Ao consultarmos o dicionário em busca do termo 'amizade', deparamo-nos com a seguinte descrição: "Sentimento de afeição e simpatia recíprocas entre dois ou mais indivíduos. Companheirismo, cumplicidade, entendimento, compreensão, dedicação, bondade". Essa é a noção clássica, podemos assim dizer, sobre amizade, baseada em afinidade e lealdade. No entanto, esse conceito vem perdendo espaço nas dinâmicas sociais para o tão conhecido no mundo corporativo: networking. Passamos a vivenciar interações interpessoais impulsionadas por objetivos apenas profissionais, transformando os círculos sociais em redes estratégicas de contatos.
Nos gabamos ao dizer que não respondemos às milhares de mensagens existentes em nosso WhatsApp, mesmo sendo de pessoas próximas, familiares. Achamos engraçado dizer que não atendemos ligações e que não deveríamos mais telefonar. Sair com os amigos se tornou uma tarefa impossível; trocamos mensagens dizendo "vamos marcar de nos ver", mas realmente se encontrar não acontece, e os dias vão passando. No entanto, passamos horas em perfis de desconhecidos, interagindo, comentando em suas publicações e torcendo para que a pessoa faça o mesmo em nosso perfil. Participamos com frequência de eventos em busca de oportunidades para expandir nossa rede de contatos, tudo em prol de alcançar objetivos profissionais, e para eles vamos sem qualquer problema, e já com o discurso preparado.
As conversas informais quase não existem mais; foram substituídas por discursos cuidadosamente planejados para destacar habilidades e conquistas, com o objetivo final de obter algo em troca. E aqui colocamos em prática todas as dicas dos livros que lemos sobre oratória, comunicação e até mesmo persuasão. O prazer de tomar um café com alguém que você genuinamente gosta e ouvir sobre a viagem com a família, o filho que começou a andar, a infiltração na casa, ou os planos do casamento, perdeu espaço para encontros nos quais é preciso "pisar em ovos" para não cometer nenhum deslize que possa prejudicar a imagem profissional.
E quando falamos sobre interações interpessoais, não podemos deixar de destacar a grande criação do século XXI: as redes sociais. Embora tenham o propósito original de conectar pessoas, também contribuíram para a transformação das interações sociais em transações profissionais. Perfis cuidadosamente construídos são utilizados não apenas para compartilhar momentos pessoais, mas também como ferramentas de autopromoção. As fotos do cachorro, o churrasco com a família e a receita da sobremesa de domingo foram substituídos por posts pensados para viralizarem, e só. A contagem de seguidores e quem são as pessoas que nos seguem tornam-se indicadores de influência e oportunidades. Hoje, o LinkedIn, plataforma tida como a maior rede social profissional do mundo, criada com a missão de conectar os profissionais do mundo para torná-los mais produtivos e bem-sucedidos, possui mais de 930 milhões de usuários. Isso confirma, com números, que estamos testemunhando uma transformação significativa quando se trata de relacionamentos.
Mas não podemos ser injustos, o networking não é o vilão da história. Seu conceito não é uma invenção recente, e em um mundo onde a concorrência é acirrada e as oportunidades são disputadas, ele assume um papel estratégico e às vezes até injusto. Quem nunca soube de uma pessoa sem qualificação que conseguiu um alto cargo em uma empresa apenas por ter boas conexões. Mas por fim, o problema não é o networking em si, mas a maneira como vem sendo usado. Nos deparamos com o desafio de encontrar um equilíbrio saudável entre construir redes profissionais e preservar relacionamentos genuínos.
Culpar o networking pelo declínio das relações genuínas seria simplista demais. O verdadeiro questionamento está em cultivar uma abordagem equilibrada, reconhecendo a importância e necessidade dessa estratégia, mas sem perder de vista a essência das conexões humanas. Afinal, não queremos perder a amizade para o networking.