Achei por bem começar contando como a literatura entrou na minha vida. E fez essa transformação capaz de me fazer mudar de carreira, portanto se você chegou aqui por conta da minha biografia te darei um panorama. Caso contrário, sugiro lê-la para que possa entender. Veja, tenho tendência a me desnudar com as palavras então em muitos artigos meus irei deixar muito de mim.
A minha relação com a leitura não é romântica. Não fui uma criança muito menos uma adolescente que amava ler, portanto não carregava livros embaixo do braço como a Rory Gilmore. Pelo contrário, eu tinha aversão a eles. Os livros das leituras obrigatórias da escola eram os únicos que eu carregava comigo e, curiosamente, cultivava um imenso prazer em comprá-los. Carregava-os comigo, bem diferente de realmente ler. Muitos eu lia cinco páginas e pulava quinze. Mesmo assim, fui cativada pelo enigma de Um Estudo em Vermelho do Arthur Conan Doyle e pelo percurso da família retirante em Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto.
Anos se passaram… a vida aconteceu e com isso eu me formei, me casei e tive filhos. Nesse meio tempo, me tornei uma leitora de férias: aquela pessoa que tem a absoluta certeza que vai levar um livro na mala e vai dar cabo dele naqueles dias de descanso. Um erro clássico e que caímos facilmente. Apesar disso, acredito ser importante o processo da escolha do livro para colocar na mala de férias e mesmo que não tenha lido ele todo, pelo menos folheá-lo já é um grande passo. Em algumas viagens, com os filhos um pouco maiores e com rede de apoio, algumas leituras eu consegui fazer. Eu Sou Malala, por exemplo, foi uma leitura de férias e que foi uma iniciação da minha vida de leitora.
Foi em uma licença-maternidade, bem antes das redes sociais, que agoniada com a ociosidade entre uma mamada e outra, entre uma soneca do recém-nascido e outra que em uma curta saída de casa, entrei em uma livraria no shopping e decidi comprar um livro. Peguei três quaisquer, dispus em uma bancada e fiz o famoso uni-duni-tê. Entre eles estavam: Crime e Castigo de Dostoiévski, Madame Bovary de Gustave Flaubert e O Segundo Sexo por Simone de Beauvoir. Não me lembro qual foi o escolhido na brincadeira infantil, mas me lembro de pedir a opinião do meu marido que segurava os meus dois filhos e ele responder:
— Escuto falarem muito desse Crime e Castigo.
Dentre todos os títulos desafiadores que posteriormente eu saberia que são, foi na curiosidade que fui pega. Por que falam tanto? Vou ter que ler para saber! O que eu não sabia é que era uma literatura russa e eu que não tinha ainda hábitos nenhum de leitora, peguei logo um autor russo para passar o tempo? Mas não desisti, segui firme. Mesmo pegando o calhamaço russo com nomes complexos e de rodapés imensos antes de dormir e no dia seguinte tendo que ler páginas e páginas novamente, eu segui. Demorei quase oito meses para finalizar esse livro pelo qual eu me apaixonei e me apeguei de tal forma que não queria largar Raskólnikov sozinho naquelas últimas páginas, mas quando eu finalmente fechei o livro uma coisa eu estava certa que ia fazer.
Entrei imediatamente em um clube de assinatura de livros, o qual eu recebia um livro por mês. Foi ótimo por um tempo, pois eu gostava da sensação de surpresa ao abrir a caixinha do correio e descobrir qual era o livro que eu iria mergulhar durante aqueles próximos trinta dias. Além disso, foi com esse clube que eu desenvolvi os meus próprios métodos para ser uma leitora e descobri os influenciadores desse nicho. Com o passar do tempo, comecei a perceber que já não fazia mais sentido para mim, pois já estava expandindo meus interesses literários e ao invés de ler os livros que chegavam pelo correio através da assinatura, eu só acumulava na minha estante.
Claro que não é de todo mal acumular livros na estante, eu hoje tenho uma biblioteca da qual eu me orgulho e não paro de preenchê-la. Mas o fato é que eu queria colocar os livros do meu gosto ali e não simplesmente receber os livros do clube tão passivamente. Após isso, também entrei para vários clubes de leitura que sempre enriquecem a discussão sobre uma obra literária e até hoje, após ler um livro de minha escolha, formulo a minha própria resenha e escuto opiniões de influenciadores que confio em plataformas diversas porque acredito que a minha visão não é a mesma que a do outro. E é importante escutarmos para não nos fecharmos em bolhas.
E hoje?
Eu que fiz uma graduação em Ciências Contábeis e trabalhei por anos na área e achei que minha vida fosse ser dentro de um escritório, depois de descobrir que amo literatura, decidi fazer uma segunda graduação. Não foi fácil essa decisão, mas tive muito apoio. Acabei de me formar em Letras e nunca estive tão feliz por isso. No fim das contas, ampliar o conhecimento nunca é demais.
Atualmente não sei viver sem eles, os livros. Estou sempre rodeada por eles. Se saio de casa, tenho um na bolsa, seja físico ou digital. Não consigo dormir se não faço a leitura da noite. A sensação é que preciso dar boa noite para o meu livro antes de pegar no sono. Virei a leitora que no fundo sempre quis ser: manias esquisitas e lendo mais de um livro por vez.
Eles são o meu refúgio e o símbolo da minha mudança. E você, está aberta (ou aberto) às oportunidades que podem mudar a sua vida? Ou pelo menos disponível para um livro que está ansioso para ser seu companheiro?