O Oriente Médio sempre foi palco de histórias intensas, berço de civilizações, religiões e impérios. Mas também de dores que parecem não ter fim. A região é uma mistura complexa de povos e crenças: a maioria é árabe, cerca de 90% seguem o islamismo, dividido entre sunitas e xiitas; há também cristãos, presentes desde os primórdios do cristianismo, e os judeus, cuja fé e história estão profundamente enraizadas na terra de Israel. É uma convivência que, no papel, poderia representar diversidade e diálogo. Na prática, tem sido, por décadas, uma sequência de rupturas, desconfianças e guerras.

O recente fim da guerra entre Israel e o Hamas foi celebrado em algumas capitais do mundo como um alívio, mas não há o que comemorar. Quando um cessar-fogo é assinado, não significa que a paz chegou, significa apenas que as armas silenciaram, por enquanto. A paz, de verdade, não vem de acordos políticos, mas da reconstrução de vidas, da justiça e da empatia. E nada disso parece estar próximo.

Foram dois anos de conflito intenso, que deixaram um rastro de destruição e uma ferida que não cicatriza. Mais de 90% da população de Gaza foi deslocada, cidades inteiras foram reduzidas a escombros, e o mundo assistiu, quase impotente, a um drama humano de proporções indescritíveis. Crianças sem escola, famílias sem casa, hospitais sem energia, tudo o que constitui a dignidade de um povo foi corroído pelo bombardeio incessante e pela desesperança.

Mas essa guerra não começou em 2023, nem em 2021, nem em 2008. Ela é o eco de um conflito muito mais antigo, que remonta à primeira metade do século XX, quando as potências ocidentais, após a Segunda Guerra Mundial, decidiram criar o Estado de Israel em uma terra onde já viviam árabes palestinos há gerações. Desde então, a tensão nunca cessou. O que era para ser uma solução, dois povos, dois Estados, virou um nó político e moral que ninguém consegue desfazer.

O Hamas é considerado um grupo terrorista por Israel, pelos Estados Unidos e pela União Europeia. Mas há quem o veja como o único movimento que ainda ousa resistir ao que chamam de ocupação. Essa dualidade revela a complexidade do problema: quem é terrorista e quem é resistente? Depende de qual lente você escolhe olhar. O que não há dúvida é que, de ambos os lados, quem mais sofre é o povo, o civil comum, o trabalhador, a mãe, o estudante, o agricultor, o médico que tenta salvar vidas entre os escombros.

E enquanto isso, a política global assiste. Alguns países lamentam, outros se calam. Há ainda os que se utilizam da guerra como palco para reafirmar poder, vender armas, ou negociar influência geopolítica. É nesse ponto que a coluna muda de foco: onde entra a economia nessa tragédia?

Guerra é também negócio. Armas são exportadas, contratos são assinados, alianças são firmadas. Israel, uma potência tecnológica, mantém sua indústria bélica em pleno funcionamento, e o mundo compra. Do outro lado, Gaza depende de ajuda humanitária que raramente chega em tempo hábil. É um abismo econômico e moral. A guerra destrói casas, mas também destrói futuros: o desemprego, a fome e o colapso de infraestrutura geram dependência internacional e perpetuam o ciclo de vulnerabilidade.

A ONU tenta, ainda que com limitações, intermediar o diálogo, oferecer abrigo e alimentos, exigir respeito aos direitos humanos. Mas sua voz enfraquece à medida que potências como os Estados Unidos, Rússia e China priorizam interesses próprios. Há países que, ironicamente, ameaçam se desligar da ONU, esquecendo que foi justamente essa instituição que, historicamente, acolheu refugiados, mediou cessar-fogos e tentou, mesmo sem sucesso, preservar um mínimo de humanidade em meio ao caos.

Alguns vizinhos da região, como o Egito e a Jordânia, tentam agir de maneira solidária, mediando negociações, abrindo fronteiras para feridos e refugiados. Mas outros preferem fechar os olhos. A política, que deveria ser o instrumento de construção coletiva, muitas vezes se torna egoísta, míope e desumana. Cada país parece mais preocupado em proteger sua própria narrativa do que em construir uma solução comum.

E eu me pergunto: o que é o poder, afinal? De que vale dominar territórios, se para isso é preciso destruir o que há de mais essencial, a vida? O que significa vencer uma guerra em que todos perdem um pouco da própria humanidade?

Ver líderes mundiais trocando discursos de “vitória” diante de tanta dor é, no mínimo, perturbador. A política, que deveria servir à sociedade, muitas vezes se converte em palco de vaidades, como se o sofrimento de milhares fosse apenas um detalhe na disputa por influência global. E talvez essa seja a parte mais triste: acostumamo-nos à guerra, à morte e à indiferença.

A verdade é que o fim da guerra em Israel não é o fim de nada. É apenas uma pausa em um ciclo que se repete há décadas. A paz duradoura só será possível quando a dignidade humana for prioridade, e isso exige coragem política, não apenas poder militar. Exige olhar o outro não como inimigo, mas como ser humano.

Enquanto isso não acontece, o Oriente Médio continuará sendo o espelho de um mundo em crise de empatia, um mundo que fala de liberdade, mas escolhe quem deve tê-la; que defende direitos humanos, mas apenas quando convém; que condena a violência, mas lucra com ela.

Sim, a guerra acabou, ao menos por agora. Mas nas ruas destruídas de Gaza e nas casas enlutadas de Israel, a dor ainda fala alto. E enquanto o mundo seguir enxergando a guerra como estratégia, e não como falência da humanidade, continuaremos a escrever as mesmas manchetes, ano após ano: “Fim da guerra”. Quando, na verdade, ela nunca terminou.