“O que eu faço com o que o outro fez de mim?” Ou ainda faz... Uma boa pergunta que é mais sobre você evidentemente, e cada vez menos sobre o outro.
A nossa existência em qualquer relação causa uma imediata provocação ou ação na outra pessoa da relação. Provocado ou não o outro destilará sobre nós a sua melhor ou pior versão, em forma de um pacote recheado de si mesmo. E tal comportamento ou atitude é da ordem desse entregador.
Cabe a nós desembrulharmos o pacote recebido que vem com amor, ódio, raiva, descuido, descaso, amizade, trabalho, pressão, e tantos outros pacotes, físicos e emocionais, os quais nos cabe administrar e ressignificar.
O primeiro pensamento é sempre não entender, ser tomado de raiva, angústia, aflição por não estar em paz com uma ou mais pessoas. A segunda e mais frequente ação é devolver o pacote, dizer ao outro de sua arrogância ou estupidez, interferir na dinâmica alheia. Isso parece mais simples e fácil, talvez um caminho aparentemente mais curto, entretanto poucos fazem uma avaliação a respeito de seus sentimentos.
Aquilo que tensionou doeu ou afetou, dialoga com sua capacidade de pegar no peito, digerir e seguir. Que construção o outro fez que te deixou preso na teia, num emaranhado de incômodos. Essa é de certo uma boa palavra. Incômodo!
Se algo pegou sua atenção e desviou positiva ou negativamente de algum caminho, é porque tem mais a ver com você doque com o outro.
Os impulsos nos levam para o debate, logo entramos em estado de guerra. Que bom que não estamos sozinhos. Que tem um ou mais de outros indivíduos que nos fazem pensar e sobretudo entender que o pensamento isolado pode ser um grande equívoco. Logo saltamos a dizer que estamos certos, mas nem sempre estamos.
Se sim, ótimo! Belo gol, porém, há momentos que precisamos silenciar e entender nosso processo, porque o que vai desenrolar essa situação são as ferramentas, estratégias e repertório que você lança mão para desencadear progresso no caminho da solução.
Todas as relações evocam um tipo de ação, reação e tensão. Algumas muito prazerosas e outras nem tanto. Saímos edificados ou destruídos em cada contato seja um simples olhar, cumprimento ou uma relação estabelecida e longeva.
E para cada pessoa sobra um pouco do que o outro deixou, e afinal das contas precisamos pensar o que será feito com isso para que não nos tornemos vitimizados ou traumatizados eternamente. Ou posso reproduzir ou catar o que sobrou e me reestruturar.
O efeito do que recebemos pela vida fica aparente em nós como uma tatuagem enorme e ostensiva, para que não nos esqueçamos que ela existe. Impossível não ver, ainda mais difícil apagar, arrancar ou fingir que não está lá.
Inaugura-se então o tempo de tratativas. Como decompor em partes cada sentimentos, cada motivação, palavras mal postas, feridas abertas e monstros a povoar nossa paz.
Por que algumas situações, fatos e acontecimentos nos afetam e marcam de forma a atravessar a pele e ficam inscritas e outras são imperceptíveis? O que aprendemos, como guardamos tão bem guardadas que parecem que não ouvimos, não vimos e nem sentimos nada. Até que haja um fator qualquer que subitamente faça ressurgir em forma de avalanche, inquietações e lembranças o que foi guardado, nos tirando do nosso próprio foco. Como posso dar voz àquilo que dói, magoa ou me diminui e reverter em possibilidades mais gerenciais e equilibradas.
Talvez o outro seja tão esmagador em nossas vidas que não haja saída, ficamos ali derrotados nos amargurando com aquilo que poderia não ter acontecido ou de que forma eu poderia ter dado uma saída honrosa. E se isso for uma verdade, não há nada a fazer.
Será?
Muitas vezes o que o outro quer mesmo é marcar território, se vingar de sua dor jogando para fora sua raiva, tristeza ou ainda provocar para que algo seja dito ou não dito. Talvez esteja numa fase de impaciência por motivos variados ou mesmo por insegurança não compreendeu ainda que para se ter autoridade não se necessita de autoritarismo. Que o pilar das relações é uma troca justa, com argumentos de ganha-ganha. Que se é em função do outro.
Há de se ter uma percepção clara do que o outro fez ou faz na vida da gente, mas deslocar a responsabilidade da minha tatuagem, dor ou ressentimento para o outro é perda de tempo. Tomar posse daquilo que me acomete e ser fortemente o comandante das soluções é o que se tem a fazer.
Ficar na dependência de que o outro se desculpe ou até mesmo tenha total consciência do que causou com sua forma de agir é cômodo, porque faz do outro totalmente responsável pela relação. Se ao invés disso pudermos encontrar uma nova história, roteiro com mais ou menos personagens, que nos ajudem a fazer parte da solução e não do problema fará de nós mais garantidos de nossa integralidade, sanidade e dignidade até então violadas por relações obscuras.















