A ascensão do meme como uma força cultural onipresente é inegável. De piadas efêmeras a comentários sociais mordazes, os memes moldaram nossa comunicação e, por vezes, nossa percepção da realidade. Contudo, por trás da aparente inocência e do humor contagiante, reside uma complexa rede de engenharia social, habilmente orquestrada para capturar e reter nossa atenção.
A premissa fundamental de qualquer rede social é a retenção de atenção do usuário. Quanto mais tempo você navega, rola e interage, maior se torna o valor dessa plataforma. Esse tempo de tela se traduz em um ativo precioso para a venda de anúncios, para a modulação da opinião pública e para a persuasão ou dissuasão de grupos inteiros. É um jogo de bilhões, onde cada segundo que você dedica à tela representa um ganho para as grandes corporações.
Nesse cenário, a controvérsia, a polêmica e aquilo que popularmente chamamos de "lacração" tornam-se ferramentas poderosas. Conteúdos que geram forte reação, seja positiva ou negativa, tendem a se espalhar organicamente com uma velocidade impressionante. O algoritmo, sedento por engajamento, prioriza esses materiais, amplificando sua visibilidade. É uma armadilha sutil: desenvolver o senso crítico, promover a autodeterminação e buscar a verdade não são prioridades editoriais. A prioridade é manter você conectado, consumindo e reagindo.
Cientes desse contexto, as redes sociais e os sistemas que as operam compreendem que é infinitamente mais simples vender para uma "tribo" – um grupo de pessoas com ideais de pertencimento e identificação – do que para indivíduos pensantes e autônomos. O processo de venda, em sua essência, é um fenômeno psicocomportamental que transcende a mera transação monetária. Passar o cartão é apenas a fase final de um complexo percurso.
Toda venda, seja de um produto, de uma ideia ou de uma ideologia, germina no íntimo da vontade e do convencimento. Antes mesmo de considerar a compra, a pessoa precisa internalizar e "comprar" a ideia em sua própria mente. Esse processo de convencimento é meticulosamente construído, muitas vezes de forma imperceptível, com base em gatilhos emocionais, aspirações e a sensação de pertencimento a algo maior. As redes sociais se tornam o palco perfeito para essa orquestração.
Com objetivos estritamente comerciais em mente, as redes sociais não apenas permitem a divisão de grupos, ideologias e pensamentos, mas também estruturam seus algoritmos para promovê-la. O nome disso é venda por nicho, ou venda nichada. Para atingir esse objetivo, é fundamental transformar as pessoas em massas acríticas, que respondem primariamente a emoções, sentimentos e paixões, tornando-se incapazes de pensar por conta própria.
Trocando em miúdos, todo e qualquer assunto é reduzido a um "Fla-Flu" digital, uma rivalidade simplista e polarizada, remetendo aos clássicos embates do futebol. Não há espaço para nuances, para o diálogo construtivo ou para a complexidade inerente à vida. A ideia é criar dois lados opostos, forçando o indivíduo a escolher um campo, gerando assim engajamento contínuo e a sensação de que é preciso defender sua "equipe" a todo custo.
Dividir e partidarizar grupos sociais para dominar e subjugar não é uma prática nova na história da humanidade. Desde os escritos bíblicos, passando pela Roma antiga com sua política de "Pão e Circo", até os dias atuais, a essência dessa estratégia permanece inalterada. Contudo, o método de dividir para dominar através das redes sociais é infinitamente mais sofisticado e insidioso.
O sistema já não busca mais silenciar aqueles que pensam de forma crítica e diferente. A tática mudou. Basta que as massas gritem e falem mais alto, a ponto de tornar ineficaz a voz de jornalistas, cientistas, pesquisadores, advogados, médicos, técnicos de diversas áreas, enfim, de grande parte da elite intelectual de determinado grupo ou sociedade. A cacofonia das vozes não informadas afoga o discernimento, criando um ambiente onde a verdade é ofuscada pelo volume do ruído.
É nesse cenário que o meme ascende, ganhando o mesmo valor social de relevância de uma notícia com fontes checadas e apuradas. Quer uma prova cabal disso? Atualmente, parlamentares raramente vão ao plenário para debater ideias e defender pontos de vista com argumentos consistentes. Via de regra, os parlamentares com maior número de seguidores têm como único objetivo fazer cortes de vídeos para a "lacração", visando obter likes e engajamento.
Não importa mais se o conteúdo procede ou não, se é baseado em fatos ou em falácias. O que importa é se ele gera consumo e compartilhamento viral. O meme, com sua capacidade de síntese e seu apelo emocional, tornou-se a moeda de troca da atenção, muitas vezes suplantando a necessidade de profundidade e veracidade. A superficialidade reina, e a validação se dá pela popularidade, não pela precisão.
Parafraseando o icônico Nelson Rodrigues, que nos disse que “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos.”, podemos acrescentar que não é apenas porque são muitos, mas porque gritam mais alto, propagando suas percepções míopes da complexa realidade humana. A linha entre opinião pessoal e pensamento crítico, embasado em lastro científico, testes amostrais e cruzamento de dados, tornou-se perigosamente tênue.
As pessoas perderam a capacidade de diferenciar um comentário casual de uma análise profunda. A validação de ideias se dá pela afinidade emocional com quem as profere, não pela sua fundamentação lógica ou empírica. A superficialidade e a emoção se tornaram guias, em detrimento da razão e da evidência.
A pirâmide social sempre foi composta por uma base de pessoas que, naturalmente, não se dedicam intensamente à reflexão crítica. É compreensível que existam indivíduos que não exercitem sua capacidade de discernimento com a mesma intensidade que outros. O problema surge quando pessoas que, por sua formação e posição, deveriam ser capazes de exercer essa capacidade, simplesmente não o fazem, pois perderam essa habilidade.
Professores, advogados, médicos e engenheiros sempre foram a vanguarda da capacidade crítica social. E hoje, o que são? A perda do discernimento atingiu as camadas intermediárias e altas da pirâmide social, onde a capacidade de análise e questionamento deveria ser um alicerce. A conformidade com a "tribo" e a busca por engajamento substituíram a busca por conhecimento e a reflexão independente.
Os donos do mundo observam de longe e de cima as classes da pirâmide social serem achatadas, tornando-se uma massa homogênea, manipulável e facilmente controlável. Essa massa pode ser puxada ou empurrada no fio da marionete, cujo controle está ao toque dos dedos das mãos daqueles que detêm o poder. Essa é a essência da engenharia social subjacente ao meme: silenciosa, sofisticada e terrivelmente eficiente.
É um jogo de percepção, onde a realidade é moldada por fragmentos virais e a verdade se torna uma questão de popularidade. A capacidade de discernir, de questionar e de pensar por si mesmo é um tesouro cada vez mais raro. Nossa sociedade está fabricando adultos e idosos eternamente adolescentes não a toa. Isso faz parte da grande engrenagem de tornar a todos uma massa de imbecis. Adultos lidam com problemas e frustrações, ao passa que sabem conviver com o diferente. Já os adolescentes, por sua vez, reclamam, colocam sempre a culpa no outro e vivem de turma.















