Eu devia ter desconfiado que minha vida não seria fácil no momento em que comecei a rezar antes das provas de bioquímica na faculdade. Mas ali estava eu, em meio a tubos de ensaio e livros, implorando a intercessão Divina para que os carbonos se ligassem da maneira correta na minha mente. Se eu soubesse que essa dicotomia entre fé e ciência só ia crescer ao longo da vida, talvez tivesse escolhido algo menos polêmico, como ser cantora.

A vida de alguém que ama a ciência e tem fé é uma espécie de novela com roteiro escrito por um autor sádico. Em um dia, estou debatendo evidências sobre a eficácia de uma vacina, e no outro, acendendo uma vela para Nossa Senhora Aparecida. A questão é que vivemos num mundo que parece convencido de que ciência e religião não podem dividir o mesmo armário, como se fossem dois alunos briguentos no ensino médio.

Os cientistas ateus olham para mim como se eu fosse um unicórnio. "Mas como assim você acredita em Deus e na evolução ao mesmo tempo?" Ora, do mesmo jeito que acredito que posso comer um pote de sorvete e ainda assim manter minha dieta — com fé e um pouco de negação da realidade. Para mim, não há contradição. Se um Criador montou esse quebra-cabeça cósmico, faz todo sentido que as peças se encaixem de maneira lógica e verificável. Mas tente explicar isso para alguém que acha que religião é sinônimo de ignorância e que eu, só por frequentar a missa, automaticamente rejeito toda e qualquer evidência empírica.

Por outro lado, do lado religioso, a coisa não fica mais fácil. A cada descoberta científica, sou recebida com olhares desconfiados. "Mas e o livre-arbítrio? E a alma? Você está dizendo que tudo é só molécula?" Calma, gente, eu só disse que a homeopatia não tem base científica, não que Jesus não multiplicou os pães. Mas aí já viu, sou olhada com desconfiança, como se no final da missa eu fosse puxar um microscópio e exigir uma revisão por partes das palavras do padre.

E quando pedem minha opinião sobre milagres? "Mas você acredita mesmo que isso aconteceu?" Olha, eu já vi coisas incríveis acontecerem na UTI. Já vi gente que não tinha a menor chance de sobreviver simplesmente melhorar de uma hora pra outra. Já tive uma enorme vontade de voltar pra ver um paciente e ele agravou logo em seguida. Graças a Deus eu estava ali! Chame de intervenção divina, erro estatístico ou fator desconhecido. O fato é que a ciência nem sempre explica tudo – e tudo bem! Mas admitir isso para um cientista cético ou para um religioso fervoroso é assinar um contrato para uma discussão que pode durar horas e que, invariavelmente, termina com alguém revirando os olhos.

As reuniões de família são um espetáculo à parte. De um lado, o primo que acredita piamente em teorias conspiratórias. Do outro, a tia que considera o WhatsApp uma fonte infalível de conhecimento científico. No meio, estou eu, tentando, com toda paciência possível, explicar que fé e razão não precisam estar em lados opostos de um ringue intelectual. Tento argumentar que a grandiosidade da criação pode se manifestar tanto nos relatos bíblicos quanto nas equações matemáticas que regem o universo. Mas convencer alguém de que Deus e ciência podem coexistir em harmonia é uma tarefa muito desafiadora.

O curioso é que, quanto mais estudo e aprofundo meu conhecimento científico, mais me encanto com a complexidade da vida e, consequentemente, com a ideia de um Criador que estabeleceu leis naturais tão precisas. Para mim, investigar o mundo, desbravar seus mistérios e buscar respostas é também uma forma de louvor. A ciência me ajuda a entender o funcionamento da criação, enquanto a fé me dá propósito dentro dessa estrutura magnífica. Afinal, se a ciência busca responder ao “como” das coisas, a fé se preocupa com o “por quê”. E, talvez, seja exatamente nessa intersecção que eu encontre sentido.

E não podemos esquecer do delicioso universo das redes sociais. Ah, as redes sociais! Se tem um lugar onde a minha existência paradoxal causa curto-circuito, é ali. No mesmo dia, posso ser xingada de herege por um grupo e de fanática religiosa por outro. Já me mandaram "estudar de verdade" porque mencionei Deus em um post sobre ciência. E já me disseram que eu estava "questionando os planos do Altíssimo" porque comentei que vacinas salvam vidas. Parece que para algumas pessoas eu deveria escolher um lado e viver nele para sempre, como se a vida fosse um jogo de tabuleiro onde ou você anda pelas casas da razão ou avança pelas casas da fé – mas jamais pelos dois caminhos ao mesmo tempo.

E se eu estiver errada? Bom, eu descobrirei quando chegar aos braços do Pai. Até lá, sigo com a Bíblia aberta em meu altar e meu jaleco logo ali no armário, mantenho-me pronta para continuar essa jornada entre evidências e milagres.