Esse é um bom momento da humanidade? Pergunta que sempre ou vez por outra fazemos a nós mesmos, seja porque os conflitos avançam por diversos causas, porque o mundo está polarizado, ou ainda porque o presente nos gera muitas dúvidas e o futuro é incerto.

Acredito que em todas as épocas essa pergunta foi feita. Os humanos se referem sempre a um tempo anterior menos conflitivo, menos combativo, mais ameno ou talvez um pouco mais doce e isso acontece porque em qualquer oportunidade fantasiamos nossas vivencias e sempre que nos sentimos perdidos diante da realidade presente recorremos ao que já foi vivido. Recorremos então a memórias mais afetivas e supostamente mais controláveis. O tempo nos faz esquecer o sentido da dor, nos tornando acumulados por excesso de um passado que criamos, mais bonito e menos penoso.

Se retomamos a evolução humana, cada passo foi cheio de dúvidas, incertezas, provocações e envolta de algum temor. Por pior que seja o passado ele já ficou lá atrás e o presente fingimos controlar, entretanto o que vem cerca-se de novidades e do inesperado desconhecido por mais que tenha sido planejado. Quase invocamos o passado como uma santidade recheada de alegrias, pessoas boas, nenhuma violência e uma trajetória absolutamente lineares. Talvez! Talvez tenha sido. O que nos cabe é a compreensão daquilo que ainda será manifestado em nossas vivencias por aqui. O que está por vir e o que a humanidade ainda se reserva, seja pelo que produz ou pelas consequências desta produção.

Com o advento da globalização trazida pela comunicação rápida e cada vez mais possível e uma urgência avassaladora em todos os aspectos da vida humana, o mundo se estreitou e se derreteu como todas as nossas certezas, o chão seguro não existe mais e o pensamento calculado milimetricamente dá lugar a instantes de rompantes cada vez mais diferentes do anterior. Hoje tudo é quase possível, e isso nos faz rodopiar sobre nós mesmos e nossas imediatistas descobertas e surpresas.

Tomados por todo desenvolvimento da tecnologia chegamos à inteligência artificial, que nos alcançou como um maratonista alcança o outro, e meio que confusos ainda com o que isso significa buscamos alguns caminhos repetitivos e próprios dos humanos: paralisamos sem entendimento fingindo não digerir o processo, seja por apego ao que tínhamos ou medo de não pertencer. Rejeitamos a realidade criando teorias e conspirações equivocadas e nada comprovadas, ou ainda aceleramos nossa condição diante do novo criando estratégias de sobrevivência, numa corrida insana para diferenciar-nos da maioria.

Recuso-me a pensar que meus pacientes serão menos humanos em função disso. A resistência vem de entender que os humanos são demasiadamente humanos. Mesmo que assolados por um turbilhão de novas condições associadas a forma de existir e se relacionar, bem como a mudança na forma de pensar, perguntar, obter respostas, concluir e até mesmo decidir.

O ato de existir e se relacionar passa por profundas transformações e assim foi sempre. Talvez hoje nos achemos sábios demais e por isso parece tão inovador e diferente esse estágio de vida que alcançamos, mas nada é tão igualmente legal quanto ter um dia descoberto o fogo, na minha opinião. A despeito de época, possibilidades, processos embutidos e modernos instrumentos faz-se necessário conter egos e arrogâncias e perceber de fato quem ainda somos diante disso tudo.

Atravessados por um mundo recheado de expectativas não preenchidas, uma urgência que nos joga para o esgotamento e uma falta de compreensão do outro absurda, que nos afasta de uma convivência real e presencial, seguimos sem direção, em busca do novo modelo. E qual seria esse novo modelo, se as estruturas não mudam por tão rígidas que tenham se tornado e insistem em não desgrudar desse chão já inexistente. Modelo esse que equivoca as relações entre sujeitos atípicos a época atual e aqueles tão oriundos dela. Se apegar a que, com qual compreensão e orientação, se tudo se desmonta no momento seguinte como um castelo de areia.

Relações que são vivenciadas em diversos coletivos sejam pessoais, amorosos e familiares aos estritamente profissionais comungam de uma única feroz coincidência, perdemos a mão! Não sabemos como reagir ao grande outro da relação. Não ouvimos, só falamos, não conseguimos se quer respeitar que para além de nós, há um outro universo compartilhado. O egocentrismo contribui ainda com mais vigorosamente para as possíveis ciladas da robotização.

Claro que não houve um dia em que tudo mudou, mas os sinais foram se tornando presentes e nos contaminando como um óleo que escorre vagamente pelas gretas e ladrilhos sem que se possa conter.

A ideia agora é encontrar formatos e possibilidades mais construtivos, respeitosos e leves de não sabotagem ao humano. Nada é mais importante que a vida humana e orgânica, seu cheiro natural, sua palavra mal colocada, seu desmantelo pessoal, suas aflições, medos tolos e coragem gigantesca. Nem toda vela precisa ser de led. Nem toda flor precisa ser permanente, nem toda convivência deve ser virtual, assim como nem toda colocação precisa ser respondida, pois há de se ter tempo para o silêncio, que nos acomoda, morna nossas urgências e traz a luz nossa lucidez. Novos pontos de vista mais criativos para lidarmos com essa não linearidade instaurada será necessário. Sejamos inquietos, transformistas, empáticos e únicos.

Não é seguindo o curso da perfeição de respostas imediatas para tudo, que vamos manter nossa singularidade humana, mas quebrando a ordem colocada de forma sutil, inteligente, verdadeira, com direito a errar, ser feio, ser principiante e até mesmo vulnerável. Façamos perguntas para as pessoas e deixemos que elas possam responder recorrendo ao seu repertório interior e nos surpreendam como um balsamo, um alento, um sentimento, um bom caminho e uma suave sensação de abraço.

Nos vemos já!já!