Succession, a premiada série de HBO chega ao seu fim. Foram quatro temporadas e 40 capítulos a contar a saga da família Roy, seu patriarca Logan e o processo de sucessão de seu império para um dos 4 filhos. OK! Mais uma série sobre poder e cobiça, intrigas palacianas, sexo, e luta sobre o domínio do reino. Parece uma daquelas tramas que bem poderiam descrever “Game of Thrones” ou “The Godfather”.

Succession traz os temas mais atuais e desafiadores da nossa civilização ocidental. O poder da mídia, a informação e a construção de narrativas, a política por trás ou por dentro do mundo corporativo, a desigualdades entre os muito, muito ricos e o homem comum.

Temos um telescópio poderoso a observar as entranhas de um universo tão próximo e, ao mesmo tempo, tão distante da nossa realidade. Convivemos por quatro anos com uma das famílias mais poderosas que o cinema já colocou na tela. Esqueça “The Crown” ou “House of Cards”. A família Roy tem motivos de sobra para reivindicar o trono de a mais problemática da ficção recente. Tudo empacotado em um estilo de vida fascinante a princípio, onde os personagens circulam em helicópteros, iates, jatos particulares, vestem-se sempre de forma elegante, e ostentam o poder e o saldo nas contas bancárias. Tudo é muito discreto, por um lado, e absolutamente extraordinário por outro, de uma forma quase natural.

Por baixo dessa camada de estilo e “way of life” da bilionária família Roy, temos uma peça de arte dramática como poucas no cinema e na televisão. O texto, a trama, os diálogos são estruturados e costurados sob medida, como por um alfaiate de palavras. Não há decapitações explícitas como na guerra dos tronos. Tudo é feito em conspirações de bastidores e os embates frente a frente são potencializados com diálogos contundentes, diretos e quase sempre codificados, com referências pessoais dos personagens.

A direção assume um formato de testemunha, tentando captar expressões dos personagens com e sem protagonismo na cena, quase como uma reportagem em direto das inúmeras reuniões e conspirações. A técnica utilizada foi a de encenar como um teatro, coreografar os movimentos dos personagens, deixar os atores serem os mais naturais possíveis, entrarem mesmo nos personagens, e filmar tudo com várias câmeras dentro da cena, captando as reações de todos. Numa série longa, de 39 episódios e vários diretores, o resultado é espetacular, fluido como se não houvesse uma direção.

A câmera na mão, presente, mas não aparente na cena, não significa uma imagem tremida ou desfocada, pelo contrário. A fotografia da série é de uma sofisticação ímpar em termos de iluminação, planos, movimentos. A correção de enquadramentos dentro dos planos é intencional e utilizada de forma dramática a realçar as expressões e reações dos atores. Conjugada com uma direção de arte elegante e apropriada ao universo da série. Toda a técnica confere a Succession uma qualidade estética e um prazer para os olhos.

E que elenco! Não é fácil manter uma consistência por quatro temporadas de um elenco numeroso, com diversos arcos dramáticos e jornadas distintas dos personagens dentro da história. Todos os atores estão perfeitamente encaixados em seus papéis, dão um show de interpretação. Mesmo alguns deles que já conhecíamos de filmes passados como o Alan Ruck, o Connor, filho e herdeiro do Logan Roy, que interpretou o Cameron, amigo do Ferris de “Ferris Bueller Day`s Off” de 1986. Ou o Mr. Darcy de “Pride and Prejudice” de 2005, Matthew Macfadyen, que faz o Tom, genro do patriarca e também candidato ao trono. Todos estão perfeitos: A Sarah Snook, uma atriz australiana dá um show, o Jeremy Strong, o Kieran Culkin, que compõem os filhos do patriarca Logan, interpretado pelo monstruoso Brian Cox. Sem contar com participações especiais de pesos pesados como a Holly Hunter ou do Adrien Brody, dois vencedores dos Óscar da Academia como atores em papéis principais, ela por “The Piano” de 2002, e ele por “The Pianist” de 1993.

Os filmes e séries, sejam exibidos no cinema, na televisão ou pelas formas atuais de distribuição são referidos como “motion pictures”. Succession é um contundente exemplo de como o som tornou-se tão importante quanto a imagem nessa forma de expressão. O trabalho de edição de som e trilha sonora da série consegue multiplicar o impacto visual, e nos envolve de tal forma que adquire uma personalidade própria. Este, para mim, é aquele ponto mágico onde a trilha sonora composta para um filme transcende esse meio e dá vida e identidade aos personagens, e consegue até transformar a cidade de Nova York em um universo vivo, pulsante. Sem a música, os helicópteros da família Roy não decolariam, não viveríamos o drama do Ken, a perversão do Roman, o relacionamento do Tom e Shiv, e as voltas e reviravoltas da corporação Waystar. Que trabalho de trilha do Nicholas Britell.

A história de Succession parece já ter sido contada antes, em formatos diferentes, desde o “King Lear” de Shakespeare, adaptado centenas de vezes ao longo dos seus mais de 400 anos. No fundo temos a mesma estrutura e a mesma storyline, mas confesso que é delicioso sentar e assistir uma vez mais essa história, contada nos tempos atuais. Talvez o ser humano seja assim mesmo. Ao longo da história ele tem lutado pelo mesmo objetivo – poder. Continuamos a viver isso nos dias de hoje, no trabalho, na política, na vida. E podemos até assistir sentados no sofá, torcer por um ou por outro, concordar e discordar, e sobretudo tirar lições.

Assista ao trailer da série: