Olho para minhas mãos e noto brotes vermelhos. Pequenos pontos, cercados de um rosado, tom pink, que parece tentar uni-los. De camadas mais profundas sinto uma comichão, uma força que parece romper as barreiras da pele. Isso coça; coça muito. Direciono-me ao botequim doméstico e busco pelo creme adequado, outrora receitado por uma dermatologista para um idêntico quadro.

Será idêntico? Semelhante, talvez. Naquela época, os cremes não resolveram. Resolverão agora? Meus pensamentos circulam rapidamente por minha mente, tentando buscar uma explicação racional para o que está passando.

Alergia? Naquela ocasião os testes deram negativos. Desenvolvi alguma alergia? Faço um recorrido pelas refeições da semana, uso de cremes e de produtos químicos ocupados nesse período: nada novo. Que está acontecendo?

A pele é considerada o maior órgão do corpo humano. Alguns dedicam a ela apenas visões estéticas, permeadas de juízos e estereótipos culturais, previamente definidos por desconhecidos que se reconhecem como autoridades respeitáveis, com poderes quase supremos. Estes definem a beleza de cada tempo. Outros compreendem a pele como abrigo, contenção e limite. Ela envolve os músculos, que por sua vez, sustentam os demais órgãos e o sistema circulatório. Abriga um corpo, uma história, uma vida. Quantos sentimentos essa pele tem contido? Quais são os limites já extrapolados que esta pele não consegue mais conter e deixa, lastimando a si mesma, extrapolar em formas de pústulas?

Muitas podem ser as causas de uma urticária. E, dado que quem vos escreve não é médica, não se pretende, neste texto, elucidar suas razões, tampouco seus tratamentos. Quer-se, aqui, estimular uma reflexão sobre arte do diálogo. Aquele, que como o próprio nome deixa claro, requere duas pessoas, no mínimo, que se escutem e se expressem. Não há diálogo onde apenas uma das partes fale. Isso é denominado monólogo. Neste, um, fala; os outros escutam.

Há situações nas quais escutar um monólogo pode ser bem interessante. Há peças teatrais escritas e apresentadas nesse formato que fizeram muito sucesso e contribuíram para o bem-estar do público (aqui considero bem-estar, a capacidade de desfrutar dado momento, esquecendo-se do espaço exterior ao teatro, alimentando a mente de ideias que possam estimular nossa própria reflexão). Há palestras, que nada mais são do que monólogos, que podem nos enriquecer intelectual e emocionalmente; outras são desmotivantes.

Há professores que despejam conhecimentos, ministrando aulas nas quais têm as débeis intenções de que seus monólogos ensinem os estudantes. Há professores que dialogam com seus educandos. Apresentam conteúdos, ao mesmo tempo que escutam perguntas, contribuições, histórias e relações apresentadas pelos estudantes. Essas aulas são mais ricas, dado que na diversidade de relatos há uma maior possibilidade de se construir um conhecimento significativo.

As salas de aulas podem ser espaços de monólogos e de diálogos. As conversas cotidianas com amigos, familiares ou desconhecidos também. Monólogos podem instigar a solidão. Já, os diálogos podem ser um poderoso antidoto a esse indesejado sentimento.

A solidão “envolve a qualidade dos relacionamentos e o sentimento subjetivo de estar sozinho, decorrendo da discrepância dos níveis desejados e percebidos nas relações interpessoais”1. Note que, na definição de solidão aqui apresentada, a discrepância dos níveis desejados nas relações interpessoais é uma característica importante para que haja essa percepção. Talvez o não se sentir escutado, a falta de um diálogo, possa contribuir para tal discrepância percebida nas relações interpessoais. Longe de ser a principal causa da solidão, pode-se inferir que os diálogos se constituem como importantes aspectos protetores, podendo evitar que uma pessoa se sinta solitária.

Pesquisadores2 têm evidenciado que a conexão com pessoas desconhecidas, mesmo breves, podem trazer benefícios às pessoas, auxiliando-os a se sentirem parte de um todo mais amplo. Por isso, pequenas conversas, essas dos tipos convencionais como bom dia, como está o tempo hoje, além de serem um modal que demonstra boa educação, pode auxiliar ao dia dos envolvidos nesses diálogos (por exemplo, os caixas dos supermercados que, em teoria, passam o turno de trabalho completo sem conversar com alguém). No entanto, os pesquisadores destacam que as conexões breves não são suficientes para evitar a solidão. Para isso, é imprescindível formar e manter conexões significativas.

Para mim, não há uma conexão significativa que possa ser mantida sem o diálogo. Essa simples e histórica ferramenta humana capaz de nos conectar, de nos aproximar e, também, de nos afastar. Um diálogo mal conduzido, daquele tipo em que falo o que penso, como penso e quando penso, fingindo escutar o outro pode nos apartar. Afinal, esse não foi um diálogo, mas, sim, um monólogo, que serviu para despejar o ciclone que habitava um ser em outro, sem preocupar-se com este.

Para ocorrer um diálogo há a necessidade de se escutar o que o outro tem a responder, a complementar, a discordar. Um dos aspectos mais sutis do diálogo é a escuta. Ambas as partes necessitam estar dispostas a escutarem ativamente a mensagem. A mecânica um fala, o outro escuta; esse outro responde e o um fala é crucial para que haja uma conversa, na qual, mesmo sem concordar entre si, ambas as partes possam sentir-se mais leves. Essa seria uma poderosa ferramenta contra a solidão, dado que tal sujeito pode sentir-se parte de, à medida que escuta e contribui. Nesta contribuição, por mais ínfima que seja, está a valia que cada um de nós busca nesta jornada: contribuir para o crescimento do próximo, como a si mesmo.

E, assim, falando e escutando; ouvindo e respondendo, os pontos vermelhos vão diminuindo. A mancha rosada, desbotando. A pele vai voltando à sua normalidade, abrigando um corpo, um ser, que se sente contido, parte de algo maior e com seus limites contemplados3.

Referências

1 Wajngarten, Mauricio (2025) Pesquisa abrangente revela dados sobre a “epidemia da solidão” no Brasil e no mundo. Acesso em 17 de março de 2025.
2 Warren, Matt (2025). Por que você não precisa estar sozinho para se sentir solitário. Acesso em 17 de março de 2025.
3 As palavras aqui descritas sobre alergias na pele e relação com o diálogo constituem-se como um recurso literário. Não há intenção de afirmar a existência de tal relação, embora haja evidências de que aspectos emocionais possam ser causas de alergias e outros problemas relacionados com a saúde da pele. Caso queira saber mais sobre isso, sugiro a leitura do livro Tranquillini, Gabriela, Hostalácio, Gabriela, Zorzetto, Isabela, Villa, Ricardo. Pele, psicossomática, psicanálise: uma visão integrativa das psicodermatoses. Ed. Savier, 2022.