Qual o seu hobby?

Há quem goste de cinema, parque de diversões com roda-gigante ou até de passeios ao zoológico.

Eu gosto é de observar o bicho humano — principalmente os casais.

Sou apaixonada pelas relações. Todas elas. Sejam do reino dos humanos ou dos animais.

Gosto de apreciar o comportamento dos bichos. Gosto de ver as formigas se organizando, chamando as amigas para ajudar a carregar os restos da ração do meu cachorro.

Gosto de escutar os pássaros conversando nas oliveiras e até de assistir aos gatos da vizinha implicando com o Reiki — meu cachorro — que fica na janela enfurecido, sem poder sair para o confronto.

Sou fascinada pela dança do acasalamento das espécies.

Às vezes passo horas pastoreando as galinhas aqui na quinta. Me divirto ao vê-las ciscando o chão enquanto o Reiki se finge de bravo, como se fosse um cão de guarda a serviço do mundo.

Tem também o Frederico — o galo-chefe do galinheiro.

É ele quem comanda tudo por aqui. Nada escapa dos seus grandes olhos claros.

O outro galo, o Crista Caída, vive tentando cortejar uma das galinhas, mas o Frederico não permite. Os dois vivem às turras, e às vezes é preciso interferir para evitar tragédia.

As galinhas não têm voz por aqui. Acho meio machista isso (risos).

Elas se abaixam para o Frederico.

E, se o Crista Caída se aproxima e o Frederico não se opõe, elas se abaixam para ele também. Simples assim. Pois bem... corta para as relações humanas (risos).

É delas que eu gosto mais.

Você já parou para pensar o que, de fato, entende sobre relacionamento?

Você estudou para namorar? Alguém te ensinou a gostar de alguém?

Certa vez ouvi de um sábio que “o coração é terra que ninguém pisa”.

Será mesmo?

Será que ninguém pisa, ou será que há quem entre com bota de lama e a gente ainda serve café?

E quando autorizamos essa entrada — como funciona? Tem regras? Tem limite? Tem porteiro?

Ah... meus amigos.

Já dizia meu pai: “rapadura é doce, mas não é mole.”

As relações humanas são feitas e costuradas com retalhos das relações passadas.

A menos que... estejamos falando daqueles relacionamentos tóxicos, que nem fim têm — só repetição.

Mas o que é mesmo um relacionamento?

Um espaço de amor, de troca, de poesia e vinho?

Ou uma zona cinzenta de expectativa, projeção e medo?

Talvez seja os dois. Talvez seja nenhum.

Talvez dependa do quanto estamos dispostos a ver a si mesmos diante do outro — e, principalmente, a não fugir com o espelho na mão.

Porque no fundo, ninguém ensina a gente a gostar de alguém.

A gente vai aprendendo na marra. Na perda. No incômodo. No reencontro.

Vai errando nos outros o que não consertamos em nós.

Tem gente que diz que só quer amar, mas o que quer mesmo é distração.

Tem gente que se diz intensa, mas não aguenta cinco minutos de silêncio na presença de alguém real.

O problema é que confundimos o outro com remédio.

Tomamos uma dose de atenção, misturamos com afeto e achamos que curamos a solidão.

Mas o efeito colateral aparece logo depois: dependência emocional, dor de identidade e alergia a si mesmo.

É que tem uma parte nossa que acredita que amar é fazer o outro caber em nós.

Mas o amor mesmo, de verdade — aquele que liberta — não cabe nem na nossa própria ideia.

Já parou para pensar em quantas vezes a gente se dobra só para ser escolhido?

Quantas vezes nos abaixamos como as galinhas, não por desejo, mas por hábito ou obrigação?

Quantas vezes o “não” ficou engasgado porque tivemos medo do abandono?

E, quantas vezes aceitamos migalhas achando que era banquete?

É que nos ensinaram a se conformar.

A ter “alguém” pode valer mais do que ter paz. Melhor mal-acompanhado do que só — foi o que nos disseram.

Mas não nos contaram que existe uma solidão a dois — e que ela dói mais do que qualquer noite fria sem abraço. Te contaram? Hum, sei.

Eu fico observando os casais no café, no mercado, na praça, no supermercado...

Às vezes não dizem uma palavra. Parecem dois desconhecidos fazendo tarefas entediantes.

Estão juntos, mas cada um dentro da própria prisão — dentro da sua bolha — sem partilhar nada. Totalmente distantes um do outro.

Outras vezes falam demais, falam alto, discutem o tempo todo.

Tentam, aos gritos, moldar o outro no formato exato do amor que idealizaram.

Poucos realmente se encontram.

Poucos se olham sem tentar moldar.

Poucos amam sem colocar uma coleira no afeto.

E, é por isso que gosto de observar.

Porque — no fundo, o amor é selvagem, livre e grande demais para caber numa folha A4.

Ele precisa de espaço, de floresta, de vento, de segurança e de paz.

O amor não carece de permissão para ser o que é — e não precisa ser o que a gente gostaria que fosse. Bem; mas ...

Por ora, deixo o Samsara seguir seu curso — e as ideias também.

É hora de alimentar as galinhas e silenciar um pouco, antes que o amor vire teoria demais (risos).

Gratidão. Flores pra você.