Kierkegaard explicava a sensação de estar mascarado, a utilização do disfarce como algo estreitamente ligado à consciência do pecado original. A vivência da vergonha provocava, segundo ele, o desejo de se vestir, de esconder a nudez. Nesse sentido, para ele, a máscara era a vergonha do pecado estendida ao próprio rosto.

A não aceitação do pecado, a não aceitação de ter falhado, resulta de ilusão, resulta do querer fazer de conta que não falhou, que não caiu, que não foi corrompido pelos desejos e tentações. Para Kierkegaard esta «vertigem de liberdade» faz com que o homem, de modo inautêntico, negue a tentação, o diálogo e a sedução da serpente que o vitimou. Para ele, o homem afirma, culpado, sua vontade de realização, de autonomia e acredita que pela máscara, pelo disfarce pode torná-la impecável. É a salvação pela mentira, pelo disfarce.

Sentir-se culpado geralmente obriga a buscar absolvição. Dos confessionários aos habeas corpus, das misericórdias divinas às blindagens legais, os indivíduos procuram transformar chumbo em ouro, transformar erros em caminhos para acertos. Fazer sacrifícios, dar esmolas são, para algumas pessoas, formas de expiar culpas. Estas máscaras são imagens a partir das quais são construídas estruturas de poder, de bondades, de suficiências e de autonomia.

Psicologicamente, construir máscaras e imagens aceitáveis é uma maneira de esconder aquilo com o qual não se suporta conviver. É uma forma de esconder e negar as próprias não aceitações. Neste momento se instala divisão que pode ser resumida por conflito entre autenticidade e inautenticidade, entre liberdade e aprisionamento, entre verdade e mentira. O enganador é também o cúmplice da própria servidão, como explica Kierkegaard.

Quando se faz ou utiliza máscaras, quando se disfarça com imagens, é para esconder, para negar uma vergonha, uma não aceitação, um demérito. Nas sequências comportamentais isso implica na negação da própria pessoa que afivela a máscara, que cria a imagem. Negando-se como pessoa, afirma-se como artifício, deixa de ser sujeito e passa a ser objeto. Nega-se como ser-no-mundo, afirmando-se como objeto, como referencial valorizado pelas circunstâncias. Submetido a essas contingências, a essas facticidades, é destruído enquanto autonomia. Começa assim a servidão humana: seja ao buscar absolvição de culpas e medos, ficando refém de crenças que resgatem, seja acumulando riqueza, poder que cria distancia do que se acredita estar inferiorizando, diminuindo, deixando sem valor, sem sentido, ou sentindo que é apenas um representante do que envergonha e desvaloriza, como a pobreza por exemplo.

A não aceitação, a tentativa de escapar de si mesmo, se manifesta continuamente, o que reforça a sensação de máscara, a necessidade de imagem. Como diz Kierkegaard no seu Diário:

«É esta a desgraça em mim: toda a minha vida é uma interjeição, nada aí está pregado de modo estável (tudo é movente - nada de imóvel, nenhum imóvel)».

Circunstancializações só existem em função das demandas de sobrevivência, ou de vergonha e medo, por exemplo, que estruturam não aceitação expressa sob forma de incapacidade, culpa, avidez, maldade, dependência.

A construção de máscaras, de imagens, implica sempre em culpa, em sobressaltos avassaladores, daí a constante necessidade de ser resgatado, remido, aliviado desta carga. A expectativa de vida eterna, de redenção dos atos, de paraísos celestiais onde as culpas e medos, as mentiras sejam neutralizadas, é muito atraente. Ser salvo do pecado é uma saída no labirinto das mentiras, maldades e culpas. Todo problema não enfrentado, tortuosamente contornado, cria deslocamentos infinitos. São os constantes enganos diários, é a inautenticidade, a não legitimidade gerada pelas imagens afiveladas que iludem e manipulam. Agremiações políticas, escolas, comunidades religiosas e famílias são fábricas de máscaras, são, muitas vezes, locais considerados sagrados, que precisam ser questionados, enfim, precisam ser desmascarados.

Quanto mais imagem, mais vergonha, mais não aceitação, mais problemas escondidos e consequentemente, mais fragmentação do humano, mais desespero, mais maldade, ou como dizia Kierkegaard, mais temor e tremor. O temor e o tremor para Kierkegaard é o recurso da aparência, é o medo e a expectativa de poder sofrer ação demoníaca. Para ele, a máscara, com o auxílio da qual se mente e engana, é um dos instrumentos favoritos do demônio.