Todo comportamento é motivado, ou seja, decorre de uma motivação. Essa afirmação é básica e comum a todas as escolas psicológicas, independentemente de suas fundamentações teóricas. Estar motivado, agir conforme as motivações é um dos alicerces das construções explicativas do comportamento humano. As divergências começam quando se conceitua e define motivação.
Inicialmente, uma das primeiras observações é a de que existe onde colocar a motivação. A maioria das visões psicológicas entende que a motivação está dentro do indivíduo, é interna. Apenas a Gestalt Psychology a coloca como externa. Na linha da internalização das motivações encontramos visões orgânicas mecanicistas, como a dos behavioristas, que falam dos condicionamentos, dos reflexos primários, das necessidades básicas, e em consequência, as motivações visam sempre a atender, sedar drives ou necessidades orgânicas. Tudo vai depender da fome, do sexo, da sede, do sono, e o comportamento humano é estruturado para atender a essas demandas. Em decorrência dessa visão surgem os reflexos condicionados responsáveis por todo condicionamento social e psicológico.
Psicanalistas também entendem que as motivações são sempre internas. São inconscientes, e por meio de processos projetivos, se realizam ou se adensam em frustração. São criadoras de dinâmica e comportamentos os mais diversos. Por exemplo: desejar cuidar do que conquistou, temendo ameaças, pode ser uma expressão inconsciente da repressão e violência sofrida pela criança, e que agora gera rigidez e impossibilidade de articular palavras quando precisa agradecer homenagens recebidas.
Para os gestaltistas, a motivação não é interna, não está dentro do organismo ou do que é considerado inconsciente. Ela está diante do indivíduo, em seu campo de atuação, e é sempre pensada como o que está aqui, como o que está diante. Essa conceituação gera inúmeras consequências. Kurt Lewin – da Gestalt Psychology – falou na atmosfera de grupo para explicar as motivações de liderança e participação. Dinâmicas de grupo, situações sociais, comportamentos em geral podem ser explicados ao considerar as motivações desencadeadoras dos mesmo. Um dos pontos centrais nessa explicação do que constitui a motivação é o que se considera conduta exploratória.
Estar motivado é buscar, explorar, entender e realizar ações para elucidar e aplacar demandas. Desde dirigir-se à geladeira em busca de alimentos, até a leitura de livros para entender processos e orientações. Essa conduta exploratória é o estar motivado. Quanto maior a restrição, a repetição do que acontece, menor a possibilidade de motivação, de exploração. É a mesmice, é o tédio. Dentre inúmeras pesquisas sobre comportamento humano, as tarefas incompletas foram estudadas para detectar índices de aumento ou diminuição dessa conduta exploratória e os resultados confirmam as hipóteses gestaltistas.
Nas dinâmicas de grupo, quaisquer situações que apresentem esboços, possibilidades duplas e variadas sinalizações, motivam. Elas motivam tanto por criarem dúvidas, quanto por alicerçarem certezas. As pessoas exploram muito esse aspecto da motivação, e, atualmente, as redes sociais, criando as tocas de coelho exercem fascínios expressos na geração infinita de cliques.
O recurso de buscar teorias conspiratórias é uma toca de coelho, um sinalizador irresistível. Polariza, mimetiza, cria grupos fanáticos que lutam para descobrir e manter o segredo escondido. No livro Alice no País das Maravilhas, a entrada de Alice na toca do coelho a levou a um mundo estranho e ilógico, mas fascinante e sedutor. Um mundo de descobertas. Essa imagem se transformou em uma metáfora rica, e portanto muito usada, para descrever nossas jornadas em direção a descobertas surpreendentes, a maneiras novas de perceber e pensar, enfim, a caminhos que se apresentam e são sedutores. Toca de coelho é uma metáfora perfeita para descrever nossa atividade na internet com seus mundos desconhecidos ao alcance de um clique.
Todo dia se descobrem novos mundos, todo dia as big techs utilizam esses recursos para alimentar seus rastreadores (algoritmos), e, assim, criarem grupos, seguidores fieis e constantes. Inúmeras situações recentes, em vários países, que envolvem tanto organização e comunicação, quanto manipulação de enormes grupos populacionais, são evidências explícitas da atuação das redes sociais e outros veículos digitais.
Os acontecimentos catastróficos em Myanmar em 2022, o que ocorreu nos Estados Unidos na primeira eleição de Donald Trump, o que ocorreu no Brasil para desmoralizar professores e políticos em 2018, a vasta exploração de teorias da conspiração não apenas das discussões sobre política, mas também na pandemia da Covid-19, são alguns exemplos claros da manipulação de motivações que levam a ações de engajamento. Quanto mais excluído, ou familiar enquanto desejos e mentiras, e também nas teorias da conspiração (que são teorias constituídas com base em “verdades escondidas”, segredos, maniqueísmo herói-vítima), por exemplo, maior a motivação de descobrir e explorar.
A motivação, conceituada como conduta exploratória, possibilita entender como é fácil manipular e criar convergências comportamentais. Sem redes sociais, sem big tech, sem neoliberais, séculos atrás as motivações eram: as festas do domingo, as roupas novas para o casamento e batizado, as festas populares regionais. Esses eram os principais motivadores dos grupos.
O ser está no mundo e o que o motiva é o que o questiona. Os níveis desse questionamento variam. Ser o melhor, o que descobre coisas e ganha notoriedade ou dinheiro com isso, o que adere a grupos fortes e famosos sempre foi motivador. “Ficar bem na fita”, ter que procurar onde isso ocorre, pois leva ao ouro, é motivador. A conduta exploratória não existe só pelo resultado ou pelo propósito. Ela também ocorre por encontrar o novo, o que anima. Descobrindo-se na esfera individual – o indivíduo é quem é motivado – ele é polarizado para objetivos gerais: família, grupo, empresa, sociedade.
Estar vivo é estar motivado, isso não acontece quando se está impermeabilizado pela depressão, pelo medo. A omissão faz com que o indivíduo seja transformado em massa de manobra, mais um espaço utilizado na configuração de grupos estruturados independentemente de suas motivações, independentemente de sua realidade. Esse aspecto permite que se entenda porque o oprimido luta a favor do opressor (é o famoso “pobre de direita”, falado recentemente pelo sociólogo Jessé Souza), é o que ficou do lado do que é mais forte e poderoso, que é perceptivamente mais pregnante.
Dar pregnância, aumentar volumes, chamar a atenção, propagandear é a chave para conseguir seguidores ou adeptos. As tocas de coelho, as teorias da conspiração, a negação do que está ordenado, cria nova ordem, seduz “corações e mentes”, e, assim, se fazem guerras, instalando medo e subserviência.