Nem sempre a comunicação é a expressão do que se vivencia enquanto pensamento, desejo, memória, relato de acontecimentos, exposição de percepções e sentimentos.

A simples constatação de que tudo que se expressa decorre de considerações oportunas ou necessárias contingencia o que é expressado, o que é exposto. Essa descontinuidade entre o que é expresso e o que é percebido estabelece ou impõe a ideia de dois mundos comumente conhecidos como interno e externo, subjetivo e objetivo.

A artificialidade é criada pela divisão e descontinuidade. Não existem dois mundos, existe o escondido e o manifesto, o conveniente e o inconveniente edulcorando a vida pública e a privada. Criar níveis é sempre o início de dicotomias. Artifícios e regras contribuem para organizar e também para embaralhar e esconder aspectos considerados desagradáveis e inoportunos. Tantas regras, tantos axiomas embalam e embrulham os processos da expressão, da conversação e se fazem necessárias teorias para explicá-las. Desse modo, a teoria da comunicação invalida tanto a maneira como lidamos com a expressão, quanto a própria expressividade humana.

É fácil e aceitável pensar na explicação da semiótica (Roland Barthes) e da linguística (Saussure) como tentativas de entendimento da comunicação. Diante do estudo e apreensão da expressão, da comunicação, o que é expresso é comunicado, e nesse sentido podemos dizer que expressar é comunicar. Esse genérico – expressar é comunicar – requer particularizações, contextualizações. Nesse processo de contextualização o que ocorre, o fenômeno (o que aparece) suscita inúmeras considerações.

A continuidade ou descontinuidade são fundamentais para apreender as expressões. Mensagens, expressões datadas ou antecipadas traduzem conteúdos justapostos que se deseja atualizar. São as mensagens de duplo sentido, muito frequentes no suposto entendimento do que é um bom processo educativo. Educadores e pais pensam que o subliminar é edificante, no entanto desconhecem que é esse implícito que atrapalha e congestiona a comunicação. Há sempre um suposto, um não dito. Não é conversação sincera, é regra a seguir que se quer passar. As notícias de jornais e televisão nas quais o compromisso com o patrocinador, com o governo e com ditadores de opinião são sempre um camuflado de outros interesses, expressam compromissos e não simplesmente acontecimentos.

Toda vez que existe descontinuidade, existem outros níveis de interrupção, de acréscimo ou decréscimo que interferem na comunicação, na expressão, e assim são criadas divisões estruturadoras de dúvidas, irregularidades, discussões, oposições ou conformismo.

A superposição da expressão geralmente é criada por desesperos e dificuldades. Não saber o que está acontecendo, não saber como agir, típicos em situações nas quais imperam o medo, o pavor geram gritos, choros, pedidos de ajuda, xingamentos e outras convulsões que impedem perceber o que está acontecendo além da visão do explícito desespero e descontrole. O grito de socorro, tão inusitado e autêntico, por mais inacreditável que pareça também é imitado.

Peças teatrais, óperas, enfim, as expressões artísticas utilizam esse trazer para o palco emoções e comportamentos humanos como uma maneira de explicitar dores e angústias. A teatralização do sofrimento, do desespero e angústia humanas às vezes provocam risos. É uma outra ambiguidade que se instala entre o vivenciado e o expressado. O início do teatro na Grécia lidava com essa disparidade, usando referenciais fixos, não passíveis de mudança, como expressão antecipada do que se queria comunicar: eram as máscaras.

Esse recuo histórico torna pregnante o que é usual atualmente: mascarar a comunicação como maneira de controlar o que se objetiva expressar para conseguir realizar propósitos, sejam eles publicitários, políticos ou individuais. A situação é tão grave e encontradiça que Freud, no século XIX, postulou o inconsciente como chave mestra do entendimento do comportamento humano, suposição vigente ainda hoje na qual é preciso descobrir o que o inconsciente está dizendo quando o indivíduo estabelece objetivo, ou quando expressa medo e nojo de baratas, por exemplo.

Pirandello já dizia que nada é o que parece ser, em seu livro “Assim É (Se Lhe Parece)”. A trama gira em torno de um marido, sua esposa e sogra, que tentam descobrir a verdade sobre a relação entre eles, mas cada um conta uma história diferente e contraditória. A peça brinca com o conceito de verdade e desafia as pessoas ao questionamento de suas próprias percepções, vendo que o que se considera verdadeiro pode ser apenas uma questão de perspectivas.

Realidade e ficção é também um dos aspectos da expressão e comunicação. O próprio conceito de realidade só pode ser unificado à medida em que ele seja apreendido como na afirmação de que real é o percebido, e nesse sentido o aparente é o real. Isso já nos dizia Edmund Husserl.

As questões ligadas a ser e parecer constituem o principal fundamento da filosofia e psicologia, assim como da nossa comunicação cotidiana. Verdades e mentiras, sinceridade, dificuldade, manipulação, gentiliza, paixão, afeto, honestidade, todos esses temas fundamentam a expressão, a comunicação.

A expressão como comunicação é uma das pedras angulares de nossos sistemas sociais, familiares, políticos e econômicos. Entendemos que quando se expressa, se comunica, e isso é lançado, colocado em outros referenciais, em outros contextos que captam o que é expresso, assim como o distorcem, amplificam ou diminuem. Enfim, expressar é explicitar o que se vivencia que é verdade, que é mentira, desespero, medo e manipulação. O importante não é se deter no que é expresso simplesmente. É também importante contextualizá-lo em suas estruturas para apreender o que se expressa em sua totalidade. Saber, por exemplo, que o que se deseja é seduzir o interlocutor abre caminho para apreensão do que acontece, embora também possa se constituir em um a priori que tudo distorce.

A comunicação será tanto mais válida, sem aspectos escondidos, sem outras propostas além das comunicadas, e sem mentiras, quando ela for assumida, questionada em seus propósitos. Expressar parcialmente o que se quer é exercer demagogia, é mentir. Expressar é comunicar. Desejos, regras, medos, propósitos estruturam qualquer comunicação, e só podem ser entendidos enquanto apreensão das totalidades estruturantes. Nesse sentido, comunicar é sempre um fragmento, é o início do caminho para o entendimento do assunto, das questões e do outro enquanto semelhante a integrar, a questionar, a concordar, a discordar. Portanto, a continuidade da expressão, a continuidade da comunicação esclarece, traz verdade, traz mentiras, desenha conversas, preenche vazios, esconde abismos, elucida e confunde.