Sumiu o senhor que todo dia na parte da tarde ficava sentado na esquina aqui na frente de casa, como não sei quem é ele, não tenho como o procurar, o fato é que faz tempo que ele não aparece mais, será que ficou doente e morreu? Tomara que tenha apenas mudado de endereço, e agora fica sentado em outra esquina observando outras mulheres que passam para a academia.
Caso tenha morrido, o que me deixa triste por não ter ficado sabendo e nem ter ido me despedir desse companheiro das tardes, agora, pelo menos, pode ficar observando a mulherada lá do céu, vista privilegiada e com a vantagem de ser infinita, pode ver não apenas as que malham nas academias aqui de perto como também de todas as outras academias que existem no Brasil e no mundo.
Por muito tempo observei esse senhor aqui da janela, todo dia, por volta das quatro horas da tarde ele aparecia, ficava sentado na lombada que há em uma loja da esquina e ali permanecia por longo tempo fumando um cigarrinho, observando o movimento e, certamente, a mulherada, isso eu tenho certeza que ele fazia porque seus olhos e o movimento da cabeça quando elas passavam não deixavam a menor dúvida.
Dúvida tenho eu agora sobre o destino desse senhor, sei que ele vinha lá do alto do morro, devia morar não muito longe daqui, porque o vi descendo de lá algumas vezes, nada mais sei sobre ele, se trabalhava, já devia ser aposentado, se tinha filhos, netos, esposa, se era feliz ou não, se tinha doenças, se pegou Covid, ou em quem votou durante a vida.
Sei que ficava feliz ao vê-lo, porque isso acontecia eu não sei, talvez pela sua vitalidade, apesar de aparentar idade bem avançada, ele era bem forte, nunca me pareceu doente ou com algum problema sério de locomoção, vinha a pé lá cima e devia voltar assim também, eu nunca esperei que ele fosse embora porque tenho meus afazeres e não dá para ficar tomando conta das pessoas na rua o tempo todo.
Hoje eu acordei pensando nisso, tem pessoas que se tornam nossas amigas sem que elas saibam, esse senhor era um amigo oculto que eu tinha, durante um bom tempo eu o observei daqui da janela de casa e agora não tenho mais ele para aguçar minha verve de detetive, que não é das melhores, digo de passagem, ninguém mais para no lugar onde ele ficava, está vazio, falta ele, e a saudade dele, não dói em mim, mas causa um pouco de tristeza.
Toda vez que chego na janela, seja de manhã ou de tarde, a primeira coisa que faço é olhar para aquele lugar, bem na curva entre as duas ruas, na mureta da loja de colchões, os olhos ainda não se acostumaram a não ver o senhor de cabelos brancos e barba sempre por fazer ali, sentadinho fumando seu cigarrinho e olhando o movimento, não só das mulheres indo malhar, mas também das crianças voltando da escola, por vezes algumas pessoas paravam para conversar com ele.
Agora, não adianta mais nada, eu devia é ter descido quando ele ainda estava lá e ido falar com ele, saber mais sobre sua vida, quem ele era e qual a razão de ele ficar ali, acredito que essa resposta eu tenha, afastava a solidão, talvez não tivesse ninguém e vinha para a esquina em busca de companhia, de ter uma pessoa para falar e não se sentir tão só. Como fui insensível, me culpo por não ter feito companhia a ele.
O tempo passa e com ele passam também as pessoas, cada uma com seus problemas, sua cruz a carregar e um dia chega ao fim o tempo que está determinado para cada um, o dele deve ter acabado, infelizmente, ou o meu companheiro das tardes tediosas pode estar entrevado, sem condição de andar, que tristeza eu sinto em qualquer dessas situações, parecia ser um bom homem, que Deus cuide dele onde estiver!
Acho que estou ficando velho, tenho recordações de situações muito antigas, fico comovido com outras, talvez medo da morte, acho que não, porque não sinto que ela está perto de mim, pelo menos espero que não esteja. Saudosismo mesmo de um tempo que eu era feliz e sabia disso, assim como continuo sabendo que sou feliz e espero que todo mundo seja feliz, porque só de estarmos vivos já é um motivo de felicidade, ou minto?
Apesar dos desafios, das pessoas passarem, do tempo passar inclemente e não dar a chance de voltarmos atrás para refazermos algumas coisas, dizermos o que não dissemos, apertar as mãos que não apertamos, ainda acredito que viver vale a pena, pois a opção é uma incógnita, então prefiro o que sei que é bom, é como escolher entre comer uma cigarrete, que adoro, e escargot, que nunca nem vi, se tiver que escolher vou na opção já conhecida, mesmo que não seja das melhores é a que vai me deixar satisfeito.
Levo comigo essas lembranças, do homem que ficava ali sentado, das pessoas que conversavam com ele, do leiteiro que vinha numa carroça verde batendo um sino, da Maria Bandeijão, que ficava furiosa quando mexíamos com ela, do Geraldo, amigo do meu pai e dono do botequim que frenquentávamos, da minha mãe e de suas chineladas e do meu pai, parceiro de botequins e campos de futebol onde assistíamos os jogos do Tupi e mais do que a relação de pai e filho, tínhamos uma grande amizade, ele foi o meu melhor amigo.
E por falar nessas lembranças todas que vieram só porque resolvi falar do senhor que ficava sentado ali do outro lado da rua, lembrei também que um dia fui criança, que tinha apenas a intenção de brincar, que fugia de casa com o varredor de rua, que pacientemente me levava de volta para casa, e que sabia que era feliz mesmo sem ter a menor consciência do seria a felicidade.
Hoje vou ficar aqui na janela, quem sabe o homem do cabelo branco aparece e mata minha saudade, nem que seja apenas numa visão, que ele venha e me diga que está bem e de lá onde ele está hoje, além de olhar a mulherada que vai para a academia, ele olha por mim e zela pela minha vida. De pensar nisso já me basta estar vivo e lembrando dele.