempre acabava com tosse e o nariz entupido. Ainda assim, valia sempre a pena. Eram dias diferentes, dias que me enchiam a alma.

O tempo foi passando e percebi que ia ficando cada vez mais resistente ao pelo dos cães e à parte de alguns espirros e assoadelas; sentia que já não me afetava assim tanto. Mesmo assim, ter um cão nunca pareceu fazer parte do plano. Até que um dia aconteceu uma coisa maravilhosa… daquelas ironias bonitas com que a vida, às vezes, nos brinda: comecei a namorar uma rapariga que tinha uma cadelinha. Não era minha, mas rapidamente se tornou. A mais bonita e fofa de todas (todos os tutores dizem o mesmo sobre os seus patudos). Bastou um olhar, uma corridinha de alegria na minha direção e percebi: “É isto! Foi isto que sempre quis!” E, curiosamente, já não sentia alergias. Talvez fosse o meu corpo a adaptar-se. Ou quem sabe, o amor também cure de outras formas.

É estranho, mas o amor pelos cães ou por outros animais de estimação instala-se com a leveza de um mimo e a força de uma raiz. Começa num passeio e acaba numa vida inteira. Cresce devagar e, de repente, quando a pessoa dá por si, já está a planear os horários para estar mais tempo com eles, levar biscoitos escondidos nos bolsos. Ficamos com o coração apertado quando estão doentes. E começamos a ter medo…. sim, medo. Porque o amor pelos cães e outros animais de estimação, esse amor tão puro, vem sempre acompanhado de uma pequena tragédia anunciada… sabemos desde o início que um dia vão partir. Sabemos que os seus anos correm mais depressa do que os nossos e, mesmo assim, deixamo-nos amar por eles… ou será o contrário? Talvez sejamos nós os privilegiados por sermos escolhidos por eles.

Ela já está a caminho dos dez anos. Ainda corre, ainda abana a cauda como se não houvesse amanhã, e ainda pula de alegria de um sofá para o outro para chamar a atenção ou libertar a adrenalina de nos ver a chegar a casa. Talvez seja essa a maior lição que um cão nos dá: não viver com o amanhã nas mãos. Um cão vive no agora. Vive o entusiasmo do momento como se fosse a primeira e a última vez. E cada vez que ela me recebe à porta com aquele olhar doce e feliz, como se me dissesse: “Ainda bem que voltaste”, eu penso: “… e se um dia não estiver aqui para me receber?” E dói. Dói porque amar é aceitar essa possibilidade sem reservas. Porque mais vale viver esse amor breve do que nunca o ter conhecido.

Às vezes, confesso, preferia não ter conhecido este amor, porque a ideia da perda dói mais do que quero admitir. Mas isso seria como dizer que preferia não ter aprendido a respirar fundo só para sentir o cheiro dela quando se aninha junto a mim.

Olhar pelo espelho retrovisor e ver os seus olhos atentos, cheios de entusiasmo, a tentar perceber onde vamos; ouvir o rosnar alto e impaciente a pedir “só mais um pedacinho de frango”; ver a sua impaciência quando chegamos à praia e a vontade eletrizante que tem de correr naquele areal em direção às ondas do mar. Tudo ganha outro sentido; tudo é um momento para ficar registado na nossa memória. Há quem diga que são a prova mais aproximada de que existem anjos na Terra… anjos com quatro patas, algum pelo, abanam a cauda e têm muito amor para dar, sem esperar nada em troca. Amor com patas.

Os cães não são só animais de estimação e de companhia. São capítulos inteiros da nossa história emocional. São bússolas morais, mestres de presença e lealdade. Espelhos das nossas melhores versões. Ela não é “só uma cadelinha”. Ela é o melhor regresso a casa. É colo em forma de animal. É riso em quatro patas. É vulnerabilidade com focinho. Um dia ela vai partir, sim. Mas até lá, eu quero que o mundo saiba que o meu coração foi tocado por uma pequena criatura que não sabe falar, mas sabe tudo sobre o amor. E isso, mesmo com todas as dores que virão, vale tudo.

Obrigado, Zoe.