Assistindo um comercial na televisão sobre um aplicativo de vídeos, ouvi uma frase sobre Memórias Póstumas de Brás Cubas que me fez rir e pensar, “Um morto contando fofoca sobre a própria vida...”. Pensei como um comentário simples poderia resumir tão bem meu livro favorito.

Não é a primeira vez que a genialidade desta obra viraliza na internet. Em maio de 2024, uma americana viralizou na internet após gravar um vídeo dizendo que tinha acabado de ler o livro de Machado de Assis e que sabia que não ia encontrar um livro melhor para ler depois.

Memórias Póstumas de Brás Cubas foi lançado em 1880 e marca o começo do movimento realista no Brasil. Como era comum na época, foi lançado em capítulos na Revista Brasileira semanalmente. A obra, transformada em filme no ano de 2001, estrelado por Reginaldo Faria, é válido para se familiarizar com a história, mas seria impossível transmitir todas as ironias machadianas em um filme.

Minha experiência pessoal com a obra começou aos dezessete anos, quando tive que fazer um seminário em grupo para a aula de Literatura. Logo que comecei a ler o livro (minha primeira experiência com Machado de Assis), fiquei impressionada com a capacidade do bruxo do Cosme Velho de se comunicar com o leitor. Já tinha assistido filmes com “a quebra da quarta parede”, mas nunca tinha visto isto em um livro.

Para quem não conhece a obra, Brás Cubas após sua morte reflete sobre sua vida. Apesar do enredo simples, os comentários geniais de Machado de Assis sobre situações comuns tornam o livro essencial. Quando narra, em sua infância o desprezo com que o menino tratava os negros, denuncia o racismo; quando mostra que o relacionamento com Virgília era um capricho, denuncia o machismo.

Outro aspecto de Joaquim Maria Machado de Assis que tem vindo à tona nos últimos anos foi o “embranquecimento” sofrido pelo autor, principalmente no século XX. Se você tem mais de trinta anos, provavelmente conheceu na escola a imagem de Machado branco, apesar do autor nunca ter negado suas origens. Até em sua certidão de óbito, ele foi declarado branco. Atualmente, este erro vem sendo corrigido, apesar de mais de um século de atraso.

Criado no Morro do Livramento, o autor era filho de um escravo alforriado com uma portuguesa. Nunca cursou universidade, apesar de ser considerado por muitos o maior escritor negro de todos os tempos. Fica claro que, a única maneira da sociedade brasileira aceitar a genialidade de Machado de Assis foi fingir que ele era branco, lamentavelmente.

Outras obras

Voltando a minhas experiências pessoais com a genialidade de Machado de Assis, foi impossível terminar de ler Memórias Póstumas e não começar Quincas Borba, personagem fascinante surgido no livro, que ganhou obra própria. Foi lançado na revista A Estação, mensalmente, num período de 5 anos entre 1886 e 1891. Eu precisava entender a história por trás de “Ao vencedor, as batatas!”. Fiquei conhecendo a filosofia do Humanitismo, que acaba sendo resumida nesta frase.

A leitura não é tão fácil quanto a obra anterior, mas Quincas Borba é realmente um personagem muito bem escrito. A trama se desenrola através do herdeiro Rubião, que também é discípulo das filosofias criadas pelo ex-mendigo que se torna milionário. O rapaz precisa se desvencilhar de um casal de golpistas que deseja sua herança.

Meu próximo livro foi o mais conhecido e de leitura mais fácil, escrito por Machado de Assis, Dom Casmurro. Ele foi lançado em 1900, já como livro. Fica difícil explicar como esta obra entra na sua mente, em que momento as situações imaginadas por Bentinho aconteceram... Ganhou uma versão cinematográfica em 2003, que tinha como trilha sonora a música Olhos Vermelhos da banda Capital Inicial.

Capitu é um capítulo à parte. A melhor personagem feminina já escrita, na minha opinião. Sua personalidade e inteligência são surpreendentes. Muito bem retratada em uma minissérie para a televisão em 2008, já tinha sido levada aos cinemas nos anos 1960. Não à toa que a pergunta “traiu ou não traiu?”, de vez em quando se torna assunto na internet.

Em seguida, li Helena, a obra mais antiga de Machado que tive oportunidade de ler, escrita em 1876. Foi o terceiro livro lançado pelo autor. Minha maior curiosidade era descobrir como um autor tão realista conseguiu participar do movimento do Romantismo. Apesar da trama se desenrolar dentro dos padrões do Romantismo, a personalidade da mocinha já lembra as personagens de obras aclamadas escritas por Machado. Mesmo com um final clássico do movimento, já se percebe muitas características machadianas dentro desta história.

A próxima obra de Machado de Assis que li, alguns anos depois destas, foi O Alienista. Existem divisões entre classificar a publicação como conto ou novela, principalmente pela extensão ser um pouco maior que os contos tradicionais. Também publicado na revista A Estação entre o fim de 1881 e começo de 1882, depois foi lançado na coletânea Contos Avulsos.

A história, bastante moderna para a época, fala do alienista dr. Bacamarte, nome antigo para a profissão de psiquiatra. Os estudos de Freud começavam a ganhar respeito no fim do século XIX, portanto era um assunto pouco explorado. A trama, com tom bastante cômico, mostra como de perto ninguém é tão normal. O alienista começa tratando pacientes psiquiátricos, depois passa a identificar doenças mentais em todos moradores da cidade.

A Esterilidade

Importante destacar que os protagonistas de Machado de Assis nunca têm filhos, provavelmente uma maneira do bruxo do Cosme Velho se espelhar neles. A esterilidade do autor pode ter sido causada pela epilepsia, doença que o atormentou desde a infância.

Já o apelido bruxo do Cosme Velho se deve ao hábito de Machado queimar cartas dentro de um caldeirão na laje de sua casa.