Quero começar este texto propondo um pequeno exercício a você, leitor. Que tal fechar os olhos por alguns segundos e recuperar a memória sobre as suas vivências escolares? Não importa quantos anos há estudado, tampouco quantos níveis de formação escolar há completado. Você se lembra do conteúdo ensinado nas aulas de história com detalhes e propriedade? Consegue recordar as fórmulas matemáticas ou da física? Sabe dissertar sobre os reinos da natureza e as diferenças destas de acordo com as áreas geográficas? Sendo sincera, eu não me recordo nada das fórmulas físicas...
Agora, mantenha seus pensamentos nas vivências escolares da adolescência. Seus colegas de classe, seus amigos e desamigos, os recreios, as atividades esportivas e artísticas. As festas, as excursões e as reuniões nas casas de alguns colegas, as vezes para realizar algum trabalho em grupo, outras simplesmente para estarem juntos. Você tem mais recordações relacionadas ao domínio acadêmico ou ao social? No geral, as pessoas tendem a se lembrar mais das vivências sociais do que dos conteúdos. E, isso está bem.
A escola é um local de socialização humana. Um espaço onde a vida acontece com toda sua essência: o belo e o complexo; a leveza e o árduo; a alegria e a tristeza, dentre tantas outras nuances. A escola é lugar de convivência. E, esta tem estado sob os holofotes há um certo tempo, não pelas maravilhas que ajuda a florescer, mas, sim, pelas atrocidades que testemunha acontecer. Violências diversas envolvem estudantes e educadores. Bullying e cyberbullying se entrelaçam e perpassam diferentes grupos estudantis. No entanto, neste artigo, quero abordar a agressão social, uma forma de violência que, velada, vem perpassando a vida escolar e social de diversas gerações, sendo, às vezes, normalizada.
Para os pesquisadores Galen e Underwood, a “agressão social consiste em ações realizadas para prejudicar a autoestima e/ou o status social de outra pessoa, e inclui comportamentos como expressões faciais de desdém, fofocas cruéis e a manipulação dos padrões de amizades”1. A agressão social é complexa e pode-se expressar por meio de manipulações de relacionamento, rumores intencionalmente espalhados e exclusões social.
Esta forma de agressão social2 é diferente do bullying porque pode ocorrer apenas uma vez e, prioritariamente, acontece sem que as demais pessoas notem. Usualmente, somente os agressores ou agressoras e as vítimas percebem tal situação. Para os educadores e demais estudantes esses atos podem passar desapercebidos. O agressor ou agressora intencionalmente quer manter sua imagem como uma pessoa “do bem”, educada e agradável para com os outros. No bullying, o agressor ou agressora constantemente direciona ações violentas à uma mesma vítima e o faz de maneira em que as demais pessoas notem tal ato: o agressor quer receber o reconhecimento por ser “malvado”.
Imaginem uma cena de um filme, onde um grupo de adolescentes está sentado lanchando e quando chega uma determinada menina com a intenção de se juntar, o grupo todo levanta e a deixa sozinha. Agora, visualize um grupo de três amigas no qual duas delas estão sempre cochichando e contando segredos na frente da terceira, com olhares que se entrecruzam e olhos que viram. Esse mesmo grupo que se subdivide, e pede para que a mesma menina lhes dê privacidade porque as outras duas têm que conversar sobre assuntos pessoais.
Para alguns, essas cenas aqui descritas podem ser comportamentos de garotas, normais para a adolescência. Para outros, é possível perceber que uma menina está sendo excluída do grupo. Essa menina excluída pode ser alguma recém chegada à escola; mas também pode ser a amiga que há anos estudava e socializada junto com esse grupo e que, sem entender muito bem o que mudou, sente que tem sido ignorada até que, gradualmente, tenha sido excluída. Ninguém viu nada de alarmante. Não houve violência física, tampouco palavras de baixo-calão.
Infelizmente, essas cenas brevemente aqui descritas são constantes no ambiente escolar. Usualmente, acontecem com maior frequência nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Embora, tanto rapazes quanto garotas possam constituir-se como agressores ou vítimas, habitualmente a agressão social é mais experimentada pelas garotas.
Aparentemente, as garotas que praticam a agressão social usam esse recurso para extravasar a raiva, a inveja e outros sentimentos negativos porque não os consegue expressar de outra maneira, dado que as meninas ainda têm sido educadas para serem “boazinhas” e simpáticas, reprimindo seus desejos e emoções. A agressão social é vista pelas garotas como uma maneira de expressar os sentimentos negativos e conflitos de modo que apenas a vítima se prejudique, mantendo sua imagem de “menina boazinha”, amável e educada, em relação aos demais e aos educadores.
Já, os garotos são culturalmente encorajados a expressarem suas raivas, aspecto que explicaria o porquê de os rapazes vivenciarem com menos frequência a agressão social (eles utilizam mais o bullying e a agressão física).
Para se ter uma ideia da magnitude deste problema de convivência escolar, uma pesquisa3 realizada com 1440 estudantes dos anos finais do ensino fundamental verificou que: 60% dos estudantes relataram terem sido vítimas de rumores intencionalmente espalhados; e 54% dos estudantes declaram que sofreram exclusão social. Destes, a maior parte eram garotas. Estes dados, e tantos outros, sugerem que a cômica situação relatada no filme voltado para o público juvenil “Meninas malvadas ”4 é uma lastimável realidade vivenciada por muitas garotas mundo afora.
Essa realidade socialmente agressiva pode deixar marcas tão profundas na constituição da autoimagem pessoal, na autoestima e autoconfiança, quanto outras formas de agressividade. Por acaso, leitor, você se recordou de ter sofrido alguma situação parecida com as aqui relatadas que tenha te deixado marcas emocionalmente dolorosas? É bem possível que sim!
Bandura, um dos principais estudiosos da agressividade, há alertado que o que define um ato como uma ação violenta ou não são os julgamentos pessoais e sociais de intencionalidade e causalidade5.
Portanto, querido leitor, se você se lembra de ter vivenciado algo parecido, você pode ter sido vítima ou agressor. Se seus filhos ou seus estudantes comentam que se sentem excluídos, escute-os, não relativize tais queixas e busque saber mais sobre o que está acontecendo.
Necessitamos falar sobre agressão social nas escolas e dentro de nossas casas: discutir suas causas, seus efeitos e analisar situações conflitivas buscando maneiras saudáveis para suas soluções. Se garotas e garotos puderem identificar situações de agressividade social saberão reconhecer quem são seus amigos de fato: aqueles que os respeitam pelo o que se é e como se é. Por isso, e tantas outras razões, não podemos normalizar a agressividade social como algo banal, praticado entre as adolescentes, como se fosse intrínseco aos seus desenvolvimentos. Nossos adolescentes podem se desenvolver de modo mais amigável!
Notas
1 Esta definição obtida em Galen, B. R., & Underwood, M. K. (1997). A developmental investigation of social aggression among children. Developmental Psychology, 33(4), p.589.
2 A fundamentação teórica deste artigo é baseada em Lima Junior, José Elias, Pedersen, Simone Alves e Casanova, Daniela Couto Guerreiro (2021). Percepção de agressão social entre estudantes do Ensino Fundamental. TSC em Foco, 15, 7- 21.
3 Azzi, Roberta Gurgel e Casanova, Daniela Couto Guerreiro (2021) Sucesso escolar: em busca de estratégias para fortalecer as crenças de autoeficácia. Realizada com o apoio do Itaú Social e da Fundação Carlos Chagas, obtidos através do edital Últimos anos de educação básica: adolescência, qualidade e equidade em escolas públicas.
4 Meninas Malvadas. (2004). Dir. Mark Waters. Prod. Adam Glass. Paramount Pictures.
5 Bandura (1978) apud Azzi, Roberta Gurgel e Casanova, Daniela Couto Guerreiro (2021) Sucesso escolar: em busca de estratégias para fortalecer as crenças de autoeficácia, p.116.