Vivemos um tempo em que a educação parece pressionada por dois polos igualmente problemáticos: de um lado, a ideologização dos conteúdos escolares; de outro, o tecnicismo utilitarista que reduz o ensino à preparação para o mercado. Entre ambos, perde-se aquilo que talvez seja o mais essencial da experiência educativa: a formação do pensamento.
É verdade que a escola sempre foi um campo de tensões. Não existe neutralidade plena quando se trata de educar seres humanos, pois todo ato educativo carrega uma visão de mundo. No entanto, há uma diferença crucial entre reconhecer essa dimensão e transformar a escola em um espaço de doutrinação, seja política, econômica ou mesmo cultural.
Na tradição do pensamento filosófico e pedagógico, encontramos pistas para resistir a essas reduções. Hannah Arendt, John Dewey e Paulo Freire — autores que partiram de contextos distintos e propuseram caminhos diferentes — coincidem em um ponto fundamental: educar é, antes de tudo, possibilitar o surgimento do juízo.
Pensar é julgar
Para Arendt, pensar não é apenas um exercício intelectual, mas uma condição para a liberdade. Em A vida do espírito, ela afirma que "o pensamento lida com o invisível, com aquilo que não se apresenta imediatamente aos sentidos, mas exige reflexão". E é essa faculdade que permite ao indivíduo suspender o juízo imediato e abrir-se ao mundo como pluralidade.
Arendt faz uma distinção importante entre conhecimento e pensamento. Enquanto o primeiro busca verdades objetivas e mensuráveis, o segundo se ocupa do sentido, do julgamento, da avaliação ética e política da realidade. Em tempos de certezas instantâneas e polarizações morais, pensar tornou-se um ato quase subversivo.
A escola, nesse sentido, deveria ser o espaço da hesitação, da pergunta, do "e se?". No entanto, o que vemos com frequência são projetos pedagógicos que visam formar o "aluno consciente" — mas consciente de quê? Daquilo que já foi previamente determinado como certo ou errado. O espaço do juízo é assim reduzido a uma aceitação do previamente julgado.
A experiência como método
John Dewey, por sua vez, propõe uma pedagogia centrada na experiência e na investigação. Em Democracia e Educação, Dewey argumenta que "a educação não é preparação para a vida; é a própria vida". Isso significa que o ato de aprender deve estar intrinsecamente ligado à vida concreta do aluno, não como forma de adaptação passiva, mas como provocação ativa à reflexão.
Para Dewey, a aprendizagem verdadeira ocorre quando o aluno é confrontado com problemas reais e é desafiado a pensar, a experimentar, a revisar suas hipóteses. Ele rejeita tanto a transmissão mecânica de conteúdos quanto a imposição de visões prontas de mundo. Em seu método, a dúvida é um motor epistemológico — não um obstáculo.
Esse ponto é crucial: ensinar a pensar não é ensinar a aderir a uma posição, mas criar condições para que o pensamento emerja da experiência. Não se trata de oferecer respostas, mas de cultivar perguntas que resistam ao tempo e às pressões do consenso.
O diálogo como caminho
Paulo Freire, frequentemente apropriado por diferentes campos ideológicos, também insistiu na importância do diálogo e da problematização. Em Pedagogia do Oprimido, ele escreve: "Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção".
Para Freire, a educação deve ser libertadora — e isso só é possível quando o sujeito se reconhece como inacabado, como ser em processo. A tarefa do educador, então, não é oferecer verdades fechadas, mas provocar a consciência crítica. E essa consciência só pode florescer no encontro com o outro, com o diferente, com o mundo como problema.
É importante lembrar que, para Freire, a criticidade não é sinônimo de oposição cega ou negação sistemática. Crítico é aquele que compreende as condições históricas de sua realidade e é capaz de agir sobre elas com responsabilidade. Isso exige escuta, humildade e disposição para o conflito como possibilidade de crescimento.
A redução da complexidade
O que vemos hoje em muitas propostas pedagógicas é uma tendência à simplificação. Termos como "cidadania crítica", "educação antirracista", "educação de gênero" ou "educação ambiental" são, em si, legítimos e necessários. Mas quando se tornam rótulos homogêneos, esvaziados de debate e transformados em pacotes ideológicos, deixam de provocar o pensamento e passam a exigir adesão.
A escola não deveria funcionar por adesão, mas por aproximação crítica. Quando toda divergência é lida como ameaça e toda concordância como virtude moral, o espaço do pensamento se estreita. A pluralidade de perspectivas é substituída por uma ortodoxia pedagógica.
Não se trata, evidentemente, de defender uma escola "neutra", no sentido de ausente de valores. Isso seria ilusório. Mas é possível — e necessário — cultivar uma escola honesta, onde os valores são discutidos, interrogados, contrastados. Onde o aluno pode dizer "não concordo" sem ser punido com o silêncio ou com o escárnio.
O papel do educador
Diante desse cenário, o papel do educador se torna ainda mais exigente. Ele não pode ser um transmissor de certezas, mas um mediador de sentidos. Sua autoridade não deve vir da imposição de um discurso, mas da capacidade de criar um ambiente onde o pensamento possa emergir.
Isso exige não apenas domínio de conteúdo, mas uma disposição ética: não tratar o aluno como um campo de colonização intelectual, mas como um sujeito capaz de pensar por si. Exige também coragem para sustentar o dissenso, para expor os estudantes a ideias contraditórias, para suportar o desconforto de não oferecer conclusões fáceis.
Um bom educador, como propõe Gadamer, é aquele que escuta — não para confirmar suas hipóteses, mas para ser transformado pelo encontro com o outro. Ele não é um mestre da verdade, mas um companheiro na travessia da compreensão.
A formação do juízo
Voltemos, então, à ideia de formação do juízo. Em um mundo marcado por fluxos acelerados de informação, por discursos polarizados e por afetos inflamados, a capacidade de julgar torna-se um bem escasso — e urgente. Formar o juízo não é apenas ensinar a pensar logicamente, mas também cultivar a sensibilidade, o discernimento, a prudência.
É disso que trata a paideia grega, a formação integral do ser humano. E é isso que a tradição humanista — tão esquecida hoje — nos legou: a ideia de que a educação deve formar indivíduos capazes de habitar o mundo com inteligência, responsabilidade e abertura.
O juízo é o que permite a um jovem distinguir entre o argumento e o apelo emocional. Entre o dado e a opinião. Entre a verdade possível e a propaganda disfarçada de conhecimento. O juízo não elimina a paixão — mas a orienta. Não exclui os valores — mas os submete à crítica.
Conclusão: educação como ato de coragem
Educar para o pensamento, portanto, é um ato de coragem. Em tempos em que a escola é chamada a produzir resultados rápidos, a formar perfis ideológicos ou a atender demandas de mercado, o educador que insiste no cultivo da reflexão age contra a corrente.
Mas é nesse gesto que reside a esperança. Porque o pensamento, embora silencioso, tem força. Ele cria brechas no automatismo. Ele impede a captura da consciência. Ele prepara o terreno para a ação ética e para o diálogo verdadeiro.
Se a educação ainda tem algo a oferecer ao nosso tempo, não será na forma de respostas prontas, mas na coragem de manter abertas as perguntas. Pensar é, afinal, um risco — mas é também a única forma de sermos verdadeiramente humanos.