Num tempo em que tudo se consome à velocidade de um mero clique, a cultura parece escapulir-se entre os pingos da chuva. Perder-se nos ruídos das notificações. Diluir-se entre as múltiplas distrações digitais. Acreditamos que nos orienta no espaço e nos preenche a alma...
Contudo, é precisamente neste cenário de saturação comunicacional que a divulgação cultural assume um papel determinante.
A cultura, afinal, não se impõe por necessidade biológica, mas por uma consciência de pertença e de sentido e essa consciência só emerge quando a mensagem que a transmite é eficaz.
Assim, a fugacidade das formas contemporâneas de divulgação não devem anular a profundidade do conteúdo, mas antes potenciar a sua presença.
Isso só é possível com a mensagem fugaz na divulgação.
Ainda assim, cultura continua a ser uma bússola orientadora que nos rodeia. E é precisamente por isso que a divulgação cultural se assume hoje com a importância e destaque renovado que tem.
Não se trata de divulgar apenas, mas de divulgar com carácter e conhecimento.
Mais que isso, divulgar com sentido, rigor e respeito nas mensagens das obras, ainda que por vezes duvidosas aos nossos meticulosos olhos.
A divulgação existe porque o público tem o direito e dever de ser atingido. De que vale uma obra de arte provocadora se a divulgação em nada contribui para a sua existência?
A mensagem da divulgação é tão importante como a mensagem da obra. Esta é, neste sentido, complementar à da própria obra, ora... ambas são instâncias discursivas que produzem significado.
Divulgar cultura é, portanto, quase um exercício de mediação. Acresce valor. Curiosidade. Portas. Janelas. Pequenas brechas, daquelas que deixam entrar o ar fresco.
Quando descuidada, é ruído, reduzindo a arte a um produto e a mensagem a um mero slogan.
Não podemos falar de Joana Vasconcelos se o copy apenas incite a um “venha conhecer”, com a mesma simpatia que mostramos num bom final de dia.
O digital é um complemento do papel, que por si só é um complemento do “passa a palavra”. Fulcrais na divulgação e comunicação cultural.
Urge, por isso, a necessidade de compreender e estudar os públicos, entender os visitantes. Estudar os algoritmos, repensar a comunicação de cultura como ela merece.
Entender a famosa estratégia de que todos falam e reconsiderar... aplicar estratégia, aplicando-a com a mesma medida que a obra de arte detém.
A divulgação deve ser como a mensagem da obra. Precisa de ser instintiva, provocadora, aliciante e acima de tudo desafiante. A estratégia comunicacional deve refletir a densidade conceptual da obra e não apenas a sua superfície estética.
Principalmente, se de arte contemporânea se tratar.
Ora aqui, falamos de públicos complicados, ora demasiado críticos e sabedores, ou como eu, que pouco percebo, mas adoro querer perceber.
Capacidades críticas e de análise que merecem ouvir a mensagem. Clara e direta. Sem meios-termos.
É deveras uma divulgação complicada de se conceber, quase que uma arte dentro de outra arte.
Na verdade, comunicar o contemporâneo implica a recusa pela simplificação das coisas, optando pela criação de pequenos labirintos de leitura, erguimento de pontes entre olhares e conexões com o pensamento.
Não obstante, a prática atual tende a contrariar essa complexidade, pois comunica-se a arte que se desconstrói a si mesma como se de tratasse de um produto artesanal. Ora chegam os posts com imensas medidas, cobertas de frases de efeito e hashtags super ponderados, não fossem os #imperdíveis ou #arteparatodos. Acreditamos piamente que comunicamos a essência da criação.
A peça fala de alienação, mas o cartaz grita “Uma experiência inesquecível para toda a família!”. A instalação reflete o vazio existencial, mas a newsletter promete “um mergulho sensorial no universo da cor e da forma”.
É como vender tragédia em tom de festa.
O importante é o engagement. Dizem...
A arte sofreu a sua evolução, para muitos de forma bastante positiva e com figurações bastante específicas à época em que vivemos, para outros encontramo-nos perante uma fase inexplicável.
Não podemos descuidar os clássicos, devemos repensá-los, bem como preservá-los. Aprender com eles. Nada de julgamentos, não podemos replicar uma época onde o tabaco ainda era medicinal.
Mas também sabemos que a arte é um reflexo da nossa história e, por isso, das nossas vivências. Transformando-se assim, numa época confusa que a própria arte nos demonstra com mensagens complexas e assustadoramente primárias.
Dizem-nos que o público precisa ser seduzido. Sem “atração visual”, “identidade de marca” e “presença digital consistente”, a arte morre. Pois talvez morra, mas com dignidade.
Entre o artista que fala de silêncio e o designer que lhe põe uma tipografia “dinâmica e fresca”, há todo um abismo epistemológico que os algoritmos fingem não notar.
No fundo, a arte comunica, mas a comunicação da arte fala outra língua, uma mais polida, mais vendável, mais amiga do algoritmo.
Nem todos os casos são casos.
E é talvez aí que reside a ironia suprema; precisamos de divulgar o desconforto, mas de forma confortável; vender o questionamento, mas com garantias de devolução; provocar, mas sem abalar o feed.
Afinal, o público tem direito a ser atingido, desde que o impacto não saia do enquadramento.















