Neste 25 de julho de 2025 é centenário de meu pai, que será consagrado com medalha em bronze, 30mm de diâmetro.

A homenagem, naturalmente, vem muito de minha aproximação familiar por ele, por mais distantes que tenhamos vivido a maior parte do tempo, enquanto esteve vivo – morreu no dia 7 de setembro de 2007, às 16h.

Voga, então, o tempo que convivemos durante dois ou três anos, entre 1959 a 1962, outros dias pródigos, foram de 1967 a 1969, quando morei de fato numa casa com ele, lá no Bloco J, da SQS 215, e, também de 1970 a 1972, em Porto Nacional, hoje Tocantins.

Na capital intelectual do Estado de Goiás, beira do Rio Tocantins, meu pai criou a marca LaBanka, primeira loja de loterias no interior de Goiás.

E, eu, no futebol, ganhei a alcunha de LaBankinha, porque os torcedores não conseguiam pronunciar meu nome, principalmente jogando pelos “Metralhas”, atletas de 15 a 20 anos, formamos um dos melhores times de futebol do Goiás.

Em Brasília, minha infância, e juventude, tive amigos filhos de gente grande, generais, prováveis ministros, e o primeiro amor, filha de um graúdo, muito graúdo.

Desse morador ‘ministro’, havia à disposição um carro público, e um motorista negro, magro e alto, carioca de cabelos grisalhos, muito gente boa.

Fizemos amizade a partir dele ter visto eu jogando bola num dos campinhos feitos em área aberta, hoje tomada pelo complemento da Superquadra 215 Sul.

Me via também nas partidas de Pif Paf, jogando às escondidas do meu pai com os peões das construções no entorno desse bloco, e os empregados desde motoristas a faxineiros.

Era bancado na jogatina pelo fotógrafo Clarindo, que trabalhava no GTB (Grupo de Trabalho de Brasília), órgão responsável para acolher todo tipo de profissional que somasse ao projeto Brasília, àquela altura com oito anos de fundação.

Era amigo de meu pai, e vinha de carona para o bloco na hora do almoço com um dos moradores do Bloco J. A rodada, em cruzeiros, girava com pote equivalente ao dinheiro de hoje de 5 a 10 reais, e faturávamos bastante, tanto que guardava num cofre, molde de papelão com alumínio na base e na abertura, contendo uma fenda para pormos moedas e cédulas, doado pelas empresas de caderneta de poupança, muito comum na época.

Seguia o exemplo do primo, amigaço do meu pai, TiNêgo, que trabalhava no Colégio Elefante Branco, e muito organizado, mesmo brincalhão, guardava em vários cofres que me mostrou certa feita, avisando para eu pensar no futuro.

Foi uma simbologia à administração pessoal: guardar pelo menos 20% do que auferimos.

Claro, meu pai não sabia que eu participava do Pif Paf.

Da amizade com o Vascaíno Valter, meu amigo motorista, surgiu a possiblidade de pegar carona para o Colégio Setor Leste (público), já que a filha do figurão, ministro talvez, presidente de algum órgão estatal, chamada Rita, estudava no colégio particular Pio XII, 609 Sul. (Na minha lembrança é bem forte uma capela dentro da área do colégio, com a fachada escrita Pio VII.)

Íamos no banco de trás do carro.

Ela foi o primeiro amor, após a grande paixão por Suzana, no Colégio Sagrado Coração de Jesus, onde fiz a Admissão e passei graças à proficiência da professora irmã Ricarda.

Suzana era loira e muito arredia aos colegas, frequentava a sala ao lado da minha, e comigo sempre dava um jeito de fustigar meio sorriso, enquanto estávamos perfilados ouvindo o Hino Nacional; ou quando ia embora e me via numa carteira ao lado da porta da minha sala, exigência da irmã, porque eu era desleixado no aprendizado.

Perfilados antes de assistir as aulas, de um lado as meninas, e de outro os meninos. Durante uns três meses usei calça curta, até que irmã Ricarda mandou recado para meu pai, que só entraria no colégio de calça comprida.

Já Rita, tinha cabelos longos castanhos, linda, os olhos brilhavam ao me ver, tanto era minha admiração para ela: as vezes me sentia um peixe de aquário abrindo e fechando a boca com frequência, "bombeando água pelas brânquias para extrair o oxigênio, processo essencial para a respiração", tal o encanto por ela. Eu a olhava do amor arrebatador, a namorada da minha vida.

E as mãos dadas dentro do carro Simca Chambord ou do Aero Willys ou do Jaguar, esses carros comprovam que o pai de Rita era autoridade muito 'grande'.

E o reforço dessa grandeza vem porque Seu Atanázio, amigo do meu pai, foi motorista da Presidência, e quando pretendia ir a Luziânia passar uma noitada, trazia para o Bloco J, o Jaguar, carro lindo e luxuoso. Um aparte.

Certa feita, Seu Atanázio me viu em alta velocidade na minha Monareta, e me chamou para dar uma volta no Jaguar, e conhecer alta velocidade no eixinho Sul da 215 até a 206.

No velocímetro do Jaguar, o ponteiro ficou parado alguns segundos em 180, dos 185 km/h permitidos de fábrica.

Na volta, as gargalhadas dele que não me viu com medo, ao contrário, afoito para aprender a dirigir, foram cortadas pela esposa, evangélica, que demonstrava a diferença entre os dois.

Muito bons, cada qual em seu pedaço, mas um casamento próximo da ruína e longe da paz dentro de casa. Já o Valter, negão Vascaíno, dirigia como se carregasse a realeza. Deixava Rita primeiro, abria a porta para ela descer do carro, e voltava um km para me deixar no estacionamento do Setor Leste: o porteiro do colégio avistava o carro, e abria o portão imediatamente.

Para os colegas e professores eu devia ser um bastião da então nobreza brasiliense emergente com aval de JK, criador da capital nos anos 1950.

Vez por outra, me perguntava Seu Valter se pretendia ser jogador de futebol, e "do Vasco, é claro", impunha sua vontade.

Ao que retrucava com outra pergunta: "Por que você é Vascaíno, já que a Cruz de Malta é dos portugueses?", me referindo aos brancos ‒ oposição aos negros, mulambos, escravizados sujeitos à maioria de flamenguistas, os torcedores do Flamengo.

Ao que Seu Valter respondia rápido: "Futebol é paixão, como o primeiro amor", e balançava o queixo apontando para Rita fazendo birra, encostada na porta e de braços cruzados, que havia se distanciado do meio do banco do carro onde ficávamos de mãos dadas.

A ação dela, ainda hoje, demonstra um abismo no relacionamento, principalmente dos casados, pais, que dificilmente consegue com que a esposa aceite o futebol na noite de quarta-feira, ou no churrasco domingueiro entre amigos, só homens.

Com a política woke , em vários contextos, o termo parece ser algo bom, sinal de consciência social, simbolismo de uma nova ordem indexical , mas mulambo refere-se à escravidão, negros, pobres... Ao que, nós, Flamenguistas, ignoramos e puxamos canções lindas sem denotar nada que seja pejorativo. Nos assumimos mulambos e urubuzadas.

Mais à frente, na linha do tempo, lá pelos meus 25 anos, fui criticado por um amigo de infância. Nos meus dias de folga, geralmente aos sábados que ia até o domingo às 17h, ele me acordava cedo para irmos a alguma pelada, ou churrasco, ou barzinho, já morando sozinho, era sonho de consumo, de quem atinge tal idade.

Longe das tentativas de ser jogador de futebol, morava num miniapartamento construído no fundo das casas geminadas da antiga Qd. 17, do então único bairro de Brasília, o Cruzeiro Velho.

Abria a porta enrolado numa manta, muito parecida com os cobertores Parayba na TV Tupi, que tinha comercial de tevê em preto e branco, onde a friagem no Rio de Janeiro, que sinto hoje no século XXI, me faz criar outros mulambos.

Já é hora de dormir
Não espere mamãe mandar
Um bom sono para você
E um alegre despertar
[Locutor]: ‘Aconchegante e maciez, pura lã para sua família. Cobertores Parayba!’

O mulambo que me cobria não trazia a voz de minha mãe, tampouco a do meu pai, mas era como se fosse uma referência dele me protegendo quando criança.

Travamos algumas batalhas nas cidades por onde passamos, após a separação do casal, largar da minha mãe biológica é a palavra mais apropriada.

Frio nas estradas, caronas em caminhões, e o tempo que ficamos no Paraná, posteriormente em São Paulo, de onde partimos, melhor: ele foi para Brasília, o eldorado brasileiro, e depois de um ano, já empregado, recebeu dos tios dele, dinheiro para me buscar em São Paulo, na casa de 'amigos'.

Foi insistência de tia Elvira. Ela quem juntou dinheiro vendendo sabão que fabricava no fundo da casa 13, Qd. 21, em terreno que tio Eugênio criou uma horta, com mamoeiro, pé de milho e até cana-de-açúcar, em 3m².

Já tinha escapado de um casamento, em que a futura esposa me disse quando estávamos no Jumbo, do CNB (Conjunto Nacional de Brasília), que não podia ter filhos ‒ seis meses depois, encontrei ela numa editora, que eu fui free lancer, com uma barriga beirando ao parto.

E, novamente, acordado por esse mesmo amigo, agora em outro apartamento, maior, 2/4, em que eu e o amigo-irmão Messias tínhamos um matadouro super atraente para as cocotas: engradado de vinho chapinha, meu jarro indiano de prata lotado de maconha conservada com mel, comprado na feira de artesanato do Torre de Tv, e muita cerveja e pinga.

Eu comprava a maconha de um colega que saía de carro na sexta-feira para o Paraguai, e chegava na 2ª-feira, com o produto, na empresa que trabalhávamos.

Quando descobri que as meninas adoravam um baseado, não me fiz de rogado: comprava dois a três tabletes de 100gr, toda vez que ele chegava de Asunción.

Para encher o vazo, levei uns seis meses e as consumidoras não tinham acesso direto: ganhavam um baseado bem apertado, separado do jarro.

Uma tábua sobre tijolos, sustentava outras garrafas num barzinho improvisado com misturas de cachaça, desde arnica, boldo, alecrim, caju, semente de carvalho (esta continha meu nome no rótulo), amburana, jequitibá, cumaru, bálsamo, grápia, ipê, castanheira até aromatizantes jambu, cataia.

Fiz minha própria pituconha, mas com Gim e outra com Vodka.

Esses experimentos ficavam escondidos no meu quarto, e só as meninas que davam trabalho, com custos maiores, jantares, cinemas, passeios em outras cidades, que ao saberem do jarro 'encantado', por fim se davam ao deleite de fumar, não importando tirar a roupa.

Para fidelizar a namorada turista, eu dava um gole das “marditas” posteriormente à primeira hora, bem dosado numa colher de sopa de chá, o que as deixavam muito possuídas, atávicas, outras se transformavam em vampiras, bruxas, ‘Brancas de Neve’, loucas de pedra, mas não arredavam o corpo da cama.

Fumei algumas vezes, e o gole da magia azul, essa bebi misturando com a cachaça Azuladinha. Os estúdios de Hollywood se comutassem minha mente naquele dia, após ingerir essa droga, faria sucesso tamanho os monstros no asfalto que se apresentaram na 109 Sul, e no painel do meu carro Puma lotado de OVNIs voando e diabinhos cantando nos meus ouvidos.

Estacionei o carro na marra, e acelerei para voltar para casa quando o efeito sumia por meia hora, que voltava estrondoso feito de cogumelos da bomba atômica de cores alaranjadas, reflexos do sol à noite – pense, que alucinógeno? –, quando por autoproteção, eu parava o carro no acostamento.

Nunca mais...

Quando Renatinho me acordou naquele dia, fomos para um churrasco com as namoradas PMs: uma era sargento a outra capitã.

Na noitada anterior, sexta-feira, no bar da 306 Norte, combinamos, nós dois de homens e quatro mulheres à paisana, de irmos a uma chácara em Alexânia no final de semana comemorar o aniversário da minha namorada Sargento...

Abri a porta, e ele começou a rir.

Eu estava enrolado numa emenda, tipo sobrecapa na manta sobre o cobertor Parayba, naquele dia do mês de junho, frio demais em Brasília, que já chegou a 5° C.

"Cara, você não perde a mania de se enrolar em mulambo". Vou falar com seu Antônio para te dar outro", referindo-se ao meu pai.

Ríamos muito, porque ele, muito sacana, disse que ia espalhar em Brasília que eu estava namorando um sargento, ao que eu corrigia “uma”, e retrucava que responderia que ele ficou graduado, namorando um capitão...

Até hoje, quando nos encontramos no evento de amigos de infância em Brasília, nos conhecemos nos anos 1960, a prosa cai nesse mote faceiro.

Hoje, nas idas e vindas ao Maracanã, em jogos do Flamengo, ouço frases do tipo mulambada, ou nos grupos de WhatsApp que participava, “mulambo”, e aí ainda bato no peito "Eu sou mulambo", com a consagração que é título da música da torcida do Flamengo, samba-canção interpretado pelo grupo de samba do ex-jogador e ídolo do Flamengo, Júnior.

Domingueira
Eu sou “mulambo”
Mas sou honrado
Eu sou “mulambo”
O meu Manto é sagrado (2x)
Flamengo és minha vida
A razão do meu viver
Estarei sempre contigo
Sou Flamengo até morrer

Repete!