Tenho muita saudade dos tempos da infância, quando a única preocupação da vida era brincar, subir em árvores, escorregar no barranco e as chineladas da minha mãe. Isso sim era vida, porque hoje as chineladas da vida doem muito mais do que as de borracha e machucam, também, um tanto mais. Mas é preciso viver e crescer, assumir as responsabilidades e tocar em frente.

Minha infância foi muito boa, tive oportunidade de ser criança no mais alto grau, brinquei a valer, aprontei muitas travessuras, como minha mãe dizia: “você não sabia obedecer”, e era bom não saber, me dava liberdade de fazer o que viesse na telha, mas também tinha as consequências e, pior do que as chineladas, que eu tirava de letra, era o castigo, coisa chata ficar na sala sentado no sofá...

A casa onde morávamos em Volta Redonda tinha um quintal enorme, cheio de árvores e espaço para correr, soltar pipa, brincar na areia de carrinho, fazendo estradinhas e jogar bola, para lá ia toda a molecada que morava perto, o quintal ficava cheio de meninos, todos felizes e sem preocupação nenhuma com as contas a pagar. Era a maravilha das maravilhas!

Eu gostava mesmo era de fugir, já bem pequeno eu pulava o portão e ia para a rua, não me lembro dessa fase, mas minha mãe contava que eu fazia e a cachorra que tínhamos dava o alarme, quando ela não via a avó dos meus vizinhos, que ficava na varanda da casa dela, chamava minha mãe enquanto tentava me segurar, eu era fogo, graças a Deus e não tinha limite algum. Uma vez fugi com o gari, que me trouxe de volta são e salvo, além de sem graça.

O melhor disso tudo era não ter que me preocupar em fechar a casa, abastecer o carro, pagar o IPTU, comprar comida, pagar as contas de água e luz, além do condomínio. Nem estudar eu ainda estudava, mas eu queria muito enquanto não tinha idade, depois acho que me arrependi de querer tanto, quis menos até não querer mais, mas era obrigado e ponto final, cumpri a missão aos trancos e barrancos.

Não me lembro de muitas das coisas que aprontei, como da vez que em meio à parada do Sete de Setembro eu fugi, me meti entre os militares que estavam desfilando, postado à frente de um pelotão, como se fosse a mascote e saí marchando pela avenida, até que minha sentiu minha falta e começou a me procurar, quando alguém disse a ela que me viu marchando à frente do pelotão.

Minha mãe começou a me seguir e então, quando a vi comecei a correr entre os outros pelotões em fuga desesperada, enquanto quem assistia ao desfile gritava “olha a fujona!”, sim eu tinha cabelos e eles eram cacheados e as pessoas achavam que eu era uma menina, até que minha mãe me pegou e, sem graça, me levou embora, nunca mais voltei a um desfile, naquela época, sei lá o ano, mas devia ser setenta e poucos, se eu fosse adulto acho que seria preso...

Como podem ver tive diversas aventuras, a minha vida era agitada, uma vez fui até uma patrulhinha da polícia e disse aos policiais que minha mãe tinha me abandonado e coisa e tal, mas eu queria mesmo era andar no carro da polícia (que criança nunca quis?), e inventei a história quando minha mãe e minha irmã entraram numa loja para comprar qualquer coisa e me deixaram do lado de fora olhando uma escavadeira esburacando a rua.

O melhor disso tudo é que os policiais acreditaram na história e iam me levar para casa, eu sabia o endereço direitinho, quando eu estava para entrar no carro, minha mãe veio correndo e desfez o mal-entendido, frustrando o meu desejo de passear no carro da polícia, ela ficou muito envergonhada, pois nunca me abandonaria, tamanho era seu amor por mim e pela minha irmã, que sito aqui porque senão ela reclama.

Eu gostava de ir ao médico, olha só que doideira, assim como gostava de tomar injeção, eu não era muito normal desde sempre. Mas o médico era uma figura especial, o doutor Alberto, pediatra, era, talvez, depois do meu pai, o cara que eu mais gostava, ele dizia que não era para eu tomar leite com esses achocolatados, coisa que nunca gostei e nem essas outras farinhas, ele dizia: “você quer ficar do meu tamanho?”, ele era gordo.

O doutor Alberto atendia no posto da Companhia Siderúrgica Nacional, onde meu pai trabalhava. No posto também trabalhava minha tia Celina, não sei a função dela, mas sempre que eu ia lá ela me dava algum doce, uma bala, eu adorava, era o combo perfeito, o doutor Alberto, tia Celina e as possíveis aventuras lá no Centro, fingir que fui abandonado, fugir para o supermercado par brincar com os carrinhos que eram vendidos...

Acho que estou ficando velho, não só de idade, esse é um fato, mas a cabeça também está começando a brigar com a velhice, apesar de eu ainda estar na chamada “meia idade”, estou saudoso desse tempo de criança, tão bom, tão sem preocupações, onde as traquinagens eram tão inocentes, ou vocês acham que quando disse ao guarda que minha mãe tinha me abandonado eu queria que eles a prendessem? Não prenderam, mas chamaram a atenção dela, que coisa!

A gente vai crescendo e ficando longe da criança que fomos, muitos de nós se esquecem delas quando deveríamos deixá-las bem vivas lá dentro, numa forma de fuga da vida dura adulta que, cheia de responsabilidades, vai nos endurecendo, tirando a inocência tão gostosa e nos tornando outras pessoas à medida que novas responsabilidades vão sendo acrescidas.

Que vontade de subir numa árvore, de dizer para um policial que minha mãe me abandonou, mas dessa vez ela não vai estar lá para me buscar quando o cara estiver me levando preso por vadiagem ou falsa comunicação de crime, sei lá, vou ter que arcar com as consequências e gastar uma grana com advogado, a mulher vai brigar e me chamar de irresponsável e mais um monte de coisas, isso se não me deixar.

Saudade de um tempo que não volta mais, ai, se pudesse!