Vamos começar hoje a discutir o terceiro episódio da série: Clássicos da Análise do Discurso. Cursei essa matéria na UFMG no semestre de 2024/2. Era a disciplina que eu mais esperei desde que entrei na universidade em 2022, especialmente por sua proposta crítica, política e interdisciplinar.

A cada aula, fui percebendo como os autores estudados oferecem lentes potentes para compreender a linguagem como lugar de conflito, disputa e transformação. Entre os autores que mais marcaram minha trajetória nesse estudo estão H. N.

Brandão (1994) e Dominique Maingueneau (1997), cujas contribuições se entrelaçam em torno de um objetivo comum: compreender a linguagem como prática social, estruturada por ideologias e atravessada por relações de poder.

Embora possuam abordagens teóricas e metodológicas distintas, ambos os autores convergem na ideia de que o discurso não deve ser entendido como mero reflexo da realidade nem como um simples encadeamento de palavras, frases ou orações.

Pelo contrário, o discurso, tanto para Brandão quanto para Maingueneau, constitui-se como um fenômeno profundamente histórico, político e simbólico.

Mais do que simplesmente descrever como se fala ou se escreve, a Análise do Discurso, nas perspectivas desses autores, busca compreender como os sentidos são produzidos, legitimados, disputados e, muitas vezes, impostos em determinados contextos sociais e históricos.

H. N. Brandão adota uma perspectiva crítica, que valoriza a totalidade ideológica dos discursos. Para ele, a linguagem não é apenas um instrumento de troca ou um código neutro de comunicação.

Ela é, antes de tudo, um processo coletivo de construção simbólica da realidade social. Assim, todo discurso carrega em si marcas das relações de poder que estruturam a sociedade. Cada enunciado é uma inscrição ideológica, o que significa dizer que os sentidos que circulam na linguagem não são naturais ou evidentes, mas sim construídos a partir das disputas entre diferentes grupos, classes ou instituições.

Em sua obra, Brandão enfatiza que “cada enunciado tem a capacidade de reforçar ou subverter as ideologias dominantes de uma sociedade” (p. 95).

Essa frase sintetiza um dos pontos centrais da Análise do Discurso: o discurso pode tanto manter as estruturas de dominação como também criar fissuras nelas. Isso depende da posição ideológica do sujeito, do contexto de enunciação e da forma como os sentidos são articulados.

Dessa forma, a análise do discurso torna-se uma ferramenta potente para identificar os mecanismos simbólicos de exclusão, opressão, resistência e transformação.

Outro ponto relevante na obra de Brandão é a noção de que o sujeito nunca fala sozinho. Os discursos são sempre polifônicos, ou seja, formados por múltiplas vozes que dialogam, se sobrepõem, entram em conflito e se ressignificam mutuamente.

A coletividade da fala implica que, ao falar, o sujeito está sempre atravessado por discursos anteriores, pelas vozes da cultura, das instituições e das lutas sociais. Assim, o papel da análise crítica é revelar as relações de força que estão presentes nos textos, nos silêncios, nas palavras escolhidas e nas estratégias argumentativas mobilizadas.

Já Dominique Maingueneau propõe uma abordagem mais técnico-teórica e interdisciplinar. Para ele, a Análise do Discurso não pode se restringir à linguística tradicional, pois o discurso é um fenômeno complexo, que envolve aspectos sociais, históricos, culturais e ideológicos.

O discurso, em sua concepção, não apenas representa a realidade, mas também a constitui. Ou seja, ao mesmo tempo em que descreve o mundo, o discurso participa ativamente da sua produção simbólica.

Maingueneau afirma que o discurso é um “campo de luta” (p. 121), em que diferentes visões de mundo se confrontam, se reorganizam e se atualizam. Nesse campo simbólico, ocorrem disputas de sentido que envolvem identidades sociais, valores culturais, crenças políticas e formas de dominação ou resistência.

Para ele, compreender um discurso exige atenção ao contexto de sua produção, às condições de enunciação, ao ethos discursivo (ou seja, à imagem de si construída pelo locutor) e às representações sociais que o discurso mobiliza.

Enquanto Brandão enfatiza os aspectos ideológicos e transformadores do discurso, Maingueneau oferece ferramentas conceituais e metodológicas para compreender como o discurso opera concretamente nos diversos espaços sociais.

Ele propõe uma abordagem que articula a análise textual com a análise das práticas sociais e dos dispositivos institucionais. Isso permite compreender como os discursos são produzidos, legitimados e naturalizados em diferentes esferas — como a mídia, a política, a religião, a educação, entre outras.

As abordagens de Brandão e Maingueneau, apesar de diferentes em termos de estilo e ênfases, são profundamente complementares.

Enquanto um aponta para a crítica ideológica e a possibilidade de subversão dos sentidos dominantes, o outro constrói uma arquitetura teórica que permite identificar os mecanismos pelos quais esses sentidos são historicamente construídos e sustentados.

Juntos, oferecem uma leitura complexa e profunda das práticas discursivas, essencial para a formação de leitores críticos e pesquisadores engajados.

Em síntese, a Análise do Discurso, tal como apresentada por Brandão e Maingueneau, propõe uma maneira de ler o mundo. Mais do que interpretar textos, essa abordagem nos ensina a enxergar a linguagem como um território de disputas, onde se constroem verdades, se instituem normas e se moldam subjetividades.

O discurso, portanto, não é apenas uma ferramenta de comunicação, mas um lugar privilegiado para observar os jogos de poder que organizam nossas formas de pensar, sentir e agir. Analisar discursos é, em última instância, analisar a sociedade e suas contradições.