Não sei quem inventou de batizar as ruas da cidade com datas importantes ou nomes de pessoas famosas. Pelo menos aqui no Rio de Janeiro é assim: 19 de fevereiro, 13 de abril, 24 de maio, 5 de julho... Coisa mais sem sentido. Para os dias relevantes existem os feriados e as datas comemorativas. E as ruas com nomes de personalidades públicas? Estelita Lins, Evaristo da Veiga, Álvaro Chaves, Mário Portela, Olegário Maciel, Gláucio Gil, Barata Ribeiro e milhares de outras, homenagens eternas a pessoas que poucos conhecem a história.
Será que alguma pessoa tem mérito suficiente para ser nome de rua? Muitos feitos heroicos ou significativos se dissipam com o tempo, ficam ultrapassados e, até mesmo, o que foi muito importante e valioso numa ocasião, em outra época pode ser irrelevante. Ou até condenável. Dar o nome de alguém a uma rua talvez seja uma forma de engrandecer demais seus feitos. Lembrando ainda que ninguém faz algo relevante de interesse público, sozinho, sem ajuda e colaboração de muitas outras pessoas, o que torna injusto individualizar o mérito.
Eu morei quase 30 anos numa rua chamada Pires de Almeida, que nunca soube quem foi... Era perto da Almirante Salgado, da Marechal Pires Ferreira e da General Glicério. Estive cercado pelas três forças armadas, representadas em seus postos máximos. Vivi lá por tantos anos e até hoje não sei quem são estes militares e o que fizeram para merecer o destaque. Ali perto, tinha ainda a famosa Rua Alice, assim mesmo, sem sobrenome. Homenagem a todas as Alices? Ou a Alice do País das Maravilhas? Ou a uma das meninas que "trabalhavam" no famoso estabelecimento que ali existia? Deixa pra lá esta história...
Pode ser falta de interesse da minha parte, mas o fato é que nunca me despertou a curiosidade conhecer a vida e os feitos destes homenageados. Muitos deles nem os livros de história incluem. É possível que a imensa maioria dos moradores destas e de muitas outras ruas também não saiba o que motivou seu endereço a ter aquela denominação.
E nem os nomes de santos eu acho bom, apesar de admirá-los e até conhecer a história de alguns. Mas imagine o sujeito ser devoto de São João Batista e morar na Rua São Clemente: uma frustração... Ou ser de uma religião que não acredita em santos e morar na Rua Santa Clara, ou na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, ou pior ainda, na esquina das duas: o endereço da descrença.
E o nome de nobres então: Conde de Bernadote, Marques de Olinda, Barão da Torre, Rainha Elizabeth... Posso estar sendo injusto, mas parece ser mais reverência que merecimento.
Chico Anysio, gênio do humor, talvez o maior de todos os tempos no Brasil, deu nome, não a uma rua, mas a uma curva na Barra da Tijuca: Curva Chico Anysio. Isso é homenagem? Pelo menos podiam ter dado o nome dele a uma trilha, uma passagem, uma servidão ou pelo menos um atalho. Nesta linha, daqui a pouco vão dar nomes de pessoas a ponto de ônibus, sinal de trânsito, faixa de pedestres e outros equipamentos urbanos. Aí, no dia do aniversário de morte da pessoa, a família, ao invés de ir ao cemitério, vai ao local para relembrar o falecido:
-Filho, este poste é uma homenagem ao seu avô.
-Ele era alto e magrinho assim, mãe?
-Não, menino. É um símbolo, uma honraria. O poste tem o nome dele.
-E porque está todo pichado?
-São os vândalos que fazem isso. Não respeitam nada!
-Mãe, aquele cachorro vândalo tá fazendo xixi no vovô...
-Vamos embora!
A coisa é séria. Se seguirem nesta toada, até eu fico preocupado, mesmo não tendo vida pública expressiva, pois vai que alguém inventa de dar meu nome a um banheiro público, um bueiro ou uma lata de lixo... Estou até pensando em deixar em testamento que não aceito menos que um hidrante!
Sei que é um devaneio, mas muito melhor seria se as vias e praças de uma cidade tivessem sempre nomes inspiradores e edificantes, para levar esperança, felicidade, engrandecimento, educação e boas sensações aos seus moradores. Vamos lá com exemplos.
A sede da Prefeitura deveria ficar na Avenida do Bem Comum! Ocupando todo o quarteirão, estaria ladeada pela Rua dos Bons Propósitos e a Rua da Transparência, tendo ao fundo a Rua da Honestidade.
Já num bairro familiar, a principal seria a Avenida da Convivência, com várias transversais poéticas, como a Rua do Sono de Bebê, a Rua da Menina do Vestido Florido, a Alameda do Aconchego de Mãe e a Rua do Menino de Boné, pertinho da Ladeira do Solta Pipa. A última rua, lá no canto, tinha que ser obviamente a Rua do Canto dos Pássaros, bem em frente ao Beco da Algazarra dos Periquitos. E o local de encontro de todos, a Praça da Manhã de Primavera. Para completar, o saboroso endereço de duplo sentido: a Travessa do Almoço de Domingo!
No centro da cidade, sem dúvida, o ponto zero seria a Praça do Amor Fraterno. Lá desembocariam, entre outras, a importante Avenida da Solidariedade, a bela Rua da Gentileza, a aprazível Alameda da Boa Educação e o estreito Beco do Perdão Incondicional. Para embelezar, poderia haver o Caminho dos Ciprestes Verdejantes, a Passarela das Orquídeas Amarelas, o Túnel do Riacho de Águas Calmas e a Ponte do Bom Humor, que terminaria em outro duplo sentido: o Largo Sorriso!
Agora imagine o leitor, se algum Vereador de uma cidade pequena, lê esta crônica e resolve apresentar um projeto para rebatizar todas as ruas do seu município, usando este critério. E se consegue apoio de outros e do Prefeito, aprovando e colocando-o em prática. Aí, na cidade rebatizada, dois amigos se encontram:
-Soube que você se mudou.
-Sim. Estou morando agora ali na Rua da Alimentação Saudável, perto da Escadaria da Atividade Física.
-Opa, então agora estamos pertinho. Continuo no Parque da Saúde.
E que tal trabalhar no Correio desta cidade?
-Chefe, essa carta está na pilha errada. Alguém confundiu a Rua da Paz Interior com a da Paz Celestial.
-Tudo bem. Não vamos fazer guerra por isso...
Concluo, afirmando sem vacilar: eu me mudaria imediatamente para esta cidade. E escolheria a casa pelo endereço, não pelo imóvel.
Iria morar lá com a minha mulher, no número dois da Rua do Amor Que Não Passa!