O “toque à espanhol”, diriam os meus conterrâneos. Por este termo, consideremos o velho dizer da necessidade de “ver” com as mãos, mas sem necessidade nenhuma.
A impressão digital e gordurinha humana, que fica espalhada.
O vício de mexer e experimentar, transmite que a nossa criança interior ainda vive dentro de nós.
A “falta de uma mão de ensino”, reforçam os conterrâneos, o que tal faria numa situação destas.
O cúmulo do vício e a falta de consideração.
Depois, o erro, a falha, a humilhação.
Seguem os seguros de responsabilidade civil, os milhares a circular de contas e burocracias que só Deus sabe.
Tudo por um adulto que não quis crescer. Não estamos a falar de um acidente.
Depois a perda, o restauro, o investimento e o que ficará sempre com a mazela errada, que efetivamente não advém do tempo.
O toque certamente dá emoção, transforma a vista num sentimento completo e analisa a obra de perto.
Mas apesar de dinâmicos, interativos, integradores e já pouco ou nada conservadores, ainda se trata de um local que exige respeito à arte e acima de tudo à cultura.
Não nos referimos a brinquedos e, muito menos a lojas. Não são objetos de decoração. Não está ali por acaso, nem à espera de protagonismo. Está ali porque atravessou séculos, mares, guerras e desinteresses. Ou está ali porque sim, porque tem uma mensagem.
Incomoda.
Um artista assim quis.
Um curador assim decidiu.
E sobreviveu.
O mediador orienta a peça.
A peça além de observada é violada.
Entre uma selfie e um copo de plástico mal pousado.
Alguém decidiu que precisava de mexer.
Como se o gesto fosse inofensivo, como se o toque fosse um direito.
Entre um desastre e um sem noção.
A obra, coitada… não tem como se defender. Está exposta. Literalmente. Ao calor das luzes, à corrente de ar, ao som da ignorância. Ao descuidado, à desatenção, à exigência de vários alertas para os adultos terem noção. E quando cai, racha, parte, risca, há um silêncio, breve, mas que envergonha o espaço e foge com os desertores. Mas trata-se de breves segundos. O importante foi o registo nas redes.
Os museus transformaram-se em parques temáticos com bilhetes por vezes acessíveis.
Deixou de ser interessante apreciar, comentar, partilhar, mas sim registar nos nossos arquivos pessoais.
Ora o casal que ultrapassa os limites permitidos e danificam uma cadeira de Cristal, no Palácio Maffei; ou os descuidos dos tutores quando permitem crianças mexer nas obras.
Adultos parecidos a crianças. Crianças que na verdade não cresceram.
Parecem “espanhóis”, reforçam as gentes do interior.
Tocar é a nova visão. As obras, mudas, assistem à decadência da contemplação. Ser tocado é o novo ser visto.
Não é falta de educação. É excesso de protagonismo. As redes, os algoritmos, o alcance, os seguidores e a monitorização. Novos estilos de vida em prol de respeito, orientação, apreciação e paixão pela transmissão cultural. Porque hoje, mais importante do que ver, é mostrar que se esteve lá. Sob o peso da vaidade, e da eterna infantilidade.
É um domínio difícil de geral, os equipamentos enchem-se de assistência, segurança e mesmo vigilância eletrónica, e nada disso é suficiente para as enchentes e mãos elétricas.
Talvez a solução passe pela reeducação em espaços públicos.
Pela obediência em colocação de mochilas nos cacifos.
Pelo entendimento que nem sempre é permitido água nos espaços e isso apenas apele à nossa segurança.
Para os guarda-chuvas nas entradas ou locais próprios.
Pela responsabilidade que temos pelo equipamento e enquanto cidadãos.
Pelo amor à arte.
Pela sua preservação e devoção.
Não por isso, estamos a falar de espaços rígidos e inóspitos, mas locais onde a liberdade termina onde a do outro começa.
Porque estamos a falar de cultura e respeito pelo nosso património, por muito que ainda estejamos a anos de luz de poder entender tudo.
Mas porque cultura é uma palavra difícil de definir e, se a danificarmos pela nossa falta de sensibilidade, só estaremos a desajudar.
“Ver com as mãos”, é um ditado comum, oiço desde pequena...
Mexer em tudo sem necessidade ajuda certamente a entender melhor.
Talvez, seja uma necessidade de adaptação também dos museus à mudança, jamais mexer nas peças, mas permitir soluções ágeis ao toque.
Criatividade na mediação.
Mas no fim, talvez não se trate apenas de mãos inquietas, mas de uma cultura em crise, onde o toque substituiu a contemplação, e a presença física vale mais do que a compreensão do que se vê.
Os museus, templos da memória e da sensibilidade, não podem competir com o imediatismo da atenção digital, mas também não devem se render a ele, talvez unir-se seja a expressão mais acertada.
Respeito, é importante, tanto pelo que nos antecede, mas também para o queremos transmitir.
Afinal, a cultura sobrevive quando é vivida, mas só se mantém quando é cuidada.