Mais do que analisarmos o funcionamento de um sistema político de um país, é fundamental colocarmos igualmente o olhar na sociedade civil em relação ao Estado e nos elementos que o compõem.
Á luz da Ciência Política, um Estado apresenta as seguintes características: povo, território, aparelho de poder e sociedade civil. Nenhuma destas características se deve dissociar em relação às outras, pois estas são elementos fundamentais que formam organicamente um Estado.
Em relação ao Brasil, a democracia brasileira é ainda jovem e a Constituição vigente é de 1988. Tanto a democracia como a Constituição têm ainda problemas com a sua afirmação. Em direito comparado, é possível verificarmos que a constituição americana de 1789, sofreu poucas alterações no seu conteúdo, isto porque nela só está aquilo que realmente é matéria constitucional, ao contrário da constituição brasileira, que até 2013 tinha registrado 72 emendas e mais de 1.200 propostas de emendas em análise. Contudo, tal comparação não logra sucesso, pois o sistema norte-americano é o conhecido Common Law, enquanto no Brasil, adotou-se o sistema romano-germânico, em que a legislação está toda codificada, sendo como fonte principal de direito a lei escrita, decorrente do processo legislativo, na maioria das vezes, enquanto nos EUA adotam a jurisprudência.
O que é desconhecido para muitos é que as emendas, em lato sensu, são a via normal que a lei maior estabeleceu para a introdução de novos preceitos no texto constitucional. Ao verificarem-se elevadas alterações, estas irão consequentemente causar uma erosão da consciência constitucional e a um estado de indiferença popular em relação à Carta Magna.
A Constituição da República Federativa do Brasil determinou ao Congresso Nacional a competência para elaborar emendas a ela. Deu-se, assim, a um órgão constituído, o poder de emenda à constituição. Por isso é que se dá a denominação de poder constituinte instituído ou constituído. Por outro lado, esse poder não lhe pertence por natureza, mas, deriva do poder constituinte originário.
Em relação ao texto constitucional, este é muito criticado e com facilidade, pois a Constituição, ao ser muito prolixa, trata de assuntos que não deveriam ser tratados por ela, mas por normas infraconstitucionais. Mas isto tem um porquê: a questão histórica de como esta surgiu. Para que fossem salvaguardados alguns direitos, ela acabou por ficar muito extensa, sendo ainda possível caracterizar a Constituição da República Federativa do Brasil como sendo formal, escrita, dogmática, promulgada, analítica, dirigente e rígida.
A Constituição é, ou deve ser, o espelho da sociedade, portanto, como a sociedade é dinâmica e está constantemente em mudanças, a Constituição acaba por alterar igualmente o seu texto, sempre que se verificar necessário. Isto porque uma constituição não é feita num momento predestinado, mas realiza-se e efetiva-se ao longo do tempo. As mudanças constitucionais são necessárias como meio de preservação e conservação da própria constituição, visando o seu aperfeiçoamento e num processo dialético, a harmonia com a sociedade.
É natural as constituições conterem limites materiais e formais, ou seja, para conhecermos a génese da constituição precisamos definir aquilo que é inerente e o que é externo. Os primeiros limites consistem em um vínculo de imodificabilidade de normas constitucionais, os segundos reconduzem-se ao procedimento legislativo ordinário.
Na constituição brasileira, as chamadas ‘cláusulas pétreas’, ou seja, o núcleo duro e puro da Constituição, não pode ser alterado, tais como, a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais (art.º 60, nº4 da CRFB).
Além de se fazer o paralelismo com a Constituição Americana, a Constituição Brasileira assim como a Portuguesa são constituições rígidas, pois definem bem a distinção entre o poder constituinte originário e os constituídos, inclusive o de reforma. Reforçam a supremacia da Constituição, na medida em que repelem que o legislador ordinário disponha em sentido contrário do texto constitucional, e levam, afinal, à instituição do mecanismo de controlo de constitucionalidade de leis, como garantia real da superlegalidade das normas constitucionais. Neste sentido, a rigidez constitucional é imprescindível para manter a estabilidade constitucional, por outro, esta rigidez deve permitir que a evolução da sociedade seja acompanhada pela evolução da Constituição.
Conforme foi mencionado, as Constituições brasileira (CRFB) e portuguesa (CRP) possuem uma convergência quanto à reforma ou revisão constitucional, apesar de cada uma apresentar as suas especificidades. Uma das semelhanças está na rigidez de ambos os textos constitucionais, evidenciado quais os limites formais que diferenciam a revisão constitucional do processo legislativo comum (art.º 60 da CRFB e o n.º 2 do art.º 284 da CRP) e na proteção do núcleo material intangível (art.º 60, nº4 da CRFB e o art.º 288 da CRP).
Uma das limitações circunstanciais da revisão constitucional enunciadas na Constituição da República Portuguesa (art.º 289 da CRP) e que a Constituição da República Federativa do Brasil igualmente apresenta na (alínea b) art. º60, 1º), casos onde se verificam situações excecionais, “Não podem ser praticados atos de revisão constitucional em estado de sítio ou de emergência.” Ou seja, durante uma pandemia, como a da SARS-CoV-2 (COVID-19) ou em casos de agressão real, iminente e de grave ameaça de forças estrangeiras (Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, Diário da República Portuguesa), a Constituição não pode ser revista e nenhum pedido de revisão constitucional pode ser efetuado.
Face ao exposto, importa lembrar, que tanto a democracia como as instituições que são formadas através desta, não podem, de maneira alguma, ser vítimas do extremismo e de ataques promovidos pelos seus líderes, pois o caso da invasão do Capitólio nos EUA em 2021, e a invasão do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal em 2023, no Brasil, demonstram bem o que acontece quando a Constituição ou a democracia não são respeitadas.