Adoro o povo e o Continente Africano.
A capital Luanda foi um presente de cultura e alegria; lá, mesmo com tanta "proibição" consegui implantar ideias e ações sociais, o que me deu também o passaporte de volta ao Brasil. Tentei, mas não consegui aprender um dos 69 dialetos que compõem a Língua Pátria, tendo o oficial português de Portugal. Não me foi dito o porquê, mas tenho certeza que alguns enfrentamentos, ações como diminuir o tempo de trabalho dos vigilantes, inicialmente na empresa que dirigi, de 24/24h para 12/12h e o aumento salarial com bônus noturno, contas bancárias para todos os funcionários e crédito, partilhar a cozinha da empresa - cada um trazendo o que pudesse para Adelina ou Marcele providenciarem o almoço, que Tude, secretária do meu apartamento trazia completo para até três pessoas, abriram meu caminho de volta, demissão...
Lá, também ocorreram situações folclóricas, como ter que pagar 100 dólares por ter urinado de madrugada na rua no estacionamento do Jornal de Angola, atrás de kombis, bem lá no último carro da fileira, e o acharque veio de uns magalas...
A multa se deu, e aí respeitei, porque segundo esses magalas, enquanto esperávamos a carrinha, porque eu não queria dar os 2 mil kwanzas sugerido para cada um, disseram: - "Tu estás a desrespeitar solo angolano, opá!" apontando a luz fraca de uma lanterna para o fio de urina que corria distante no asfalto. Aí, eu concordei e paguei a multa às 4h da manhã... Segundo uma autoridade brasileira que estava por perto, foi a mijada mais cara dos continentes.
Convidado num domingo ensolarado, com um clima ameno, fazia 23°, fui jogar bola numa quadra de cimento perto de um convento, e lá estive praticamente abraçado por toda África.
Durante a pelada, eu muito fora do peso, quase 90 quilos, com a arquibancada de cimento cheia de curiosos e kandengues angolanas, muitos já conheciam algumas de minhas histórias e andanças por Luanda. De sacanagem, quando eu pegava na bola, gritavam: - Ronaldinho Gaúcho, ebá!!!
Claro que derrubei alguns kambas com jogo de corpo e dribles. Após duas ou três partidas de futebol (claro que ganhei), morrendo de sede, água potável nessa época (2006 - 2008) existia apenas em galões importados, avistei dois carrinhos de picolés, lá eles chamam de carrinha de gelado.
Meu amigo sentado na arquibancada e um dos mestres angolanos, Lopes Trigo, riu ao me ver caminhando em direção aos vendedores de gelado - kandengues também.
E disse: - Lá vai o general e sua tropa.
Perguntei a um dos vendedores. - E aí, quanto é o gelado?
-20 kwanzas, brasuca. Me respondeu um deles.
Comprei e distribui todos os picolés dos dois carrinhos, rodeados de crianças.
A massa de alegria dessas kandengues luandenses quase me derruba, tentaram me abraçar e pulavam alegres gritando: - "Hei, hei, hei!!! O brasuca Ronaldinho Gaúcho é nosso rei"...
Lógico que a apelidação tinha um que de sarcasmo ao grande jogador de futebol, conhecido por Bruxo tal sua habilidade com a bola e destreza no futebol, coincidiu com o medo de um baiano morador há mais de cinco anos em Luanda e diagramador no Jornal de Angola.
Expunha medo sobre minha pessoa, porque, talvez, sabe-se lá o que ele pensava, não alcançou a popularidade, humildade, exponencialidade junto às pessoas, simples e das autoridades, tampouco no trabalho elevado que fiz na capital angolana. Daí, espalhou entre os colegas de trabalho que eu era um bruxo baiano – até nisso ele errou -, adoraria ter os títulos de baiano, mais o de Angolano.
Criei páginas nas redes sociais da época com o apelido de Bruxo mor, nada demais, apenas para cultivar amizades dentro e fora da África.
Algumas situações que buscamos sobre a comunicação daquela época, não tão evoluída quanto a de hoje no ponto específico da internet, me faz perguntar como achei tantas pessoas que não falava há muito tempo. Fiz contato com gente que não via há 30 anos, outras mantinha vínculo por interesses emocionais, uma delas lá no Canadá, para onde me mudaria após terminar o trabalho em Luanda, outras me ligavam do Brasil sem eu ter passado qualquer número.
Junta-se à distância, os vínculos e as oportunidades. Uma familiar estava morando na Europa há mais de 10 anos, e eu tinha a oportunidade de a cada três meses ter passagens aéreas pagas ida e volta para qualquer lugar do mundo, assumia a hospedagem e alimentação. Fiz contato com ela para saber sobre Paris, hospedagens etc., e por razões óbvias não me hospedaria no apartamento dela, apenas marcaríamos um jantar num restaurante que ela, as filhas e o marido gostassem de ir.
Ela me falou de uma prima por parte de mãe que eu saía muito em Brasília, e estava morando também no Continente Africano. Passou o contato e telefonei para And, na Etiópia, um perto tão longe, mas que daria para nos vermos, o que não ocorreu porque o marido dela, um alemão, não entenderia bem nossa amizade e o porque de um encontro...
Aproveitei pouco a oportunidade de a cada três meses conhecer outro país numa lista de 20, desde Islândia, Finlândia, Itália, Áustria, França aos EUA (Filadélfia, New Jersey, New Orleans), porque consegui uma forma de ganhar mais dinheiro resolvendo problemas de empresas brasileiras instaladas naquele Continente, assim como de pessoas que por lá trabalhavam a algum tempo nas cidades do Rio, São Paulo e Brasília.
Sobre o Canadá meu receio era quanto ao frio, e num dos bate-papos via Skype, telefonia melhor que a do celular, comparando-se valores e funcionalidade, minha ex-futura disse que estava num shopping subterrâneo, porque no lado de fora estava a -5°.
Carregava o Skype com 30 euros e falava por horas com Toronto, no Canadá, ou com a cidade do interior sudoeste da Bahia, no Brasil, com Paris, Rio de Janeiro. No Rio cultivava e dava explicações para um grande amigo, Michel Abeid, um dos grandes incentivadores na minha carreira de escritor.
Numa dessas conversas lá no interior da Bahia, o fuso horário em relação ao Brasil era de 4 horas à frente. Ou seja, em Luanda chega perto da meia-noite e no Brasil é horário de pós janta, 20h. Ainda com os costumes cariocas, por vídeo, conversava com Rúbia. Aí, dei uma negativa carinhosa, muito usual no Rio de Janeiro.
-Não, minha gostosa...
Desabou o mundo. O noivo dela estava do lado e eu não sabia que divorciada havia ficado noiva, e ela sem titubear cortou a conectividade.
Insisti de volta, ela atendeu e disse que o noivo ficou 'puto' e foi embora. Expliquei que a expressão é uma forma carinhosa muito usual no Rio, significando muito carinho e não o termo propriamente sexual. Ela entendeu e nunca mais nos falamos; ela foi bloqueada posteriormente pelo noivo que se tornou marido. Sinalizei 'puto' porque essa palavra foi motivo de muita alegria de uma amizade muito forte entre mim e a maioria das pessoas mais próximas em Angola.
Luciano Capitão Bom Ano, chefe de Logística da empresa, que para a tristeza da família e do povo angolano faleceu num acidente de carro. Ele lutou pela liberdade de Angola desde os 10 anos na Guerra Civil, tinha arsenal dentro de casa que daria para ele sozinho enfrentar um pelotão. Todos reverenciavam a figura de António Agostinho Neto, médico, escritor e político presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e em 1975 tornou-se o primeiro presidente de Angola até 1979.
No dia a dia Capitão Bom Ano era um doce de pessoa, amante a Cristo, cantava louvor sempre suscitando sua alegria. Podemos compará-lo fisicamente ao lutador de boxe norte-americano Mike Tyson, ou o Capitão era maior. Tinha sempre um sorriso no rosto, ainda mais quando eu me metia à frente das reivindicações dele para os seus com bons resultados.
Eu cobrava lisura e perfeição nos afazeres, e um ou outro funcionário da empresa não completava, ora por falta de conhecimento ou porque não atinava à importância do trabalho, crendo que podia deixar para amanhã - modo social democrata de achatamento cultural.
Capitão me dava a notícia daquilo que faltava para eu apresentar os resultados ao diretor-presidente, baiano muito gente boa e expert (empresas de capital misto Brasil - Angola), e eu batia na mesa com a ressalva do grito: - Caraca! Assim não pode, Capitão. Vou ficar 'puto'.
O meu puto era de chateado, injuriado, nervoso; e para ele, eu gritava querendo na acepção da palavra ser criança. Puto em Luanda e Portugal é miúdo, criança, menino, menina.
O Capitão disparava a rir, e mesmo eu descontrolado, dava-lhe ordens para irmos até o local resolver aquele detalhe, e no caminho ríamos bastante.
-Chefe Adênio não dás kwanzas para esses kambas? Vão bebere, fumare porcarias...
Eu respondia que dividia 30% dos meus ganhos naquela terra para que as pessoas tivessem oportunidade, principalmente aqueles miseráveis pernetas ou manetas, com olhos amarelados de paludismo e fome, usassem como lhe aprouvessem, se contentassem...
Paludismo é malária, e muitas pessoas, milhares delas, em sua maioria nas aldeias morreu por conta de rescaldo de armas químicas malária, ao contrário das estatísticas da OMS que afirmava aquele país africano tinha média maior de 48% de Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) e percentuais iguais ou maiores de HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana).
Meu diagnóstico foi de fome, produtos agrícolas das aldeias infectados por resíduos de armas químicas, usadas durante a guerra principalmente pelo grupo vindo de Cuba, apoiado pela Rússia.
Perdi meu amigo Bom Ano em outubro de 2010, já dois anos longe de Angola, e recebi a notícia no aeroporto Internacional Tom Jobim, quando fui levar o amigo Lopes Trigo de passagem no Rio de Janeiro, então presidente da Juventude do MPLA, após acertar vir ao Brasil fazer seu doutorado na Bahia e comandar a Casa de Angola em Salvador.
Como disse Pablo Neruda a "vida é para ser vivida" e meu retorno àquele Continente revigorará a amizade construída. Pretendo voltar na Semana da Pátria Brasil Angola no próximo setembro de 2025, quando se comemora durante uma semana a Independência do Brasil por lá.
Homenagem a Agostinho Neto com os votos de que a nação Angola se torne a mais próspera de África Austral, à então deputada Carolina Cerqueira, a quem tive o prazer junto com a então minha ex-futura Simone Camargo que se mudou para Ontário, num almoço no Marisqueira, restaurante centenário em Copacabana, também ao marido de Carolina, cardiologista Jorge Nelumba Sanjar, que me ensinou as boas maneiras de sorver um bom conhaque, quando fomos ao restaurante Dom King, na Rainha Ginga em Luanda e a certa altura ele me confidenciou que estávamos cercados por navios negreiros (nas outras mesas haviam apenas tugas e quase ao centro, nós, ex-colonizados, e para tantos outros amigos e tantas belas amigas angolanas.
Confiança
O oceano separou-se de mim
enquanto me fui esquecendo nos séculos
e eis-me presente
reunindo em mim o espaço
condensando o tempo.
Na minha história
existe o paradoxo do homem disperso
enquanto o sorriso brilhava
no canto de dor
e as mãos construíam mundos maravilhosos.
John foi linchado
o irmão chicoteado nas costas nuas
a mulher amordaçada
e o filho continuou ignorante.
E do drama intenso
duma vida imensa e útil
resultou certeza:
As minhas mãos colocaram pedras
nos alicerceres do mundo mereço o meu pedaço de pão!(Agostinho Neto)















