Márcio Richmann era um sujeito bem-apessoado, com cabelos bem cortados em barbearias modernas, dessas que oferecem todo um ambiente de entretenimento com cervejas, whisky e sinuca, garantindo também um barbear perfeito. Suas roupas sempre de marcas famosas e com caimento perfeito ao corpo. Ele gostava de passar as manhãs de sábado lendo jornal e comentando as notícias com Judith, sua esposa. Esta, uma mulher loira, alta e dona de um belo corpo esculpido nas melhores academia na cidade, com valores diferenciados para quem possui contas bancárias de dar inveja em jogadores de futebol e grandes empresários. Mesmo após ter concebido a pequena Joyce, ela nunca havia perdido a forma, sempre mantendo os exercícios com parte de sua rotina.

Joyce, filha do casal, era uma adolescente magra e carregava consigo uma autoestima abalada pelo bullying dos colegas, que insistiam em chamá-la de diversos apelidos nada carinhosos. A criatividade dos maldosos não era grande coisa. Era sempre algo como palito, pau de selfie, fio dental, esqueleto, saco de ossos e muitos outros que, mesmo assim, magoavam a menina profundamente, mesmo que ela escondesse isso, fingindo achar graça e dando sorrisinhos para que a situação não ficasse ainda pior. Sabemos bem que quem demonstra ficar bravo só fortalece o bullying. Ao menos em casa ela era feliz, pois ganhava amor e carinho dos pais, além de ser muito mimada por eles, já que ambos eram extremamente prósperos financeiramente e compravam todo o tipo de coisa que ela pedia e que 99% das meninas da idade dela nem pensavam em ter.

Além dos mimos em casa, as viagens também faziam parte do planejamento familiar. Cada ano, durante as férias escolares, eles viajavam à Europa e Estados Unidos, onde aproveitavam para levar a pequena Joyce em parques de diversão, na casa de parentes ainda mais ricos e em shoppings para fazer compras internacionais. Além disso, também almoçavam e jantavam em restaurantes caros e com os pratos mais exóticos possíveis. Joyce gostava de fotografar tudo o que vivenciava, comprava e comia, com o mais importante objetivo de postar nas redes sociais e causar inveja em seus colegas. Era a forma que ela arranjava para se vingar dos que a faziam se sentir mal. A verdade é que o universo, a bolha ou o mundinho familiar, se preferir, da menina era algo que poucos algum dia já desfrutaram ou viriam a desfrutar na vida. Tudo que o dinheiro pudesse comprar estava ao alcance de um pedido, e sem precisar de muita insistência.

Na cidade em que moravam, a casa era praticamente um castelo. Portões de cinema, com mais de 4m de altura, jardins exuberantes, câmeras de segurança e seguranças armados por todos os lados. Além de mais de 30 empregados, entre governantas, motoristas e o pessoal da cozinha e da jardinagem. A adolescente, apesar de ter crescido neste mundo de contos de fadas, tinha bastante humildade e conversava com todos os funcionários da mansão, sem exceções. E eles lhe contavam histórias de suas vidas, que serviam para ela postar em seu diário sempre que achava interessante, sem citar nomes.

Eram, no fim das contas, realidades completamente diferentes da dela, pois eram pessoas normais, com problemas, alegrias e pesares. No dia a dia, o ambiente da mansão era sempre muito limpo, organizado e silencioso, pois seu pai era extremamente exigente quanto ao barulho. Não suportava que ninguém levantasse a voz e nem ouvisse música alta. Isso só era tolerado em dias de festa.

E como eram as festas na casa dos Richmann? Ah, sempre regadas a todo tipo de bebidas caras e comidas elaboradas cuidadosamente por chefs renomados. Frequentadas por muita gente famosa, que ia de músicos a empresários, era nelas que a pequena Joyce aproveitava para fazer fotos com todo aquele pessoal conhecido para postar em suas redes sociais, onde colecionava muitos seguidores. Obviamente, os famosos eram a causa de tantos seguidores da menina. Até mesmo seus colegas responsáveis pelo bullying a seguiam e pediam pra que ela os convidasse para as festas. Porém, ela jamais convidou alguém de seu colégio, pois aprendeu cedo que interessados são poucos e interesseiros são muitos.

Naquela noite, a festa que estava acontecendo era a mais colorida de todas e os convidados eram numerosos. Diversos atores e músicos estavam lá. A herdeira dos Richmann estava se divertindo como nunca, tirando mil fotos e dançando com alguns garotos. Ela estava feliz, sentindo-se a rainha do evento. Seus pais conversavam com aquele pessoal de Hollywood como se fossem amigos íntimos e tudo isso fazia a vida parecer tão boa, que a jovem esguia esquecia todos os problemas vivenciados no passado.

—Essa menina sempre dança sozinha assim?

—Só quando é “dia de festa”. Pobrezinha, foi largada aqui no hospital com meses de idade. Ela tem esquizofrenia ilusória avançada. Ninguém sabe quem são os pais. Pode deixar o prato em cima da mesa. Quando a festa termina, ela sente fome.