Tudo ao redor era uma selva, de poucas copas de árvores cobertas e ao perigo sedutor e convidativo, ela sempre estava aberta. Ninguém verdadeiramente nessa selva habitava, pois era um espaço de passagem repentina. Havia nela um jogo de sucessivas rodadas, que na saciação do ego, sede de prazer e selvageria, acabava.
Neste lugar, vários pés pisam no chão de forma diferente — seja no escuro do luar carente ou à luz do sol efervescente: aquilo que é caloroso corre pelos corpos de amor ausentes, que ali estão apenas ardentes. O calor ali daquela selva é característica indiferente para aquela gente.
Nela o som das pegadas secas reverbera a grande seca das relações. Elas ecoam juntas a constante falta de fé no amor. Lá, indiferente não é só aquela gente – às vezes, quando chove na selva, na e da pele daquela gente indigente, escorrem líquidos de lugares indulgentes.
O som proveniente da selva é indiferente. A música que lá se ouve é de vozes que rasgam ouvidos com barulhos agridoces (às vezes amargos, e não vou negar, doces), grunhidos, de cordas vocais. Mas no geral – tudo nessa selva continua não passando do gosto amargo de um imenso vazio.
Nessa selva não há coração, nem pureza guardada em algum pulmão. E nem em qualquer órgão — são corpos ocos e unívocos. Porém, ali jaz uma possível contradição, pois lá é possível bater e sentir o coração, de si e de outrem.
Até coexistem outros deles, cada um de diferentes naturezas transgressoras, pouco autônomas e muito indulgentes. São criaturas, não pessoas. Criaturas que pensam ser autônomas e independentes, que demonstram uma imagem completamente diferente — carentes, de outros corpos dependentes, famintas, irresponsáveis com os outros, delinquentes e absolutamente inconsequentes. Mas acima de tudo, esfomeadas e de tato inegavelmente envolvente — é assim que conseguem presas em dentes tão delinquentes, de bocas frias e que só erram e mentem.
Cada um ali naquela selva, compõe de uma planta apodrecida e por vírus infectada, a relva. Todos ali têm alguma habilidade, sem nenhum coração que dentro de si bate: tudo nessa selva de passagem é puro embate. As criaturas insanas e existentes, como disse, não são humanas. Já foram humanas, mas ao entrarem na selva, esqueceram de ser humanos, dos humanos, da humanidade ou da humanização (a menos lembrada) e suas “coisas humanas”. E como eu também já disse, tudo nesse espaço é embate — pois os corações desses patéticos e sedentos corpos que ali se batem, dentro de si, já não batem.
Há nessa selva um outro tipo de cadeia alimentar, totalmente diferenciada e de dualidade que pela ciência não foi inventada, mas que segue o curso considerado “natural” da realidade ali por eles habitada — capturar e se safar, lutar e fugir, dominar e ceder. Uma mesma criatura não consegue os dois ao mesmo tempo fazer. Nenhum consegue ter as duas coisas, ou um ou outro. É quase que um caráter de ludicidade, sedução, desejo, prazer, gozo e saciedade, mas absolutamente a falta de responsabilidade.
Disso tudo sei porque dessa selva sou sobrevivente. Lembro do dia em que na selva sazonalmente fui uma criatura recém-chegada, lá dentro, com o coração pulsando em minha mão.
Guardei no bolso, senti o sintoma dessa selva — era um jogo de cisão entre emoção e razão. No fim alguém perde o que há de valioso e esquecível em toda e qualquer situação, para as criaturas que passam por essa selva: aquilo que eu tinha no bolso, o coração.
Na verdade, eu-criatura tinha medo, mas além disso — tinha também medo de perder o coração ali dentro, naquele chão sem cor e sem pudor e medo. Tinha noção de quão grande era ter esse órgão em mim dentro. Porém, além do além, eu-criatura queria vivenciar o perigo, sem coração, no ar daquela selva sem nenhuma revisão.
Quando logo, outra criatura sem coração se aproximava para a caça, eu-criatura saiu correndo de pés descalços. Foi como um safári em um deserto. Fugindo e olhando para trás percebia, que no peito daquela outra-criatura, há anos, nada havia. Enquanto corria refletia — provavelmente porque em anos aquele peito nunca, de fato, fora preenchido. Tinha um desenho de coração alado, e a cara de um diabo.
Nem dinheiro, status, sucesso, aparência ou lábia, acredito que, àquela outra-criatura, nunca o ajudaram em nada. Então ele deixou seu coração, há muito tempo cair no chão de qualquer esquina, em um beco ao som de uma triste balada.
Diferente de eu-criatura, essa outra-criatura não tinha medo de nada. Pelo contrário, tinha confiança em si, no seu taco e no que tinha em seu peito — a ânsia de passar a ânsia para o outro, ali no terreno que achava que era dele.
Eis que o jogo não mudava, atrás da eu-criatura a outra-criatura ficava. Sem capturar, ceder ou dominar. Naquele dia consegui por mim lutar, fugir e, a vitória conquistar. No entanto, quando minhas mãos no bolso coloquei, busquei tudo aquilo que de mais importante neste acontecimento guardei — cadê meu coração?
Em minhas mãos o vi manchado, depois dessa fuga: selvagem, seguro e indomável.