Em estado de dúvida, suspende o juízo.

(Pitágoras)

Você já teve a sensação de ter sua alma corroída pela dúvida? Dúvida sobre o caráter de uma pessoa, sem ter a certeza de quem ela realmente é?

Por um lado, a dúvida é saudável, pois ela nos mobiliza em direção ao conhecimento. Entretanto, se nos deixamos paralisar por ela, ficamos estagnados e estatelados naquele que poderia ter sido o nosso vôo para um encontro verdadeiramente único.

É certo que vivemos no mundo do salve-se quem puder, onde há sempre alguém querendo passar a perna em alguém, alguém querendo levar vantagem em cima de outra pessoa. Devido aos inúmeros casos de que temos notícia diariamente, já estamos mais do que treinados e vacinados. Nossas antenas estão ligadas 24 horas por dia emitindo constantes sinais de alerta e acendendo o farol vermelho ao que nos parece ser um sinal de perigo!

Isto ocorre em todas as áreas da vida: no trabalho, na vida social, em nossos relacionamentos. O foco deste artigo, entretanto, situa-se neste último quesito, que é muito mais delicado, do que levar um golpe na empresa, porque atinge não só o bolso (pensando que o golpe do baú ainda é válido para os dias de hoje), mas principalmente a alma e o coração. É fato que, quando nos apaixonamos nos tornamos mais vulneráveis e sensíveis, sendo que as atitudes e comportamentos do parceiro nos atingem direta e profundamente. Estar apaixonado nos expõe ao risco de não sermos correspondidos em nosso afeto, ou pior ainda, de sermos traídos, enganados, rejeitados. Sentimo-nos tolos e ridículos pensando que o outro pode estar brincando com nossos sentimentos e emoções ou que ele pode estar simulando uma farsa só para nos ludibriar e obter vantagens escusas.

Todas estas fantasias e temores nos colocam com um pé atrás e nos fazem estacar, visto que o medo de nos entregar à experiência nos paralisa. Esta conduta se por um lado nos protege de maiores dissabores, por outro lado nos impede de viver plenamente a experiência. Nós que tanto buscamos a felicidade na vida, desconfiamos quando ela parece vir ao nosso encontro de uma maneira inesperada, intensa e avassaladora! O amor límpido, espontâneo e sem rodeios não é uma manifestação esperada nos dias de hoje. “Não! Isto só pode ser fingimento!”, pensamos e já o descartamos logo porque a outra pessoa “com certeza” está a nos enganar.

Também não estamos acostumados a receber amor. Quando ele vem e se mostra de repente de uma forma tão genuína, nós não o reconhecemos, pois a preocupação com o golpe do baú é tão grande que rouba a cena, fazendo com que todo o encanto se quebre.

Com isto, nem nos damos conta do nosso constrangimento e do quão pouco merecedores estávamos nos sentindo diante do que estávamos recebendo.

Lamentavelmente, com esta postura perdemos. E perdemos muito porque deixamos escapar a chance de conhecer algo ou alguém que poderia mudar diametralmente o rumo de nossas vidas.

De fato, o mundo está cheio de pessoas mentirosas, hipócritas e até ‘loucas’, mas há um real risco de perder a oportunidade de viver o amor verdadeiro - aquele que vem para aplacar nossas angústias e aquietar as tormentas de nossa alma, agindo como um catalisador na cicatrização de antigas feridas - se não nos arriscamos a conhecer melhor a pessoa que está à nossa frente.

Muitas vezes pensamos que a inteligência nos ajuda a identificar as artimanhas daquilo que poderia ser um jogo entre tolos e espertos, mas na área afetiva e em se tratando de relacionamentos, supostamente a intuição e a sensibilidade sejam ferramentas que possam nos auxiliar mais.

Por exemplo, se o seu coração pudesse falar, o que ele diria estando você ao lado da pessoa que te faz tremer inteiro? Prestar atenção às linguagens do corpo e à forma como ele reage também é muito importante. Todos esses são sinais valiosos que acorrem em nosso auxílio quando a dúvida está a nos torturar a alma. As impressões do nosso ser integral costumam ser verdadeiras e dever-se-ia lhes ser dado crédito, quando algo importante está em jogo.

Há muitas versões e explicações sobre o amor. Desde as mais poéticas e filosóficas até aquelas propriamente ditas científicas, como é o caso da Psicologia. Atualmente, fala-se muito em energia vibrando em uma mesma sintonia e/ou frequência. Diz-se ainda que “semelhante atrai semelhante”. A psicologia também explica que quando projetamos a imagem do parceiro ideal que temos internalizado em nossa psique naquela pessoa que melhor acolhe a expressão de nossa alma e que, quando isso acontece e é recíproco se dá o encontro amoroso, o que é popularmente chamado de “química”.

É verdade que homens e mulheres enfrentam muitas dificuldades em seus relacionamentos por possuírem naturezas e modos de agir diferentes. Uma delas refere-se ao que afirmou Neumann (1995): “a natureza passional e emocional da fêmea no abandono selvagem à hora do coito é algo terrível para o homem e a sua consciência” (p.46).

Em sua essência, o feminino está ligado à transformação, à mudança rítmica da vida, ao movimento circular, enquanto o masculino está mais ligado ao movimento linear, à mudança histórica, ao cultural e ao civilizado (Cavalcanti, 1987).

Não é o objetivo deste artigo, entretanto, alongar-se na descrição destas diferenças. Longe de buscar teorias e explicações, não há nada que se compare à riqueza da experiência. Entretanto, ocorre frequentemente que, na dúvida, muitas vezes vamos embora ao invés de ficar para ver e sentir com nossos próprios olhos e emoções.

Sentindo-nos ilusoriamente protegidos e em segurança, não percebemos que ao nos furtarmos à experiência, ficamos vazios, ‘ocos’ por dentro e com uma profunda sensação de fracasso e tristeza.

Se amar dói, não amar nos remete a um ‘sabor’ estranhamente cinzento e amargo de quem não ousou viver o que a vida lhe reservou...

E ainda pior, ao não escutar e dispensar atenção para a dor que sentimos na alma, a mesma deriva para nosso corpo causando doenças. Isto é o que chamamos de somatização.

Vale salientar ainda que não precisamos nos preocupar em provar ao outro quem realmente somos. Até porque palavras são levadas pelo vento. Nossas ações e posturas na vida dizem e valem muito mais do que palavras. Quem não ficou para ver e ouvir o brado de nossas ações está infeliz consigo por seu ato de covardia.

Por ora, vamos ficar com o poema “Ensinanças da Dúvida”, que em suas sábias e singelas palavras nos fala do valor da experiência:

Tive um chão (mas já faz tempo)
Todo cheio de certezas
Tão duras como lajedos.

Agora (o tempo é que fez)
Tenho um caminho de barro
Umedecido de dúvidas.

Mas nele (devagar vou)
Me cresce funda a certeza
De que vale a pena o amor.

(Thiago de Mello)

Referências

Cavalcanti, R. - O casamento do sol com a lua. São Paulo, Círculo do Livro, 1987. Neumann, E. - História da origem da consciência. São Paulo, Editora Cultrix, 1995.