“Qual tamanho você quer, Pat? Tem de ser um que você sinta-se confortável”. Me perguntou um dos enfermeiros da Unidade de Terapia Intensiva inte (UTI) enquanto ele procurava pela vestimenta de proteção. Pensei comigo mesmo: “Mas eu nunca entrei nessa UTI, sempre pego os pacientes na porta para levá-los e acompanho os enfermeiros, médicos até o local do exame, nunca entrei nessa UTI...”. E parecia que o enfermeiro estava lendo meu pensamento, sem eu abrir a boca a resposta veio com um sorriso, e…: “Pois é, agora você entrará para deixar no quarto o paciente que está no ultrassom”.

A última vez que usei um EPI (Equipamento de Proteção Individual) foi para uma reportagem sobre o mosquito da malária num importante laboratório, aqui na Inglaterra e não era o full EPI poderoso (como apelidei).

Máscara, visor, óculos (tenho os meus) e o macacão que chamo de “sauna portátil”, e tudo isso é muito, muito quente, muito.

A jornada de trabalho de um enfermeiro e vários outros profissionais da área da saúde, aqui no Reino Unido, é de 12 horas. Quem trabalha diretamente com os pacientes portadores da Covid-19 (Co: Corona, Vi: vírus, D: Doença, 19: ano em que o vírus foi identificado) usa o EPI durante todo expediente.

Tenho convivido com o vírus o tempo todo, o tempo todo em seus mais diversos estágios.

Como fui “parar” e trabalhar num dos hospitais de “excelência” em Londres? Essa já é outra história que contarei logo, logo. Agora quero compartilhar com vocês sobre um, dos vários dias, que jamais esquecerei.

“Olha, são dois pares de luvas que você tem de usar”, dizia o enfermeiro que me ajudava a “me montar”. Olhei para ele ainda sem máscaras e disse: “Mas minhas mãos já estão suadas apenas com esse par, imagina se eu usar outro?!”. O enfermeiro nem me respondeu, simplesmente me entregou outro par! “Ok, mas preciso mesmo da touca no cabelo?”. E lá fui eu colocar a tal touquinha. Mesmo apenas auxiliando no transporte dos doentes, ouvindo histórias como essa ao lado dos enfermeiros, médicos e pacientes, é norma obrigatória de segurança usar as mesmas roupas de proteção que a equipe estiver usando, principalmente nesse caso – um portador da Covid-19 num estágio muito, muito agressivo.

Me dirigi à sala do ultrassom e jamais vi tantos cabos, aparelhos, garrafas de oxigênio, como em outras ocasiões em que estive na UTI; a cama hospitalar quase triplicou em largura e estatura.

“Aguarde aqui fora, não saia daqui porque você veio de uma área restrita, fique aí e aguarde a equipe sair, esse ultrassom vai demorar pelo menos uma hora”, disse o técnico do departamento.

O grupo, que definitivamente lutava pela vida de um homem jovem, era formado só de mulheres, algumas já eram velhas conhecidas, porém, era quase impossível reconhecê-las debaixo de todo EPI, mesmo com o nome delas escrito com canetas no uniforme como forma de identificação. Falei: “Olá garotas super poderosas!” E uma delas se sentando no chão me responde: “Nem tão poderosa hoje Pat, não tão poderosa…”. O cansaço era perceptível na voz abafada entre a máscara e o visor.

Fiz algumas coberturas em zonas de guerra nesses meus 24 anos de jornalismo, e o que posso dizer é que eles têm sido como soldados num front, num campo de batalha lutando contra um inimigo invisível que pode estar em qualquer lugar.

É um exército. Cansados? Muito, mas a preocupação com o respirar dos pacientes portadores da Covid-19 os fazem respirar fundo e prosseguir na luta contra o algoz da humanidade, o inimigo número 1 do mundo.

Sentada no chão à espera do paciente, pergunto para uma das enfermeiras como têm sido os dias, ela diz que tem sido cansativo, muito, mas que a principal diferença dessa doença em relação as outras é o fato de não existir um medicamento específico, “não há uma vacina, é terrível”, balbucia.

Cada segundo de inspiração e respiração de um paciente tem, com toda certeza, muito suor e, literalmente, transpiração do corpo e da alma de enfermeiros, técnicos de enfermagem, médicos e outros profissionais que os auxiliam.

“Duro trabalhar com essa roupa, com todo esse equipamento durante 12 horas por dia, temos de seguir todas as instruções, porque é isso que tem nos protegido, é vital para que possamos trabalhar em segurança e não nos tem faltado equipamentos”.

O governo do Reino Unido tem trabalhado around the clock (horas e horas) para fornecer aos hospitais o aparato necessário. Mais de 1 bilhão de itens que formam o EPI têm sido entregues por todo Reino Unido, de acordo com o departamento de saúde do governo.

Apenas na Inglaterra, hospitais e casas de saúde receberam aproximadamente 900 milhões de itens que incluem máscaras, aventais e pares de luvas.

O exército de profissionais do serviço público de saúde no Reino Unido (NHS) é formado por aproximadamente 1,6 milhões de profissionais e atender a demanda de pacientes portadores ou não da Covid-19 é outro desafio.

Alguns hospitais recebem uma quantidade de EPI diferente de outros devido aos pedidos e volume de atendimentos dos hospitais.

Perguntei a enfermeira se ela havia sentido falta do EPI e ela me respondeu que até aquele momento não havia faltado nada, nem equipamentos para ela e seus colegas quanto para os pacientes, mas que ela não poderia responder em relação aos outros locais.

Pernas esticadas no chão e o desejo de beber água. “Água? Agora não, termino o meu plantão em 40 minutos, posso esperar mais um pouco”, responde uma das enfermeiras ao meu lado. Outra complementa: “Podemos matar a sede depois, a COVID19 é mais difícil, a água pode esperar, esse paciente não”.

Me impressiona a disposição desses profissionais. “Heróis? A gente tem feito o nosso trabalho da melhor maneira possível, é uma doença cruel, assassina, o que mais queremos e trabalhamos é para que a cura venha e que as pessoas fiquem em casa”, diz uma das enfermeiras.

O break na espera do término do ultrassom acabou, exame feito, hora de voltar para a UTI, o paciente completamente entubado nem imagina o número de pessoas, equipamentos, medicações e cuidados que ele tem recebido e tem estado ao lado e dentro dele para mantê-lo vivo.

“Chegarei em casa, tomarei banho e dormirei, amanhã estarei aqui de novo, mais um dia, mais uma batalha, essa guerra ainda não acabou e não tem como negociar a paz, pelo menos com a Covid-19”, diz a enfermeira. Entro na UTI e é como se estivesse vivendo um filme de ficção científica, e é! Só que essa é a realidade, dura e diária desses profissionais.

No quarto mais pacientes e mais enfermeiros, nunca vi tantos num só local cuidando de cada paciente com uma determinação surreal.

Dentro de mim um orgulho gigante em ver que, pelo menos em algum lugar em meio dessa pandemia existem sim heróis e eles vestem capas e máscaras, alguns até voam!

Paciente no quarto, hora de tirar o EPI que me protegeu durante mais de uma hora. Sem pressa, mesmo suando, sigo o passo a passo pra retirar a roupa, as luvas, o visor, sem risco de me contagiar.

Os últimos dados do site do Ministério da Saúde do Reino Unido para o 11 de Maio de 2020 informa que mais de 32.000 pessoas morreram até agora no UK. A causa? A Covid-19.

A guerra não acabou: #FiquemEmCasa.