Recentemente, me inteirei de que Demis Hassabis, ganhador do premio Nobel de 2024 em química, comentou que a capacidade de aprender a aprender será a competência mais necessária para a próxima geração. Imediatamente me lembrei de que, desde os anos 2000, educadores têm proclamado a urgência de se desenvolver essa competência por meio da educação formal. O relatório Educação um Tesouro a Descobrir1 publicado pela Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI da UNESCO, apresentava como um dos principais pilares da educação formal a necessidade de se aprender a aprender. Ora, há tempos se tem alertado sobre a essencialidade dessa competência, vejamos o porquê.
Não há dúvidas sobre o alto desenvolvimento da humanidade. Os avanços tecnológicos atuais foram possíveis graças à transmissão dos conhecimentos adquiridos pelas gerações anteriores às mais jovens. Estas, apropriando-se desses conceitos, puderam assimilá-los e superá-los, edificando novos conhecimentos. É por meio desse ciclo de construção de conhecimento (cultural, científico e tecnológico) que a humanidade pôde evoluir, chegando à situação presente. Nesse contexto, a educação formal recebe papel de destaque, pois, em seu sentido social, transmite conhecimentos, normas e valores comuns à determinada sociedade, alimentando as novas gerações com saberes já constituídos, os quais possibilitariam o desenvolvimento do novo.
A inconstância vivenciada nas últimas décadas e o questionamento atual sobre a validade do conhecimento cientificamente construído, exige que a educação questione a sua função. Pois, se a humanidade está assumindo novas culturas, novos ideais e novos meios de pensar sobre a vida individual e social. Os problemas da educação “serão os problemas de hoje, examinados à luz da sabedoria do passado, a serviço do presente e do futuro”, como já dizia Teixeira (1998, p.100)2. Assim, o sentido social da educação não pode reduzir-se à transmissão de conhecimentos, seu papel deve ser o de desenvolver o gosto pelo saber e satisfazer a inquietação necessária para compreender e transformar uma sociedade em que o avanço da tecnologia da informação torna imprescindível a reflexão sobre o mundo em constante transformação.
A educação formal precisa preparar o homem para a transitoriedade do conhecimento, derivado da cultura digital, para a atualização constante e para a emancipação como pessoas agentes, possibilitando meios intelectuais, autocrenças e capacidades autorreguladoras para que as próprias pessoas conduzam os seus processos de educação durante a vida. E, além de garantir o acesso à educação formal, é necessário garantir um ensino que desenvolva a inteligência, o raciocínio analítico e a reflexão crítica, de modo que o homem possa formular e resolver problemas complexos, bem como interpretar situações e processar informações, tenha visão de conjunto e iniciativa, seja autônomo, flexível e político, capaz de aprender sobre outras culturas, sobre os avanços tecnológicos e sociais, bem como se adaptar às constantes mudanças nas atividades profissionais.
O ideal da educação formal tem, também, a finalidade de preparar para a atuação profissional. Preparar o profissional para que saiba, que seja autônomo e possuidor das características anteriormente citadas, pois a formação profissional adequada, com condições de escolha consciente e de profissional agente, só pode ser oferecida àquele que tiver uma boa formação multidimensional. Para que esse ideal seja alcançado, a educação geral precisa encontrar seu espaço, pois esta é compromissada com a emancipação do homem, conferindo-lhe condições de questionar as noções de verdade, de homem, da história e do mundo, possibilitando a flexibilidade de pensamento, a fim de conhecer, entender e saber criticamente, de modo que o homem seja livre e agente de sua própria condição na era da inteligência artificial, buscando sabedoria, preparando-se para desempenhar inúmeros papéis em sua vida.
Note que, ao longo dos parágrafos anteriores, comenta-se sobre inúmeras competências a serem desenvolvidas pela educação formal, tanto em nível básico como superior. No entanto, o promédio verificado por meio de avaliações internacionais tem sinalizado que pouco êxito há sido verificado nesse quesito. Ainda os conhecimentos não são assimilados pelos estudantes como gostaríamos que fossem. Menos ainda, as competências relativas à reflexão crítica e à aprendizagem autorregulada, indispensáveis para o aprender a aprender.
Creio que somente com a sociedade, famílias e escolas unidas seremos capazes de auxiliar nossos estudantes a se desenvolverem crítica e autonomamente. Estimular que os educandos se tornem agentes de seu próprio processo de aprendizagem é um caminho viável para possibilitar a aprendizagem ao longo da vida, sem tornar-se cliente das mais diversas empresas educacionais (e aqui entram também os inúmeros cursos oferecidos de modo online por qualquer um que se crê experto).
Ainda há um vasto caminho a se percorrer. Necessitamos aprender a aprender ou ficaremos à mercê do mercantilismo educacional e, com maior intensidade, às respostas prontas e pouco sábias da inteligência artificial. A evolução é inegável: avanços medicinais, novas tecnologias, melhores condições de vida são promessas atreladas ao desenvolvimento da inteligência artificial. No entanto a pergunta de Kant3 (1993) persiste: “o ser humano, em geral progride para o melhor?” Deixarei você, leitor, responder esta pergunta de modo crítico e autonomamente.
Referências
1 Dellors, J. Educação um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. Trad. José Carlos Eufrázio. São Paulo: Cortez, 2000.
2 Teixeira, A. A universidade de ontem e de hoje. Rio de Janeiro: UERJ. 1998.
3 Kant, I. O conflito das faculdades. Edições 70: Lisboa. 1993.















