A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, também chamada de COP30 será a 30.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, e vai ocorrer em Belém, Pará, entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025. O que estará em causa na COP 30, como esteve nas anteriores e estará nas futuras, é a falta de vontade política para enfrentar esta verdade simples de formular, mas muito difícil de pôr em prática: a natureza não nos pertence; nós é que pertencemos à natureza. A dificuldade também é simples de identificar, mas muito difícil de enfrentar: o capitalismo e colonialismo, que dominam a economia e a sociedade mundial desde o século XVI, tornaram-se incompatíveis com a sobrevivência da vida humana e da vida em geral no planeta terra. A incompatibilidade também é simples de formular: para a modernidade eurocêntrica, constituída prioritariamente pelo capitalismo e pelo colonialismo, a natureza pertence-nos e como tal podemos dispor dela livremente. Dispor dela implica o poder de a poder destruir.
Para o capitalismo e o colonialismo existe uma separação radical entre a sociedade humana/humanidade e a natureza. A filosofia cartesiana que preside a esta dualidade estabelece uma separação e uma hierarquia absolutas entre o ser humano e a natureza, tal como separa a mente do corpo. Enquanto o ser humano é uma res cogitans, uma substância pensante, a natureza é uma res extensa, uma substância extensa e impenetrável. Como Deus é pensamento humano sobre o infinito, o ser humano está imensamente mais próximo de Deus do que a natureza.
O ser humano é verdadeiramente digno da dignidade que Deus lhe concedeu na medida em que se desnaturaliza. Aqui reside a raiz da linha abissal que caracteriza a dominação moderna, a possibilidade de dualismos absolutos e, com isso, a impossibilidade de um pensamento holístico. A natureza é submetida a uma exclusão abissal da sociedade e o mesmo ocorre, logicamente, com todas as entidades consideradas mais próximas da natureza. Historicamente, as mulheres, os indígenas, os negros e, em geral, todas a raças consideradas inferiores foram exemplos dessas entidades.
Todos os principais mecanismos de exclusão e discriminação existentes nas sociedades modernas, quer se trate de classe, raça ou género, estão, em última instância, fundados no dualismo radical entre sociedade/humanidade e natureza, entre mente e corpo, entre espiritualidade e materialidade. As formas como a sociedade moderna lida com a inferioridade têm como modelo as formas como lida com a natureza. Se a exclusão abissal significa dominação por apropriação/violência, a natureza - incluindo a terra, os rios e as florestas, bem como as pessoas e as formas de ser e de viver cuja humanidade foi negada precisamente por fazerem parte da natureza - tem sido o alvo preferido desta dominação, e, portanto, de apropriação e de violência, desde o século XVII.
A destruição do ambiente e a crise ecológica são a outra face das crises sociais e políticas que estamos a enfrentar e que as políticas convencionais são cada vez menos capazes de resolver. Diferentes correntes de pensamento têm tentado dar conta do duplo vínculo entre a crise ecológica e a crise social. A maioria aponta para a necessidade urgente de uma mudança de paradigma, o que, por si só, indica tanto a gravidade da crise que estamos a atravessar como a magnitude do que está em jogo. Concordam com a ideia de que a mudança de paradigma consiste em substituir o dualismo humanidade/natureza por uma concepção holística centrada numa nova compreensão da natureza e da sociedade e das relações entre elas.
Um paradigma é um tipo específico de metabolismo social, um conjunto de fluxos materiais e energéticos controlados pelo ser humano que ocorrem entre a sociedade e a natureza e que, de forma conjunta e integrada, sustentam a auto-reprodução e a evolução das estruturas biofísicas da sociedade humana. A partir do século XVI - na sequência da expansão colonial europeia e, em particular, após a primeira revolução industrial do mundo ocidental (década de 1830) -, o metabolismo social caraterístico do paradigma capitalista e colonialista gerou um desequilíbrio crescente nos fluxos entre a sociedade e a natureza, produzindo uma ruptura metabólica.
É hoje aceite que essa ruptura, ao criar um desequilíbrio sistémico entre a actividade humana e a natureza, marcou o início de uma nova idade na vida do planeta terra, o Antropoceno. Este desequilíbrio foi-se agravando de tal forma que nos encontramos actualmente perante uma catástrofe ecológica iminente, uma situação que, quando se tornar irreversível, colocará em grande risco a vida humana na terra. É imperativo pôr em marcha, o mais rapidamente possível, um processo de transição para um tipo diferente de metabolismo social, baseado num tipo diferente de relação entre a sociedade e a natureza. É disto que trata a necessária transição paradigmática.
A transição paradigmática pressupõe a necessidade de uma filosofia que a sustente e de uma forte mobilização social que a ponha em prática. A transição é um processo histórico, isto é, é urgente iniciá-la, mas é impossível prever o seu ritmo e o seu tempo. Temos mais razões para ser optimistas no que respeita à filosofia do que no que respeita à mobilização social.
É que a filosofia está há muito disponível, é o conjunto das filosofias dos povos que foram mais sacrificados pelo capitalismo e pelo colonialismo, os povos que muitas vezes foram exterminados, cujos territórios foram invadidos, cujos recursos ditos naturais foram roubados, um processo histórico que começou no século XVI e que continua no nosso tempo. Refiro-me às filosofias dos povos indígenas ou originários. Felizmente estas filosofias chegaram até nós graças à resistência e lutas destes povos contra a opressão, a exploração e aniquilação.
Embora tais filosofias sejam muito diversas, convergem num ponto. O que designamos como natureza é concebida por tais filosofias como Pachamama, ou Terra-Mãe. Se a natureza é mãe, é fonte da vida, é cuidado, merecedora do mesmo respeito que merecem as nossas mães que nos deram a vida. Em suma, a natureza não nos pertence; nós é que pertencemos à natureza. Esta pertença radical contradiz qualquer ideia de dualismo entre o ser humano e a natureza. A entidade divina, independentemente da forma como é concebida, é uma entidade deste mundo e pode manifestar-se num rio, numa montanha ou num determinado território. O divino é a dimensão espiritual do material e ambos pertencem ao mesmo mundo imanente.
Entre muitos outros exemplos desta filosofia, refiro pensamento do povo originário Nasa, da Colombia:
Na perspetiva da lei de origem, falar de princípios de vida e garantia de vida significa falar de mandatos ou leis espirituais e naturais que justificam a diferença entre a prática da vida dos Nasa e a das culturas não-indígenas. Para os Nasa, tudo o que existe é um ser vivo: minerais, astros, ar, água, plantas, etc. Portanto, todos os seres (nasa) têm o direito de procriar, de cuidar de si e da Mãe Terra. A Mãe Terra é um ser vivo, é Uma Kiwe, um membro da comunidade, e por isso tem direitos. Os nasa vêm da Mãe Terra e fazem parte dela antes de nascerem e depois de morrerem. Na Mãe Terra estão registados todos os conhecimentos, os antepassados, a sabedoria e os sonhos. E, acima de tudo, faz parte da comunidade. (Plan de Salvaguarda de la Nación Nasa).
Para o Povo Nasa, como, em geral, para os povos indígenas ou originários, o território, longe de ser apenas um espaço físico, abriga uma multiplicidade de entidades ou seres espirituais. A comunidade dos humanos é apenas uma das comunidades de vida que constituem esse território. Longe de ser um objecto, o que designamos por natureza é um sujeito, inclusivamente um sujeito de direitos, os direitos da natureza. Para o capitalismo e colonialismo, conceber a natureza como um sujeito de direitos constitui uma ameaça de morte. Os direitos da natureza são incompatíveis com o direito do capitalismo e do colonialismo a perpetuar-se. No reconhecimento desta incompatibilidade está o começo da transição paradigmática.
Dispomos da filosofia, mas dispomos da mobilização social que leve por diante a transição paradigmática? A resposta é: por agora, não. Aliás, o período actual parece muito mais hostil à ideia da transição paradigmática que os períodos anteriores. A máxima hostilidade decorre da ameaça de guerra global que paira sobre o mundo e da crescente polarização entre “nós” e “eles” que alimenta a política do ódio. Uma nova guerra mundial será certamente mais destrutiva que as anteriores e a destruição não será apenas de vida humana, será também a destruição do que ainda resta de eco-sistemas de sustentação da vida em geral. Por sua vez, a polarização social e o tribalismo que cresce no seu bojo alimentado pelos promotores do ódio tornam impossível que a humanidade converse entre si e com todos os seres não humanos com os quais partilham o planeta terra. A luta pela transição paradigmática começa hoje pela luta contra a guerra e contra a polarização social alimentada pelo tribalismo e a política do ódio.