Notícias que daqui a alguns anos (ou meses ou mesmo dias) vão surpreender os ilustres e clarividentes analistas políticos ocidentais que nos ajudam a ver (ou melhor, a ocultar) o mundo nos seus comentários em grandes meios de comunicação. Vão surpreender apenas porque a censura e a auto-censura não permitem que as notícias sejam dadas. Vejamos alguns casos, sem nenhuma ordem de prioridade.
I.
Zelensky foi um joguete dos interesses ocidentais, e terá o destino que está reservado a todos eles: ou aceita o que lhe for imposto ou tem uma morte misteriosa. No primeiro caso até pode vir a ser nomeado comissário da União Europeia (onde a Ucrânia entrará depois de retalhada e neutralizada em resultado da sua inequívoca vitória contra os diabólicos russos). Terá a pasta dos negócios estrangeiros já que, depois de Kaja Kallas, qualquer transeunte distraído pode ser chamado para o cargo.
II.
Na reunião de Donald Trump com alguns líderes europeus na Casa Branca no dia 18 de Agosto, a humilhação da União Europeia não podia ter sido maior. Um grupo de alunos à volta da mesa do mestre. Nunca vi um acto de vassalagem tão bem montado. Quando se trata de reunião de líderes de países, todos se sentam na mesma mesa e quem convoca a reunião ocupa o topo da mesa. Por sua vez, o recente acordo-chantagem entre os EUA e a União Europeia é um novo Tratado de Versalhes de 1919. Nessa altura, os vencedores eram os aliados europeus e o grande vencido era a Alemanha. O tratado foi tão humilhante para a Alemanha que alimentou toda a extrema-direita em embrião na República de Weimar e na Europa – com Mussolini.
O resultado é conhecido: o crescimento da extrema-direita levou a Hitler e à guerra. António Costa, Presidente do Conselho Europeu, não foi convidado para a conversa de Washington porque, para os EUA, a União Europeia já deixou de existir. Quem lá estava era um grupo de fantasmas à espera que uma nova guerra contra a Rússia (a terceira em duzentos anos) lhes devolva a vida real.
III.
Trump é um empresário disfarçado de político. Por enquanto, ninguém dá conta de que as três únicas pessoas de negócios por quem tem respeito, isto é, com quem pode ter negócios no futuro, são: Vladimir Putin, Xi ji Ping e Narendra Modi.
IV.
O Brasil é o grande alvo de Trump, que prepara um golpe de meios e com efeitos inéditos com o objectivo de impedir a reeleição do Presidente Lula da Silva. Só a China, a Rússia e o povo do Brasil podem salvar o Brasil do pior. Acreditemos que o queiram fazer, porque poder, podem.
V.
Durante a segunda semana de Agosto de 2025, a China e a Rússia fizeram exercícios navais no mar do Japão, mas o facto inédito foi que a China enviou os seus porta-aviões para leste das Filipinas pela primeira vez na história, o que foi considerado um acontecimento histórico. Se o será ou não só o futuro o dirá.
VI.
Duas versões da mesma história que não é nova, mas que em Agosto neste ano da (des)graça de 2025 voltou a ser (des)notícia. Só foi amplamente divulgada a primeira1, que publico em inglês para não haver dúvidas.
Slobodan Milošević was not found innocent. While the International Court of Justice (ICJ) did not find evidence linking him directly to genocide during the Bosnian War, the court did rule that he failed to prevent genocide and hold those accountable. He also faced charges of war crimes and crimes against humanity at the International Criminal Tribunal for the former Yugoslavia (ICTY), where he died before the trial concluded.
Segunda versão: (fontes russas, ergo, não confiáveis): Os meios de informação em que esta notícia foi publicada estão censurados na UE. Dificilmente será publicada nos media que nos desinformam:
Passaram-se dez anos desde que o então presidente da Sérvia, Slobodan Milosevic, morreu quando se encontrava preso nas masmorras de um Tribunal Internacional, depois de ter sido condenado de antemão pela imprensa ocidental. Milosevic chegou a ser comparado com o genocida Adolf Hitler.
Pois bem, nestes dias, sob total silêncio da mesma imprensa que o condenou, por unanimidade o Tribunal Internacional de Haia reconheceu tardiamente a inocência de Milosevic, que inclusive morreu em circunstâncias até agora mantidas de forma a se evitar que pairasse alguma desconfiança sobre as verdadeiras causas. Era rotina mediática conservadora justificar não apenas os bombardeamentos da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) na Sérvia e no Kosovo, como também as sanções económicas contra o país presidido por Milosevic. Nesta batida, Milosevic passou os últimos cinco anos da sua vida preso à espera da conclusão das investigações do Tribunal, o que aconteceu somente agora.
Foi reconhecido que Slobodan Milosevic, além de defender o seu país, tentou deter os crimes cometidos durante a guerra em que a OTAN bombardeava diariamente a região, utilizando falsas argumentações, como agora assinala o Tribunal Internacional de Haia. Como se não bastasse esse grosseiro exemplo de manipulação da informação, que continua, como se vê com o silêncio mediático sobre o actual veredicto, sempre houve fortes indícios de que Milosevic morreu em circunstâncias duvidosas.
Em suma, Milosevic, garante o Tribunal de Haia, não participou de nenhuma “campanha criminal conjunta” para “limpar etnicamente” a Bósnia de muçulmanos e croatas. Tudo o que tinha sido divulgado a respeito carece de fundamento, até porque os juízes concluíram que “Slobodan Milosevic tinha afirmado então que os membros de outras nações e grupos étnicos deviam ser protegidos, e que no interesse nacional dos sérvios não deve figurar a discriminação contra outras etnias.”
Além disso, o próprio Milosevic declarou alto e bom tom que “os crimes dos grupos étnicos deveriam ser combatidos com energia”. Na verdade, o próprio Tribunal de Haia não se esforçou para que o relatório conclusivo de 2.590 páginas se tornasse público. É possível que os próprios responsáveis pelo Tribunal contassem que dificilmente alguém leria um relatório desse tamanho.
Milosevic foi encontrado morto na sua cela 72 horas depois de o seu advogado ter enviado uma carta ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, em que denunciava que Milosevic estava a ser deliberadamente envenenado. Um informe oficial do Tribunal de Haia sobre a investigação acerca da sua morte confirmou ter-se encontrado no seu sangue, em análise realizada depois da sua morte, um medicamento (rifamicina) nunca receitado pelos seus médicos.
A rifamicina neutralizava os efeitos de um outro medicamento que Milosevic ingeria contra a tensão alta, o que multiplicou a possibilidade da ocorrência de um enfarte.
Tais factos demonstram que, muitas vezes, antes mesmo de uma sentença definitiva, alguém pode ser julgado antes do tempo pela imprensa conservadora. A história, como se sabe, está plena de exemplos nesse sentido.
No caso de Milosevic houve sempre a suspeita de que poderosos interesses geopolíticos preferiam vê-lo morto antes da finalização do julgamento que o inocentou. Aguarda-se que em determinado momento algum órgão de imprensa noticie pelo menos parte da informação aqui divulgada.
Quando saberemos a verdade? Quando soubermos a identidade de quem mandou matar John Kennedy ou Martin Luther Jr.?
VII.
Na semana de 18 de agosto de 2025, a União Africana deu o seu apoio oficial à mudança do mapa de África que desde o século XVI tem sido desenhado segundo a projecção de Mercator. Esta projecção aumenta artificialmente o tamanho da Europa e da América do Norte e reduz o tamanho do continente africano a sensivelmente metade do seu tamanho real.
Esta projecção não é nem nunca pretendeu ser neutra e condicionou o modo como o mundo em geral e as crianças africanas em especial imaginaram o seu continente nas escolas, contribuindo significativamente para sua baixa auto-estima como originários deste continente menorizado. Em sua substituição, pretende-se que seja adoptada a projecção Equal Earth, que é mais fiel ao tamanho real dos diferentes continentes. Esta substituição significa que a representação cartográfica passa a ser oficialmente reconhecida como uma dimensão da política, tanto nacional como internacional.
VIII.
Por incrível que pareça, Donald Trump foi seriamente considerado como candidato ao Prémio Nobel da Paz. Chegou a pedir a líderes africanos, que convocou para a Casa Branca (construída por negros), que escrevessem cartas ao Comité Nobel, apoiando a sua candidatura a troco de vantagens nas tarifas. A notícia da possível nomeação correu mundo. Já o mesmo não sucedeu com a recente notícia de que o Comité Nobel retirou discretamente Donald Trump da lista de candidatos.
IX.
Os jovens de tudo o mundo estão a adoptar novas formas de luta muitas vezes derivadas da cultura que lhes é mais próxima, por exemplo, a cultura pop ou a Banda Desenhada. A Indonésia celebrou recentemente oitenta anos de independência. Faz parte oficial das celebrações içar a bandeira vermelha e branca da Indonésia nas ruas e nas casas do país. Segundo afirmou o Presidente Prabowo Subianto, “o vermelho significa o sangue derramado para conquistar a independência e o branco, a pureza das nossas almas”. Desta vez, a bandeira oficial da Indonésia sofreu forte concorrência da bandeira do pirata “Jolly Roger” da saga japonesa “Uma Peça”, uma manga criada por Eiichiro Oda em 1997.
A bandeira consiste na cabeça de uma caveira com um chapéu de palha. Para os jovens foi o modo de lutar contra a pobreza, a inflação e a corrupção e, sobretudo, para lembrar e denunciar o facto de o presidente ser genro do ditador Suharto. O ditador foi responsável pela deposição do Presidente Sukarno e pelo assassinato de muitos milhares de militantes do Partido Comunista. E não esqueçamos que foi ele quem (a mando de Henry Kissinger?) ordenou a brutal invasão de Timor-Leste em 1975 em que morreram cerca de duzentos mil timorenses.
X.
O genocídio de Gaza é já considerado o grande crime que desonrará toda a humanidade no século XXI. Mas pouco ou nada se sabe sobre outro crime com a mesma proporção e arma de destruição (a fome) que está a ocorrer no Sudão. Por detrás desse crime estão países que nos habituámos a considerar campeões das negociações de paz na Palestina. É que há ouro no Sudão e o ouro é sempre pouco para quem já tem muito.
XI.
Raramente se fala da diferença entre guerra e genocídio. Na guerra da Ucrânia, a percentagem de crianças mortas é de 0.3%. Em Gaza, é 37.7%.
XII.
O Sionismo começou por ser o projecto de criação de um Estado etno-judaico, um projecto muito contestado entre os próprios judeus. Desde os anos de 1920, embebeu-se na política fascista que começava a dominar na Europa. Depois aliou-se à África do Sul do apartheid e apoiou ditadores na América Latina. Chegou a negociar a deportação para o Paraguai de 60.000 palestinianos. Hoje deixou de ser um simples seguidor do movimento global extrema-direita. Passou a ser um dos seus líderes. Como foi isto possível?
XIII.
Segundo a base de dados da ONU sobre a segurança do seu pessoal humanitário no terreno, em 2024 foram assassinados 383 em todo o mundo, quase metade em Gaza. A maior cifra de sempre. António Guterres nem sequer o seu pessoal defende. Quem trabalha na ONU tem saudades do último Secretário-Geral digno do nome, Kofy Annan. Teve a coragem de se opor à guerra no Iraque. A resposta dos EUA não se fez esperar. António Guterres (certamente sem se dar conta?) é o idiota útil dos EUA e de Israel. Com ele, começou a organizar-se o funeral da ONU, tal como em 1933 quando a Alemanha abandonou a Liga das Nações.
XIV.
Em Julho, o governo dos Estados Unidos deixou claro que as empresas de inteligência artificial (IA) que desejem fazer negócios com a Casa Branca precisarão de garantir que os seus sistemas são “objecivos e livres de preconceitos ideológicos impostos de cima para baixo”. Numa ordem executiva para “impedir a IA woke no governo federal”, o presidente Donald Trump refere-se às iniciativas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) como um exemplo de ideologia tendenciosa. A aparente contradição de exigir uma IA imparcial e, ao mesmo tempo, ditar como os modelos de IA devem discutir a DEI mostra que a noção de IA livre de ideologias é uma fantasia.
Vários estudos mostraram que a maioria dos modelos de linguagem distorce as suas respostas no sentido conservador em temas como impor impostos sobre voos, restringir aumentos dos arrendamentos para habitação e legalizar o aborto. Chatbots chineses como DeepSeek, Qwen e outros censuram informações sobre os eventos da Praça de Tiananmen, o estatuto político de Taiwan e a perseguição dos uigures, alinhando-se com a posição oficial do governo chinês. Os modelos de IA não são politicamente neutros nem isentos de preconceitos. Mas muita gente os está a usar como se fossem.
XV.
O que se vende como inovação não passa de repetição: mais uma vez, uma grande marca global transforma saberes ancestrais em mercadoria, extrai lucro e não devolve nada às comunidades que guardam essa memória colectiva. O caso desta vez envolve a empresa alemã Adidas, acusada de apropriação cultural ao lançar o modelo Oaxaca Slip-On, inspirado nas tradicionais sandálias huarache – símbolo da cultura indígena mexicana – sem reconhecer nem remunerar os artesãos locais.
O episódio, que começou como mais um “caso isolado”, rapidamente se tornou questão de Estado: a presidenta do México, Claudia Sheinbaum, interveio no debate e deslocou a polêmica do campo do design para o terreno da justiça económica e do património cultural. Exibindo a foto das sapatilhas, ela acusou a empresa alemã de apropriação cultural e afirmou que o seu governo já estuda medidas legais para garantir proteção à propriedade intelectual coletiva dos povos originários.
XVI.
Os países africanos são atingidos por muito menos desastres naturais em comparação com o resto do mundo. Mas sofrem muito mais. Por exemplo, em 2016, os países africanos foram atingidos por 17% dos desastres naturais em comparação com outras regiões do mundo, mas ficaram em terceiro lugar no número de pessoas que morreram ou foram deslocadas (31,8 milhões). Os países asiáticos foram os mais afetados por catástrofes naturais (47%).
Embora tenha diminuído na Ásia, a mortalidade por catástrofes tem aumentado em África. Só no nordeste da Nigéria, 8,8 milhões de pessoas estão ameaçadas pela fome. Existem várias razões para isso. Entre elas, estão factores socioeconómicos e políticos, dívida externa num sistema internacional criado contra eles, a cobiça dos recursos naturais e as guerras civis que provocam. A mudança climática tal como está a ser preparada para a próxima COP que se realizará em Belém (Brasil) é a mais recente farsa encenada pelos países ricos para levaram a cabo a versão mais recente do malthusianismo: os pobres são culpados pela sua pobreza e a sua punição é o desaparecimento em cheias e secas.
XVII.
Há 27 anos, em 20 de agosto de 1998, os Estados Unidos lançavam um ataque com mísseis de cruzeiro contra a Fábrica Farmacêutica Al-Shifa, a maior produtora de medicamentos do Sudão. O ataque destruiu completamente as instalações e matou ou feriu 12 pessoas. As consequências, entretanto, foram bem mais severas. Al-Shifa era uma das maiores indústrias farmacêuticas do continente africano. A instituição produzia metade dos medicamentos consumidos pelos sudaneses e exportava produtos farmacêuticos a preços acessíveis para várias nações da África e do Oriente Médio.
Com a destruição da fábrica, o Sudão enfrentou uma grave escassez de medicamentos que inviabilizou as ações assistenciais. A falta de tratamento médico e o agravamento das epidemias causaram dezenas de milhares de mortes. O governo dos Estados Unidos justificou o ataque alegando que a Fábrica Al-Shifa produzia armas químicas — uma justificativa falsa, que foi prontamente refutada. O ataque ocorreu em meio ao ápice de um escândalo sexual envolvendo Bill Clinton e foi utilizado como parte de uma estratégia diversionista. Quem se lembra disto?
Este texto podia continuar com muitos mais exemplos. Mas os que seleccionei são suficientes para mostrar o modo como a nossa ignorância está a ser construída pelo conhecimento dominante no Ocidente.
Nota
1 Milosevic’s Old Allies Celebrate His ‘Innocence’.