Entre minhas idas e vindas na busca por recolocação, deparei-me com vagas que exigiam experiência em tudo e ofereciam como benefícios salário-mínimo e vale–transporte. Via amigos com carreiras estruturadas em grandes empresas, viajando o mundo, investindo dinheiro, casando e tendo filhos e ficava me perguntando: “Como pode uma pessoa que estudou na mesma faculdade que eu estar com a vida tão bem resolvida e eu me matando para conseguir empregos que mal pagam dois mil reais?”

Um belo dia, conversando com um amigo, pude perceber que a vida não é a mesma para todos e me cobrar por não estar atingindo os resultados que eu esperava é só mais uma forma de me autodestruir enquanto tento sobreviver. Numa conversa com meu melhor amigo Guilherme, ele me fez uma pergunta que me fez questionar tudo aquilo que eu pensava sobre a vida e a forma como lidamos com ela. A pergunta dele foi: “Camila, você já parou para compreender o tamanho da nossa insignificância perante o mundo?”

Nunca parei para pensar sobre isso. Foram anos pensando no futuro, mas nunca no agora. Sempre pensando em tudo aquilo que eu queria conquistar, mas nunca olhando para aquilo que eu já tinha. Minhas expectativas sempre foram altas então quando fui me apresentar ao mercado de trabalho e me deparei com tantos obstáculos, passei a me frustrar imediatamente e vivi desse sentimento durante um bom tempo, até o Guilherme me fazer essa fatídica pergunta.

Sempre pensei o quanto eu seria alguém importante, que teria uma carreira, que seria uma grande engenheira ou uma gerente de multinacional, que faria a diferença no mundo, mas fui obrigada a desistir da minha profissão antes mesmo que ela começasse. Não tive a oportunidade nem de demonstrar para que eu vim a este mundo; quando saí da faculdade fui simplesmente jogada numa cova de leões que é o mercado de trabalho e me arriscava a matar cada um deles com os meus míseros dois mil reais por mês. E assim fui sobrevivendo por um tempo.

Mas quando Guilherme me questionou sobre a minha insignificância, foi como se o jogo tivesse virado e a pergunta que eu passei a me fazer foi: “Como posso eu, vivendo num mundo tal como o nosso e sobrevivendo a empregos insalubres como os que eu já tive, com salários que mal pagam minhas necessidades mais básicas, ainda não ter desistido ou não enlouquecido?" Nessa hora, a chave virou e eu pude perceber que eu sou na verdade uma sobrevivente, uma vencedora só por não ter desistido. Muitas pessoas no meu lugar, já teriam entregado os pontos, já teriam desistido. Eu, no entanto, continuei lutando, todos os dias, dia após dia, não após não. Mudei a rota, tracei novos planos, mas sempre com um objetivo bem definido: não ser uma insignificante perante a existência humana.

Eu, Guilherme e tanto outros colegas das mais diversas áreas de formação que dedicamos anos de estudo para uma profissão, mas não tiveram nem a oportunidade de exercê-las, estamos todos no mesmo barco. O barco da frustação e da sobrevivência. Lutamos para conseguir empregos melhores em um país onde não há empregos, numa economia fragilizada e a beira de um colapso. Vivemos em uma nação que ainda permite que pessoas dos mais diversos setores trabalhem numa escala de seis dias e descansem apenas um, por um mísero salário de dois mil e poucos reais no final do mês enquanto grandes corporações lucram bilhões todos os anos a custa de escalas exaustivas e desumanas.

Somos as pessoas que não nasceram em berço de ouro, que viemos do interior para estudar na cidade grande, ou que cursamos o ensino médio em escolas públicas, ou fomos bolsistas. Não fizemos intercâmbio, não temos o inglês fluente, não temos networking; somos os que sobreviveram às longas greves das universidades públicas, os que trabalhavam nos finais de semana e feriados na época da faculdade para tentar ganhar algum dinheiro e equilibrar a renda mensal, já que a faculdade era integral e nós não podíamos fazer estágio; somos aqueles 9 em cada 10 brasileiros e brasileiras com pós graduação e que trabalham de caixa no mercado, atendente, Uber ou que estão no mestrado porque “pelo menos tem bolsa.”

Somos aqueles e aquelas que acreditaram no script da vida que nos venderam como “Ser Alguém na Vida” e acabamos num lugar de insignificância. Somos a regra e não a exceção; a exceção é a garota rica da Gleba Palhano que foi para Nova York três vezes, é o sobrinho do gerente da multinacional que foi contratado para a vaga porque o tio mandou, é o cara da Faria Lima que investe desde os dezesseis anos, fez intercâmbio na Austrália para aprender inglês e que viaja todo ano para Disney com os lindos filhos de olhos azuis e a esposa médica. Essas pessoas são a exceção, essas pessoas deram certo na vida, mas essas pessoas tiveram todas as suas necessidades básicas muito bem assistidas antes mesmo que a gente pudesse sonhar em pagar um cursinho de inglês para aprender um segundo idioma.

Essas pessoas iam para faculdade de carro enquanto nós pegávamos dois ou três ônibus para chegar em casa. Essas pessoas moraram a vida inteira em cidades grandes, com amplo acesso à educação, saúde, cultura e lazer, enquanto o nosso lazer na cidade do interior era ir tomar um sorvete na pracinha. Essas pessoas não conhecem a escassez, a miséria, a pobreza ou a ignorância. Mas nós sim; nós lutamos para sobreviver porque enquanto a partida não for justa, nós sempre chegaremos em segundo lugar pois as pessoas que chegam em primeiro, elas vivem, enquanto outras sobrevivem. E esse é o tamanho da minha insignificância perante esse mundo.