Antes da pandemia, confesso que nunca fui muito de ler, lia um livro ou outro mais complexo na área profissional; Porém, só nessa altura, me desafiei a ler outros géneros literários e novos hobbies foram criados.

Considerada a escolha do livro em uma das leituras, deparei-me com o nome de um dos autores que nunca na minha vida, tinha ouvido - Natsume Kinnosuke - Hoje questiono o porquê da sua escolha? Talvez por abordar assuntos que tocam profundamente nos problemas de identidade, individualidade e equilíbrio social.

A sua vida…

Natsume Kinnosuke (nome real) é mais conhecido pelo seu pseudónimo Natsume Sōseki, sob o qual ele publicou as suas obras mais célebres. Foi um escritor, poeta e crítico literário japonês, atualmente considerado um dos maiores autores do Japão, conhecido por ser o pai da literatura japonesa moderna. Nasceu numa família de samurais em 1867, tendo falecido em 1916.

A sua infância foi difícil, marcada pela morte da sua mãe, começou a estudar literatura tradicional chinesa, mas o seu destaque foi na disciplina de inglês. Estudou literatura inglesa pela Universidade de Tóquio, uma experiência que o expôs à cultura ocidental e que influenciou a sua escrita. Depois de se formar, assumiu vários empregos como professor em áreas rurais.

Em 1900, o governo japonês enviou-o para Londres para estudar literatura inglesa. Durante esse período a sua saúde física e mental sofreu um grande declínio.

Em 1905, Kinnosuke publicou as suas principais obras, passando a assinar as suas obras, poesias e pequenos ensaios com o pseudónimo de Sõseki - que, em chinês, significa "incómodo". Depois de voltar do Japão, ele continuou a sofrer da sua doença, tendo sido encorajado pelo poeta Takahama Kyoshi para continuar a escrever como uma distração, o que resultou em várias obras. Para alguém da sua época, ele era notavelmente franco sobre as suas lutas, escrevendo isso no prefácio de seu estudo A Teoria da Literatura (1907), uma de suas poucas obras literárias não-ficção:

Na Inglaterra, as pessoas que me observavam diziam que eu sofria de ‘neurastenia’1. Ouvi dizer que um certo japonês escreveu para casa do Japão para dizer que eu era louco... Eu diria, que foi esta condição nervosa e insanidade que me permitiu escrever ‘Eu sou um Gato’ […], parece apropriado que eu deveria expressar a minha profunda gratidão por essas aflições. Supondo que não haja alguma mudança radical nas minhas circunstâncias pessoais, eu presumo que esta condição nervosa e de insanidade vai-me afligir para o resto da minha vida. E já que, enquanto persistir, […] rezo para que as minhas doenças não me abandonem...

Foi assim que Sōseki foi sendo cada vez mais conhecido, com a sua sensibilidade, por misturar as influências ocidentais com elementos tradicionais japoneses, os desafios entre ambas as influências, as rápidas mudanças que estavam a ocorrer no seu país, os conflitos internos.

Falece em 1916 devido a uma úlcera estomacal aos 49 anos. Apesar da sua vida relativamente curta, a sua influência na literatura japonesa perdura.

As suas obras

  • Eu Sou um Gato: Esta foi a primeira grande obra de Sōseki, publicada em 1905. O romance é uma narrativa satírica e em primeira pessoa, contada a partir da perspetiva de um gato sem nome. Ele critica de maneira humorística a sociedade japonesa e a natureza humana, a modernização do Japão.

  • Kokoro: Publicado em 1914, é um dos romances mais célebres de Sōseki, Kokoro significa “coração” em japonês. O livro explora temas como a culpa, complexidade das relações e o conflito psicológico entre um jovem e seu mentor, a inação versus luta, o buraco geracional e a crise existencial.

  • Botchan: Uma história cómica e frequentemente satírica sobre um jovem de Tóquio que assume um cargo de professor em uma vila remota. O romance critica os aspetos provincianos e corruptos da sociedade, muitas vezes de forma bem-humorada.

A influência de Natsume Sõseki

A comparação entre as questões enfrentadas por Sōseki e as atuais é pertinente, Sõseki observou com perspicácia as rápidas mudanças que o Japão estava vivendo, à medida que o país se abria ao Ocidente e abandonava muitas das suas tradições. Esse conflito entre o local e o global, o tradicional e o moderno, é um tema recorrente em sua obra, e ainda ressoa na sociedade globalizada de hoje, com movimentos de pessoas, costumes e tradições, somos cada vez mais questionados por essas mudanças.

O local versus o global, onde por um lado apreciamos o local, a tradição, os costumes, mas por outro lado queremos o fervoroso sangue das pessoas, da tecnologia entre nós. Será sempre um debate que não é consensual para cada um de nós. Certos dias iremos preferir o refúgio na natureza, uma forma de viver que nos permite ter tempo para refletir, enquanto que em certos dias, necessitamos de acelerar o ritmo de vida no meio de várias pessoas, como o ruído, poluição...

A incompreensão e a não simbiose de ambos os mundos será sempre um conflito, jovens que na sua maioria preferem o barulho, pessoas mais experientes que ficam fartas do mundo rápido citadino que precisam do campo para recarregarem as baterias. A inovação versus o saber ancestral.

Assim, Sōseki permanece uma figura essencial na literatura japonesa, não apenas pela sua habilidade em retratar os dilemas do seu tempo, mas também por antecipar questões universais sobre a identidade, a modernização e a busca pelo equilíbrio entre tradição e inovação.

Notas

1 Neurastenia, uma condição psicológica caracterizada por exaustão mental e física, que ele sofria e acreditava ser uma fonte de sua criatividade literária.