Certos aspectos da mentalidade moderna são tão entranhados no senso comum que nem se costuma considerar que existem dúvidas quanto a elas. Parece obvio para a maior parte das pessoas que existe progresso humano no que tange a uma miríade de assuntos, como riqueza material ou conhecimento científico. Enxerga-se o passado como mais difícil que o futuro e com uma propensão a melhora gradual.
Poucas pessoas questionam essa visão e menos ainda se perguntam por que ela existe, com exceção dos mais rebeldes e incoformados. Entretanto, a crença no progressos humano é algo relativamente recente na história humana. Durante grande parte da existência da espécie não aparentava às pessoas que o mundo fosse melhorar.
Povos orientais e do mundo antigo enxergavam a história como cíclica, parte de uma tendência sem início nem término. O universo era criado pelos deuses, e começaria em uma era de ouro, mas esse período consagrado seria encerrado pela introdução do mal no mundo, com o tempo a humanidade iria decaindo até chegar a uma época de degeneração que precederia o fim, apenas para acontecer um recomeço.
Visões cíclicas da história são encontradas na maior parte dos povos, como os hindus que apontavam para a criação do mundo pelo deus Brahma, um ciclo de 4 fases no qual a existência teria a entrada de cada vez mais mal, até ser destruída pelo deus Shiva antes de ficar completamente corrompida. O processo todo duraria “Um dia divino”, no dia seguinte os deuses reiniciavam o processo.
Os gregos também tinham pensamento similar. Hesíodo dividiu as eras humana em idades do Ouro, Prata, Bronze, Heróis e Ferro. As duas primeira sendo Utopias felizes, a terceira uma época de violência, a quarta o momento em que viveram os semideuses dos mitos antigos e a atual em que a justiça no mundo era ignorada. Os sofistas acreditavam que o universo durava “um ano cósmico” sendo iniciado e encerrado em um gigantesco fogo de renovação.
As religiões cristã, judaica e islâmica mudaram essa mentalidade. Para os monoteístas, o tempo não era um círculo e sim uma flecha, que apontava para uma direção, o reino de Deus. A história tinha começo, meio e fim. Uma dramatização da jornada humana. Ainda assim não era uma narrativa feliz, os monoteístas ainda creiam que a história humana era de decadência com o futuro sendo visto como uma época trágica. O mundo cristão começava no jardim do éden e caminhava para ser tomado pelo pecado até o fim dos tempos e a chegada das forças do mal. Apenas depois de transcorrida a narrativa, um epílogo mostraria a humanidade feliz no novo mundo criado para os eleitos.
O mundo durante a idade média era mais pobre e possuía menos conhecimento científico do que o império romano, portanto essa visão decadentista da história fazia sentido com a realidade material. Durante toda a era cristã, os fiéis acreditavam que o fim estava próximo, muitos argumentaram que Jesus voltaria no ano 1000, curiosamente, o mesmo temor também se desenrolou no milênio seguinte, no ano 2000. Essa mentalidade começou a mudar no final da idade média por fatores religiosos, científicos e sociais.
O mundo do final medieval passava por mudanças bruscas, o poder da igreja ruía, as monarquias europeias concentravam o governo em suas mãos. Os mongóis ameaçaram a sociedade cristã, mas foram embora antes de destruí-la, entretanto, transmitiram a peste negra que matou um terço do continente. Os muçulmanos conquistaram a metade oriental da Europa com o exército mais poderoso da época e traziam temor para o resto da cristandade.
Ainda assim, havia aqueles que acreditavam no potencial humano para melhorar. Dentre os líderes religiosos, o abade Joaquim de Fiore acreditava que após a era do Pai (antigo testamento) e do Filho (novo testamento), os fiéis construiriam uma era do Espírito Santo, não sendo necessário esperar que o próprio Deus viesse para trazer o seu reino. Na filosofia, Guilherme de Ockham proclamava a liberdade humana para realizar o que quisesse e rompia com o pensamento dominante medieval, seus seguidores se intitulavam “modernos” e buscavam se distanciar dos “antigos”. Na economia, a Europa começava a enriquecer por causa do surgimento do capitalismo embrionário.
Ainda que fossem mudanças sutis e imperceptíveis, essas alterações na mentalidade medieval dispararam uma revolução dentro do mundo cristão que percorreria todos os 5 séculos seguintes. Os estudiosos cristãos até o momento tratavam o conhecimento herdado dos gregos como completo e infalível. Mas um dos primeiros cientistas, Roger Bacon, começou a ir na direção oposta. Bacon propôs a teoria do “Ímpeto” para explicar por que as flechas voam quando disparadas, representou uma grande mudança, os gregos não sabiam disso, logo novas ideais podiam surgir. Alguns livros de ciência do começo da era moderna apresentavam pedidos de desculpas por apresentarem conhecimento que os gregos antigos não tinham, mostrando a reverência ainda grande, mas começando a dar lugar a curiosidade.
Um dos pais dessa nova mentalidade foi o poeta Petrarca. Criador do chamado movimento humanista, Petrarca via a idade média como uma “era das trevas” que foi ultrapassada pelo “renascimento” da cultura clássica. Petrarca acreditava que o homem tinha grande potencial, mas para realizá-lo precisava do conhecimento. Por isso dedicou muito tempo a vagar pelos mosteiros da Europa em busca de textos clássicos gregos perdidos e copiá-los para resgatá-los e aumentar o conhecimento. O humanismo continuaria, depois de Petrarca no grandes cientistas, filósofos e artistas na Renascença.
Homens como Galileu, Francis Bacon e Descartes deram grandes passos para mudar a mentalidade europeia. Galileu criticava abertamente as ideias de Aristóteles, o filósofo mais reverenciado, sobre a física, criando o precedente de que os gregos estavam errados. Francis Bacon propôs uma Utopia em que o próprio homem iria construir o paraíso na terra, mas para isso precisaria da ciência, e só poderia alcançá-la quebrando as falsas ideias, preconceitos e autoridades que tinha e sua mente.
Descartes quis recomeçar todo pensamento do zero, para se livrar de qualquer ideia preconcebida e reconstruir o mundo intelectual a partir de um ponto inquestionável, encontrou esse ponto na famosa frase “Penso, logo existo”. Tudo que se sabia antes podia estar errado, mas não havia motivo para pânico, pois o que se podia vir a descobrir superaria em muito o velho mundo que estava sendo abandonado. Essa era a mensagem da nova visão de mundo humanista.
Nem todos os humanistas eram tão esperançosos, havia aqueles como Hobbes que olhavam apenas para o lado mal do ser humano, enxergando uma espécie violenta e perigosa. Outros mais cínicos que viam na política uma busca amoral por poder como Maquiavel. Mas em todos eles imperava o ímpeto de buscar um mundo centrado no ser humano e encontrar soluções para os problemas que afligiam a humanidade. Hobbes em seu pessimismo ainda assim creia que o governo por um rei com poder para fazer tudo, mesmo ditar a opinião pública, traria paz e segurança.
O mundo do começo da modernidade era ainda muito violento e intolerante. Enormes conflitos arrastavam os países da Europa para guerras sem fim. Brigas religiosas entre protestantes e católicos varriam o continente, causando perseguições em que milhares de pessoas morriam. Mas os intelectuais da época ainda mantinham a esperança de superar as dificuldades e gerar um mundo melhor. Vinha então o projeto iluminista de reformar a sociedade usando a razão e a ciência.
Como não era possível que uma única igreja se estabelecesse em todo o continente, a solução seria criar uma sociedade que seguisse a lei moral natural (a ética cristã básica) mas fosse aberta a todas as denominações. Como os reis da época abusavam do poder apenas para seu próprio bem, era hora de limitar as forças da monarquia. Os vários privilégios da nobreza eram um entrava ao progresso, impedindo que os mais qualificados assumissem as funções no qual era aptos, por isso os europeus importaram da cultura chinesa a meritocracia, copiando o sistema de escolher burocratas por exames baseados nos conhecimentos de clássicos da civilização.
Os iluministas acreditavam piamente estarem trabalhando para estabelecer um mundo melhor de conhecimento e liberdade. Muitos se comparavam a Newton, querendo progredir o entendimento do ser humano, do mesmo modo que Newton tinha feito com a física. O século 19 apontou que eles estavam sendo bem-sucedidos. As monarquias da Europa foram se tornando menos elitizadas e violentas. O conhecimento científico disparou como nunca antes na história, a escravidão foi abolida, a medicina começou a curar males que nunca se imaginou possível e as mulheres tiveram suas primeiras conquistas sociais.
A prosperidade sem fim da época apontava para um futuro brilhante, por toda a Europa muitos estavam impregnados com a filosofia positivista que pregava a chegada de uma nova era utópica comandada por cientistas em que tudo seria reorganizado para o progresso e razão. Escritores como H. G. Wells sonhavam com um mundo perfeito em que toda humanidade viveria em paz e união. Alguns dos sonhadores do século como Willian Godwin iam mais longe acreditando que um dia talvez os homens pudessem se tornar imortais.
Ainda que o otimismo estivesse em alta, o choque que atingiu a humanidade no século 20 seria profundo. As duas guerras mundiais, a crise econômica de 1929, os regimes totalitários e guerra fria, todos esses eventos contribuíram para minar a confiança que o mundo moderno atribuía ao progresso. Os intelectuais do século apresentavam uma visão de mundo muito mais sombria que seus equivalentes em épocas anteriores. Adorno e Horkheimer acusaram a razão de ser cumplice da opressão e da injustiça. Seu discípulo Herbert Marcuse considerava a ciência parte da ideologia de dominação que mantem tanto ricos quanto pobres alienados.
Os jovens dos anos 1960 se rebelaram, pela primeira vez preocupados que a guerra nuclear pudesse extinguir a humanidade devido a uma decisão inconsequente. A preocupação com o meio ambiente e o bem-estar da natureza se tornou uma pauta cada vez mais importante. Pensadores críticos da cultura ocidental (apelidados de pós-modernos por sua rejeição dos valores da modernidade) começavam a alegar que a liberdade democrática era uma ilusão e que o progresso havia na realidade criado apenas uma prisão mais confortável que deixava seus inquilinos acomodados as suas celas.
O século 21 ainda se encontra em uma encruzilhada, as novas gerações ainda buscam solucionar os problemas da sociedade, mas o clima de otimismo está muito reduzido. Boa parte dos jovens são mais desiludidos do que esperançosos com o futuro. A crise ambiental começou a apresentar os primeiros sinais das mudanças que trará. Após décadas de estabilidade, o mundo está volátil politicamente com guerras, a economia a anos estagnada e o saudosismo com o passado é cada vez maior especialmente entre os mais velhos que não aprovam a direção que o mundo caminha. Como não se poderia prever o mundo que iria surgir do fim da Idade média, ainda não é possível prever como a civilização vai evoluir e se adaptar à realidade neste século, se o espírito de progresso vai retornar ou a visão pessimista irá prevalecer.















