A importância do exemplo é exaltada em muitas frases célebres. A que mais gosto é do filósofo norte-americano Emerson, cunhada no século dezenove: "Suas atitudes falam tão alto que eu não consigo ouvir o que você diz". Quanta sabedoria!
Lembro que meu pai, bom de garfo, amante da boa comida, algumas vezes mencionou ao final da refeição, naquela conversa em família após a sobremesa, que o certo para a saúde era comer pouco. E arrematava: sair da mesa com fome...
A primeira vez que falou isso, após fartar-se de uma generosa moqueca de peixe, ninguém deu crédito nem teve coragem de contestar. Mas na vez seguinte, os risos mesmo um pouco encabulados, deixaram claro que o conselho não merecia acolhida. Ainda tentou mais algumas vezes e aí, as gargalhadas à mesa revelaram a inconsistência do faça o que eu digo, não faça o que eu faço. Até hoje, que eu saiba, nenhum de seus filhos deixou a mesa antes de saciar totalmente a fome e ainda incluir certa reserva para contingências...
Sei do caso de uma pessoa que, desejosa de perder uns poucos quilos, foi a uma consulta com um médico especialista em emagrecimento, que não conhecia. Após aguardar por quase uma hora, a atendente orientou que poderia entrar: ao fundo estava o médico, que educadamente levantou-se para cumprimentar, exibindo uma barriga de grávida e certamente mais de 100 quilos. Com a surpresa, ela decidiu na hora:
—Ah doutor. Desculpe. Eu não vou fazer a consulta. Obrigado! – disse, rodopiando seus quilinhos a mais nos calcanhares e deixando o consultório.
Talvez uma indelicadeza, mas se aquela pessoa não conseguia uma solução para si mesma, que credibilidade teria para resolver o problema de outros? Era como uma pessoa na ruína financeira querendo dar conselhos de como ficar rico em 10 lições!
Estas reflexões me fazem lembrar um caso ocorrido no início da minha vida profissional. Fui trabalhar numa empresa do governo que fazia importantes obras, talvez as mais relevantes do Estado do Rio de Janeiro naquele período.
O presidente da Companhia vivia sempre pressionado pelo Governador e com prazos prementes a cumprir. Muito hábil e competente, usava uma interessante estratégia: marcava constantes visitas às obras, acompanhado de todo o staff, de modo a conferir no local, ao vivo, o real andamento. As visitas eram verdadeiros eventos, com pompa e circunstância, sempre envolvendo grande aparato de pessoas e recursos.
Naturalmente, nos dias que antecediam a visita, tal qual estudantes em vésperas de prova, os gerentes e diretores faziam todo esforço para colocar a obra em dia, já que o presidente, com o cronograma em mãos, iria cobrar cada detalhe.
Eu não acompanhava essas visitas, pois ainda era iniciante na carreira e na empresa. Até que, após alguns meses de trabalho, foi marcada uma visita numa obra próxima de onde eu trabalhava e, embora sem relação com minhas atividades, fui convocado a participar. Seria a minha estreia numa visita presidencial e recebi a orientação de que apenas deveria acompanhar o grupo, aguardando-os na entrada do canteiro de obras.
Cheguei ao local com mais de uma hora de antecedência, tenso com a expectativa daquele acontecimento inédito para mim.
O canteiro era todo cercado por tapumes, existindo uma única porta para entrada de pessoas e, ao lado, um portão para caminhões, ambos permanentemente fechados.
Cheguei à porta e toquei a campainha. Após algum tempo, abriu-se uma janelinha de correr pela qual eu só conseguia ver dois olhos que me observavam. Mostrei o meu crachá da empresa, informando àqueles olhos que estava aguardando as autoridades para a visita que ocorreria em breve. Uma boca que eu não via respondeu que tinha conhecimento e já aguardava a chegada dos visitantes:
—O senhor quer entrar? — indagou-me.
—Não. Vou aguardar aqui.
—É que eu não posso deixar a porta aberta. São ordens.
—Perfeito. Quando chegarem eu toco a campainha. Mas, por favor, não demore a abrir.
—Sim, senhor.
Fiquei ali, no sol, de capacete e crachá, paramentado para a aguardada visita. O tempo passava mais lentamente que o normal, como quando a gente espera na fila do banheiro.
Finalmente, os carros pretos da comitiva apontaram na rua, que devido às obras estava fechada ao tráfego. Assim que estacionaram, toquei a campainha e o rapaz, que estava vigilante, aliás, era o vigilante, com presteza abriu a porta e postou-se do lado de fora. Só então pude conhecer o dono dos olhos: um sujeito moreno e forte, estatura média, uns 30 anos, barba feita, cabelos bem curtos e vestindo um fardamento típico da função.
O grupo aproximou-se, tendo o presidente à frente, sendo seguido por umas cinquenta pessoas, todos de elevados cargos.
Ao chegar à entrada, o presidente colocado à frente de todos, cumprimentou o vigilante, que havia se posicionado à frente da porta:
—Bom dia!
—Bom dia. O senhor vai entrar?
—Sim, vamos.
—Seu crachá, por favor.
O presidente ficou atônito. Olhou para trás.
—Ele é o presidente da empresa — disse um dos diretores.
—Certo. Mas a ordem que eu tenho é que só pode entrar aqui com crachá.
Outro diretor tentou:
—Rapaz, com licença. Esta é uma visita oficial. Nunca exigiram crachá. Nós vamos entrar para inspecionar a obra.
—Tudo bem. Mas aqui só entra quem estiver com o crachá. São ordens — respondeu ele, recalcitrante.
Eu estava paralisado. Seguia a orientação de apenas acompanhar o grupo, sem interferir, mas temia pelo desfecho do episódio.
Uma terceira autoridade ainda tentou:
—Vai chamar o seu chefe.
—Ele não está aqui agora.
Os ânimos já estavam ficando exaltados. Aqui e ali ouvia-se em meio ao falatório:
—Este sujeito é louco! Fazer isto com o presidente.
—Irresponsável.
—Vai ser demitido.
O presidente percebeu o rumo que a situação ia tomando e deu uma reviravolta, dirigindo-se ao obstinado vigilante:
—Muito bem. Você está certo. Nós vamos reprogramar a visita. E eu vou fazer um crachá. Parabéns por exercer a sua função com seriedade e cumprir o seu dever.
Com um sorriso, apertou a mão do rapaz, despediu-se e retornou ao carro debaixo do mais completo silêncio da comitiva.
A notícia do ocorrido invadiu a empresa como uma cabeça d’água, percorrendo todos os ambientes e ouvidos. Na sede da empresa, nos postos de trabalho espalhados e mesmo nos mais distantes canteiros de obras, ninguém escapou e não havia outro assunto nos dias que se seguiram.
Aquele presidente fez muitas coisas importantes, mas o que aprendi sobre liderança e hierarquia com este exemplo, superou muitos ensinamentos de livros e aulas da universidade.