O dia vai longo e estreito na Rua das Flores e cachos de sol vão entrando devagar, afagando os nossos rostos. Estacamos na montra de um conhecido alfarrabista da Rua, o Chaminé da Mota, que se vestia de Camilo Castelo Branco. As montras Camilianas celebravam os duzentos anos do escritor. Entrei! Não resisti a perguntar pela correspondência de Camilo, que me interessava já há alguns anos e mal fiz a pergunta, uma epístola esvoaçante pousou a meus pés como que por magia...
Era uma carta endereçada aos “Anjos do Porto”. Ao começar a ler, percebi que estes anjos eram uma marca de vinho do Porto muito envelhecida, de 1808, nas caves da Ferreirinha; um elixir digno da máxima in vino veritas, pois quem o bebesse, segundo o nosso escritor, seria capaz das maiores inconfidências e por isso capaz de revelar Segredos Maiores!
Segundo a carta, Camilo bebia e era, por outro lado, um ouvinte muito atento destes segredos boémios. Segredos esses, que mais tarde lhe serviam de moeda de troca para favores a nível pessoal. Era, de facto, um segredo cabeludo. A Amante do Sr. Visconde de Correia Botelho ser também a amante de outro nobre Visconde da cidade invicta! Como este último tinha muito a perder e até uma expulsão do Clube Portuense, Camilo ganhou uma fortuna para poder esbanjar à vontade em Anjos de Baco e em outras boémias doces e picantes. Uma destas especiarias era a “Roliça”, como era apelidada na Rua Escura, lambia tudo e até engolia o que não devia...
Camilo esquecia todas como a garrafa esquece a rolha depois de aberta!
Estava eu, entretanto, a tentar imaginá-lo, com o seu ar sedutor e charmoso, com a sua cartola, quando a porta do Alfarrabista se abre para deixar entrar outro cliente.
Este cliente muito especial sorriu para mim, estende o braço e convida-me galantemente:
—Excelentíssima, vamos ver as clarabóias do Porto? E depois ópera, vamos à Ópera, minha querida...
A personagem era o próprio Camilo e eu não podia recusar um convite com 2 séculos!
A ilustrá-las seguem-se 15 Poemas:
A chave
Roda Paixão
Abre medos
Parte coraçãoA chave abre
A chave fecha
Quartos secretos
De uma lua cheia
De mel sem colmeia
De bocas e beijos
Sem céu...
Da acácia
Árvore sagrada
Chuva dourada
Cachos de mel
Mulher perfumada
Cura secreta
Enlace imortalCasas a lua e o sol
No meu Jardim.
Espelho
O meu Espelho
Páginas proibidas
Onde te Vejo, te quero
Numa sintaxe delirante
De complementos
sem tempo
sem lugar
O sujeito és TU
Chama-me!
Acende-me
Brilho intenso
Nu desejo derretido
Corpo Fogo
TU
Entre
O Cálice e a Espada
O fogo e o Gelo
O corpo e a alma
A eterna comunhão
Salva
Núpcias
Desfazendo a tabuada do tempo
O par de serpentes sábio
Celebram amor proíbidoNo teu altar
A Rosa prometida
Cheiro a ti
Sou fruto de paixão bendita
Enlace
O teu dedo
No meu anel
A minha língua
Teu figo mel
Beijos labaredas
Corpos em chamas
In manos tuas
Enlaça-me com as tuas mãos azuis
Como a montanha enlaça a rocha
Amans, amantis
Ama-me
Como o sol ama a lua
Beija-me
Acende a tocha, encanta-me com a tua voz
Alma nua
Aninha-te em mim
Cegueira
No bosque bifurcado de ti
Há pirilampos
Fico cego
Nunca vi melhor
Das árvores caiem folhas
Provo o teu licor
Os anjos
Os anjos sairam do céu
Estão na rua
Oferecem-nos asas
O vôo é teu e meu
O templo
Procuro a chave
Converso com tesouros secretos
Partilho esse festim
Contigo
Com a lua
Com o sol
Com a estrela da manhã
Entro em mim!
Claves
Entre a clave de sol
E a clave da lua
Mulheres-Aves
Semi-nuas
Mulheres- Sereias
Cânticos de outros mares
Outras areias
Retratos
No trono do tempo
A liberdade coroa a Paixão
Com Rosas, Espinhos
Pimenta e Acafrão
Fujo a 7 pés
Estou a ficar sem chão...
Salamandras
Dança do Fogo
Das labaredas
Rompe a Espada
Ergues o Cálice
Oh, Deusa encantada!
Labaredas
A almofada está a arder O coração subiu-me à cabeça!
Camilo, nas suas obras, especialmente no Amor de Perdição e em Amor de Salvação, transfigura-se nas personagens e ganha vida nelas; escreve a Vermelho, cor de fogo, entre a Perdição e a Salvação, entrega-se de corpo e alma, purifica-se na Paixão...Entre Eros e Thanatos, Camilo elege um tesouro: a mulher amada e prefere o cativeiro e a própria morte a desistir dela!
Camilo é um eterno Mestre Aprendiz do Amor romântico, sobe os 15 degraus do Templo na sua escrita Azul, conseguindo mesmo vislumbrar Mulheres-Anjo e uma Sereia num mar de gente citadina.
Na numerologia, o número 15 é frequentemente associado à liberdade, independência e aventura. Ele simboliza mudanças positivas e novas oportunidades que surgem na vida, incentivando a pessoa a seguir seu coração e intuição. O número 15 também está ligado ao chakra da estrela da terra e ao signo astrológico de Sagitário, ressoando com o elemento fogo.
O Número do anjo 15 tem um significado e importância especial para as chamas gémeas simbolizando uma jornada de transformação e reunião; ele é igualmente símbolo do Amor incondicional e das conexões espirituais.
Camilo chama-nos em cada uma destas 15 labaredas poéticas. O desafio é atravessar a Luz!











![Pessoa lendo no gramado. Na verdade, a ficção (sintetizando eu neste singular o plural dos contos) encerra-se sobre si própria. Antes de mais, autodefinindo-se como “apenas um traço amarelo e letras de alfabeto desconhecido” de um “[Eu que] aqui estou” (OE, p. 64) em sucessivas auto-inscrições](http://media.meer.com/attachments/d30f5af7b6fdb946a5494e803ea33efbaacb7e58/store/fill/330/186/f0c1a586ee9dd48d484e30872aae815d9de60bc5fc276d55baf042d6cfbb/Pessoa-lendo-no-gramado-Na-verdade-a-ficcao-sintetizando-eu-neste-singular-o-plural-dos-contos.jpg)



