Antes de iniciar minha jornada sozinha pelo continente africano, eu sabia que não teria dinheiro suficiente para fazer passeios turísticos, safáris ou visitar os lugares mais famosos. Mas tinha um objetivo bem claro: viver a experiência de acordo com as oportunidades que surgissem. Tinha um plano, uma ideia inicial, mas sabia que a verdadeira viagem seria sobre me permitir viver o que aparecesse no caminho.
Antes de chegar ao Quênia, estava em contato com algumas pessoas através do site Couchsurfing – uma plataforma que conecta viajantes com moradores locais de todo o mundo. Meu objetivo era encontrar um anfitrião na Etiópia, e, para ser sincera, não pesquiso muito sobre os países que vou visitar. Gosto de me perder nas experiências. Pesquiso o básico e, quando chego, me deixo guiar pelo fluxo. Foi assim que encontrei Asu, um morador da região de Turmi, no sul da Etiópia, perto do Vale do Omo.
Asu me convidou para ficar em sua casa por até duas semanas e, em troca, ofereci a ele a produção de um site e alguns vídeos para ajudá-lo a impulsionar o seu trabalho como guia local. Tudo combinado, o grande desafio agora era descobrir como chegar em Turmi a partir de Nairobi, no Quênia.
Mal sabia eu que essa parte da jornada seria uma das mais desafiadoras. Vamos aos detalhes:
Primeiro, precisei pegar um ônibus de Nairobi até Moyale, na fronteira do Quênia com a Etiópia. Foram mais de 18 horas de viagem, um ônibus velho, poltronas duras, muitos homens e eu, a única estrangeira ali. A partir dali, cruzei a fronteira para a Etiópia, onde passei a noite, já que não havia mais ônibus para o próximo destino naquele horário. Atravessar a Etiópia de ônibus foi um verdadeiro teste de paciência. As estradas são longas e não há transporte regular de hora em hora, o que me obrigava a dormir em várias cidades durante o percurso.
Após seis meses viajando pelo continente, foi ali, naquela cidade fronteiriça da Etiópia, que senti pela primeira vez o peso de estar sozinha. Homens me seguiam pelas ruas, pessoas me abordavam constantemente. A todo momento, alguém se aproximava de mim na estação de ônibus, dificultando minha tentativa de buscar informações sobre como seguir viagem, querendo oferecer algo ou puxar assunto com segundas intenções.
Foram quase três dias de viagem até Turmi. No caminho, sempre fui recebida por amigos de Asu, que me acolhiam generosamente, me orientavam sobre hotéis e me levavam às estações de ônibus no dia seguinte, tudo de graça, de bom coração. A hospitalidade local foi, sem dúvida, uma das maiores surpresas dessa jornada.
Quando finalmente cheguei a Turmi, fui recebida por Asu em sua casa. Ele me hospedou junto com sua esposa, Phebu, e seu filho de um ano, Adonai. A casa era simples, mas situada em um terreno relativamente grande. Tinha um quarto, uma cozinha e um banheiro rústico: um buraco no chão, sem chuveiro – o banho era feito com balde, do lado de fora. Mas, por mais simples que fosse, eu me sentia acolhida. Havia uma pequena varanda, onde passei algumas noites, pois o clima era mais fresco.
Asu nasceu e cresceu na tribo Hamar, uma das mais fascinantes da Etiópia, conhecida pela resistência e pela força de seus rituais. O povo Hamar vive no sul da Etiópia, especialmente no Vale do Omo, uma região de grande diversidade cultural e étnica. Sua vida gira em torno da criação de gado, agricultura e uma forte conexão com as tradições e os rituais, que desempenham um papel central na formação da identidade de seus membros.
A vida em sua casa era simples, mas cheia de momentos memoráveis. Enquanto eu trabalhava na comunicação do seu negócio, também passei o tempo conhecendo melhor a cidade e a cultura local. Às vezes, íamos a bares e restaurantes da região, e eu fazia meu trabalho enquanto outros amigos de Asu chegavam. Passávamos as tardes conversando, tomando café e mascando khat, uma planta com propriedades estimulantes que é bastante consumida em várias partes da África Oriental, incluindo a Etiópia.
No meu segundo dia, Asu me convidou para acompanhar um ritual tradicional da tribo Hamar, no qual um jovem se transforma em homem. O ritual envolve várias etapas e testes de coragem, sendo um dos mais icônicos o famoso salto sobre as costas de vacas, realizado completamente nu. Mas, antes disso, ocorre um momento marcante: o chefe da tribo começa a chicotear as mulheres, que se colocam voluntariamente para demonstrar sua força e coragem. Elas disputam entre si para ser as escolhidas, como uma forma de apoiar o jovem que está passando pelo rito de iniciação.
As mulheres que são chicoteadas não fazem isso por crueldade ou sofrimento, mas como um símbolo de força e resistência. O objetivo é mostrar que estão ali para encorajar o rapaz que está prestes a saltar sobre as vacas, um dos maiores testes de bravura da tribo. O salto, que deve ser feito sem hesitação, simboliza a passagem do menino para a fase adulta e a preparação para o casamento. Se ele conseguir saltar todas as vacas de uma vez, se tornará um homem e estará pronto para se casar. Caso não consiga, poderá tentar novamente, mas o fracasso inicial traz grande vergonha para a família.
O que mais me impressionou nesse ritual foi a força da comunidade e a maneira como todos, mulheres e homens, apoiam uns aos outros em um processo que mistura coragem, honra e tradição.
Essa viagem não foi apenas sobre o destino, mas sobre o caminho, as histórias que cruzaram o meu e as lições que aprendi, por meio de uma experiência genuína e sem filtros. Para quem busca mais do que um turismo superficial, viver a África de forma autêntica, longe das rotas turísticas tradicionais, pode ser a chave para entender um continente rico em diversidade e cultura. Se você está pronto para se perder nas experiências, a África tem muito a oferecer.