Entre os grandes enigmas criptográficos da história, poucos são tão intrigantes quanto os Beale Ciphers — três mensagens codificadas que supostamente revelam a localização de um tesouro enterrado no interior da Virgínia, Estados Unidos. Publicados pela primeira vez em 1885, esses textos misteriosos geraram mais de um século de tentativas de decifração, teorias conspiratórias e caçadas ao tesouro. Até hoje, apenas uma das três mensagens foi resolvida, mantendo vivo o fascínio em torno desse enigma.
De acordo com o relato publicado em um panfleto chamado The Beale Papers (1885), tudo começou em 1820, quando um aventureiro chamado Thomas J. Beale teria liderado um grupo de caçadores em uma expedição para o oeste americano. Durante essa jornada, nas proximidades do atual estado do Colorado, eles teriam encontrado uma mina riquíssima em ouro e prata.
Com medo de transportar toda a riqueza de uma só vez — devido a riscos de ataques indígenas e assaltos — Beale e seus companheiros decidiram enterrar o tesouro em cofres de ferro no condado de Bedford, Virgínia.
Para garantir que o tesouro pudesse ser recuperado caso algo acontecesse com ele, Beale redigiu três mensagens cifradas e as confiou a um estalajadeiro local chamado Robert Morriss. Beale entregou os papéis dentro de uma caixa trancada e disse que um amigo confiável enviaria a chave da cifra dentro de 10 anos.
O tempo passou, mas Beale nunca mais retornou, nem o amigo misterioso apareceu com a chave. Após décadas de espera, Morriss entregou a caixa a um amigo anônimo, que tentaria decifrar os documentos. Esse amigo — que nunca revelou sua identidade — seria o autor do Beale Papers.
As três mensagens criptografadas ficaram conhecidas como Beale Ciphers e são identificadas como Cifra nº 1, Cifra nº 2 e Cifra nº 3.
Cifra nº 1
Supostamente contém a localização exata do tesouro enterrado. Até hoje, permanece indecifrada.
Cifra nº 2
Revela o conteúdo do tesouro: toneladas de ouro, prata e pedras preciosas. Essa foi a única cifra solucionada. O método de decifração envolvia usar a Declaração de Independência dos EUA como chave. Cada número da mensagem correspondia à primeira letra da palavra de mesmo número no documento histórico.
O texto decifrado descreve que o tesouro inclui cerca de 2.921 libras de ouro, 5.100 libras de prata e joias avaliadas em mais de um milhão de dólares da época.
Cifra nº 3
Contém os nomes dos herdeiros legítimos dos companheiros de Beale, para que o tesouro pudesse ser entregue às famílias. Também permanece indecifrada.
De acordo com a Cifra nº 2, o tesouro enterrado por Beale equivaleria hoje a centenas de milhões de dólares. O relato fala em cofres de ferro enterrados em uma área rural de Bedford County, Virgínia, mas sem fornecer coordenadas claras.
Ao longo do tempo, inúmeros caçadores de tesouro vasculharam a região, cavando em propriedades privadas, cemitérios e florestas. Até agora, nenhum vestígio do suposto tesouro foi encontrado.
O mistério dos Beale Ciphers deu origem a diversas teorias — algumas mais plausíveis, outras dignas de romance.
A teoria mais simples é que Thomas Beale realmente existiu e que o tesouro continua enterrado na Virgínia. Segundo essa visão, as cifras nº 1 e nº 3 contêm as instruções e os herdeiros, mas só poderão ser decifradas com a chave correta — talvez outro documento histórico, ou um texto que nunca foi revelado.
Muitos historiadores e criptógrafos acreditam que o Beale Papers foi simplesmente uma farsa literária do século XIX. O estilo do texto, as coincidências narrativas e o fato de apenas uma cifra ter sido solucionada reforçam a ideia de que tudo não passou de uma invenção para vender panfletos ou atrair visitantes à região.
Outra hipótese é que as cifras realmente funcionam como a nº 2 — baseadas em textos conhecidos. Alguns tentaram usar a Bíblia, a Constituição dos EUA e até obras de Shakespeare como chaves, mas sem sucesso. Talvez a chave seja um documento menos óbvio, perdido no tempo.
Alguns estudiosos sugerem que os Beale Ciphers podem ter sido um tipo de “pegadinha intelectual”, criada para desafiar criptógrafos da época. Nesse caso, nunca houve tesouro algum — apenas códigos criados para parecerem genuínos.
Como em todo mistério, há explicações mais extravagantes: que o tesouro teria sido saqueado por gerações anteriores, que Beale seria um agente secreto disfarçado, ou até que os códigos foram inspirados por sociedades secretas, como os maçons.
Desde o século XIX, centenas de criptógrafos amadores e profissionais tentaram solucionar os Beale Ciphers. Entre eles:
- Agências de criptografia militares dos EUA estudaram os documentos, sem sucesso. Matemáticos e linguistas aplicaram técnicas modernas de análise estatística. Entusiastas de computador criaram programas para testar milhares de chaves possíveis.
Apesar dos avanços tecnológicos, as cifras nº 1 e nº 3 continuam indecifráveis.
Parte do fascínio em torno dos Beale Ciphers é justamente a mistura de tesouro escondido e mistério criptográfico. Ao contrário de outros enigmas históricos, como os manuscritos medievais ou as mensagens de guerra, aqui há uma promessa concreta: ouro e prata enterrados em algum lugar real.
Esse aspecto transformou o caso em um fenômeno cultural. Documentários, livros e programas de TV exploram o enigma. Bedford County tornou-se um destino turístico para caçadores de tesouro, apesar de a cidade oficialmente desencorajar escavações ilegais.
Hoje, a maioria dos especialistas em criptografia considera que os Beale Ciphers são provavelmente uma farsa. Argumentam que:
Não há registros históricos confiáveis sobre Thomas Beale.
O panfleto Beale Papers foi publicado anonimamente, algo comum em golpes da época.
A solução da Cifra nº 2 depende de pequenas variações de ortografia que sugerem manipulação.
Mesmo assim, o mistério resiste. A mera possibilidade de que um tesouro milionário esteja escondido em solo americano continua atraindo caçadores e curiosos.
O caso dos Beale Ciphers levanta questões interessantes sobre a natureza dos mistérios históricos. Mesmo que seja apenas uma farsa literária, o enigma revela como histórias bem construídas podem atravessar séculos, alimentando esperanças e debates.
Se for verdadeiro, trata-se de um dos maiores tesouros não descobertos da história moderna. Se for falso, é um dos exemplos mais duradouros de lenda criptográfica. Em ambos os casos, o legado permanece.
Mais de 200 anos após o suposto enterro do tesouro, os Beale Ciphers continuam sem solução definitiva. Dois códigos permanecem indecifráveis, e nenhum tesouro foi encontrado.
Mas talvez o verdadeiro valor desse mistério não esteja no ouro ou na prata, e sim na imaginação que ele desperta. O caso combina elementos de aventura, história e criptografia, inspirando gerações de caçadores de tesouro e amantes de enigmas.
Até que alguém consiga resolver os dois códigos restantes — ou provar de vez que tudo foi uma invenção —, os Beale Ciphers permanecerão como um dos maiores mistérios não solucionados da história americana.















