Ir além do objetivo – do propósito estabelecido –, seja por transcendê-lo ou por desconhecê-lo é prazeroso. É colocar os pés no chão. Esse andar é estruturante, faz sentir o que está acontecendo. É sempre prazeroso pois conecta o indivíduo com o que o situa. Logicamente a verdade, a objetividade fundamentam essa vivência. Basta pensar nos relacionamentos sexuais voltados para reprodução, para conservação da espécie, ou pensar neles independentemente da finalidade, conseguindo assim presença total no que acontece.
Sofrer maus tratos, torturas que causam dores físicas enquanto vivenciadas como o que acontece, como o que está acontecendo não é prazeroso, é aniquilador, salvo quando se percebe e aceita a impotência diante do que está ocorrendo. Aceitar, seja a impotência diante da dor, seja a participação diante do prazer é um dos aspectos da aceitação do que ocorre. Aceitação equivale à remoção de montanhas, pois coloca o indivíduo diante dele próprio, seja o prazer, seja a dor sentida.
Colocar dor e prazer como adjetivos na linguagem ontológica parece absurdo, salvo se considerarmos o estar diante, estar com, participar enquanto aceitação do que ocorre, como definitivo e estruturante. Não se vive por, nem para. Se vive. Não é o passado o antes, nem o futuro, o depois, que nos define, transforma ou contingencia quando se trata de estar presente, estar inteiro no que acontece. Estar inteiro e entregue ao presente é muito difícil. Tem sempre os sustentáculos, os apoios que nos situam. Tem as cordas que nos arremessam para depois e nos agarram conduzindo para antes, para estruturas etiquetadas anteriormente. É exatamente esse mecanismo que drena a autenticidade, a consistência, e solapa nossa participação diante do que acontece.
Tudo é estruturado enquanto vivência presente, entretanto se está sempre construindo e ocupado com situações passadas e preocupações futuras. Estar preenchido de passado faz perder dinâmica, pois os ritmos de antes são diferentes dos de agora. Estar voltado para objetivos e realizações futuras cria descompassos, ouve-se músicas que não tocam, realiza-se passos ritmados por outros tambores. Os descompassos desequilibram. A harmonia se perde. A força de atrito aumenta, a descontinuidade se impõe. Os indivíduos se dividem, a fragmentação se inicia. A perda de consistência gera fraqueza, pois a divisão instalada cria vários caminhos, que como tais, são obstáculos – não há direção consistente. É o desequilíbrio. Buscar apoio passa a ser a constante. Tudo é feito para que esse objetivo se realize, e assim se perde de vista o que está acontecendo. Tudo tem que convergir para o ponto onde tudo vai se resolver e ser conseguido.
Quando não transpõe as finalidades, os objetivos, o indivíduo se anula, perde o que o constitui: o presente. Esvaziado, como um saco preenchido por ilusão, meta e desejos, ele busca atingir o que o realizará. É essa busca do futuro, do que precisa e deve acontecer, ou evitar que aconteça, que demonstra a não transcendência de objetivos e finalidades. É como buscar o pote de ouro debaixo do arco-íris das fábulas infantis. É acreditar que quando todos forem iguais, que quando não houver fome e miséria, o mundo será diferente e que enquanto isso não acontece, nada significa.
É também achar que não sendo rico ou famoso, não sendo considerado e aceito, a vida não vale nada. Imobilizadora e esvaziadora é também a crença na vida eterna, na purificação, ou o êxtase na dedicação para atingir o reino dos céus. Enfim, qualquer meta, qualquer objetivo de fuga, libertação, realização, qualquer coisa para depois, para o futuro é esvaziadora do presente, negadora de realidade, consequentemente desindividualiza e aliena.
A vivência do presente é aparentemente difícil, quase impossível. Acontece que tudo que existe, só existe enquanto presente, só se vive, e tudo só ocorre, nesse tempo, nesse contexto. Imaginar outra vida que não a do presente é viver nos horizontes mnemônicos, é um artifício gerado pelo desejo, lamento e frustração. Ampliar essa perspectiva da vivência da memória para gerar locais, momentos, pessoas, vivências repetidas agradáveis ou diferentes das desempenhadas é inventar um futuro e nele construir castelos de ilusão. Esse recurso que temos de construir e habitar apenas com planos e cogitações é mágico, é interessante, mas quando passa a ser vivenciado como outra realidade possível torna-se despersonalizador.
Os materiais e mão de obra utilizados para essas construções são sempre precários, pois povoados de frustração, desejos e sonhos fugazes. É ilusão, é mentira, é raiva, medo e inveja tingidos de experiências anteriores, como pedras lapidares da construção dos sonhos, das quimeras impeditivas de vivenciar o que aconteceu, com toda presença e força do que acontece.
Finalidades transpostas para depois criam raivas, desespero de aceitar estar no mundo com os outros. É a não autonomia, a carência, é usar o outro como energizador. Quando aceito como objeto de realização de planos e desejos, o ser humano é confinado em regras e propósitos esvaziados do exercício da autonomia. Tudo é visto como instrumento para consecução de objetivos. É o viver para conseguir, para realizar. É a instrumentalização de tudo que acontece: as situações são eficazes ou são inúteis. Essa valoração dos acontecimentos cria endereçamentos. Os processos relacionais são transformados em grandes painéis, quebra-cabeças nos quais se busca encaixar peças.
Colapso, apropriação, repetição são as regras. Tudo é feito para conseguir realizar objetivos ou evitar impedimentos, e assim se perde as imanências relacionais. O presente se petrifica e a individualidade é esmagada em função de resultados.















