Ele falava dela como quem descreve um mistério conhecido, com uma voz que procurava explicações e não julgamentos. Dizia que ela era ousada apenas porque se destacava entre as outras, porque havia nela uma beleza concreta que chamava atenção onde quer que passasse.

Não falava a palavra em tom pejorativo, mas como um reconhecimento: ela era a mais bonita, e essa beleza parecia ser, aos olhos dele, quase uma ousadia. Era assim que a via: alguém que não precisava de artifícios para ser notada, alguém cujos traços e gestos já eram suficientes para transformar qualquer ambiente.

Contava também que, apesar de aparentar ter tudo, ela possuía muito pouco em termos materiais. Gostava, porém, das coisas caras da vida, não por um desejo fútil de ostentação, mas porque encontrava nelas um modo de afirmar um valor que aumentava por contraste com a escassez que a rodeava. Havia um brilho em suas escolhas: o vestido mais simples ganhava contornos nobres quando ela o usava; um café comum se transformava em cerimônia quando ela o tomava. Isso o confundia e o encantava ao mesmo tempo, porque via na contradição uma espécie de resistência — ela parecia reivindicar para si um lugar de dignidade, ainda que por meios que ele não compreendia totalmente.

Ele sabia, sem dúvida alguma, que ela o amava, ou pelo menos se entregava a ele de uma forma que permitia essa certeza. Porém, também afirmava com pesar que ela sonhava com a presença dele enquanto adormecia em outra cama. Era uma realidade dolorosa para ele, saber que o coração dela podia conjugar outros nomes ao mesmo tempo que repetia o seu. Acordava com essa imagem, com a ideia de que existiam espaços no corpo dela que ele não ocupava mais, e que, apesar de tudo, seu amor persistia como uma sentença que não pedia clemência.

Falava das mudanças que o mundo impôs sobre ela. O dinheiro, dizia ele, acabara por roubar o coração que um dia fora livre. Não era uma acusação direta, mas uma constatação amarga: as circunstâncias a fizeram negociar pedaços de si por estabilidade, por conforto, por promessas que soavam seguras. As mentiras, complementava, desalmaram sua essência; transformaram a alma que conhecera em algo suspenso, em uma figura que buscava se recompor depois de repetidos abalos. Era como se o verdadeiro núcleo dela tivesse sido deslocado por escolhas e necessidades que a forçaram a adaptar a própria intimidade.

O que mais o atingia, contudo, era a dor que ela carregava. Ele afirmava que essa dor lhe doía mais do que a própria traição. Não importava se havia infidelidade ou não; a visão do sofrimento dela o atravessava e deixava marcas que nenhuma revanche poderia suturar. Ele disse que nascera para amá-la, uma declaração que vinha carregada de resignação e de um afeto que não pedia retorno. Mesmo imaginando que ela pudesse partir, ele aceitava essa condição como parte de seu destino: amar alguém que talvez não pudesse pertencer-lhe por inteiro, e ainda assim manter-se fiel à devoção.

Falava dela como mulher sem dono e, ao mesmo tempo, como alguém que pertencia ao mundo inteiro. Dizia que ela era mulher de ninguém e mulher de todos, um paradoxo que revelava a complexidade de suas relações. Havia nele a admiração pela liberdade dela e, simultaneamente, a dor de vê-la dispersa entre tantos afetos. Chamava-a de mulher que mata, não por literalidade, mas pela intensidade com que aparecia e fazia desaparecer certezas; era uma figura capaz de rearrumar corações com um simples olhar. Também a via como uma mulher que sofre, que se entrega, que machuca e ao mesmo tempo salva, alguém que preenchia e esvaziava espaços sem que se pudesse prever.

Ele narrava como ela arrebatava, como tinha o dom de tomar tudo de uma vez: atenção, tempo, esperança. Ao mesmo tempo, a descrevia como alguém de alto valor, tão cara, tão valorizada, e ao mesmo tempo ingrata, ou pelo menos desatenta aos laços que, para ele, importavam. Era uma contradição dolorosa: ver alguém que se dava tanto e, entretanto, não reconhecia plenamente o impacto que exercia sobre quem a amava. A ingratidão que ele via nela não era rancorosa; era mais uma tristeza por ver uma alma tão capaz de afetar sem perceber a profundidade desse afeto.

Guardava uma foto antiga dela na carteira, dizia ele. Uma imagem gasta pelos cantos, marcada pelo tempo, que ele carregava como prova e como ferida. Para ele, aquela fotografia era sua maior fortuna e também sua ruína: fortuna por lembrar dos instantes em que o amor parecia possível e inteiro; ruína porque a lembrança era também um corte que não cicatrizava. Essa ambivalência era, talvez, o núcleo de sua história com ela: algo que enaltecia e destruía em igual medida, uma memória que alimentava saudade e dor lado a lado.

Ele seguia seu caminho, insistia, como se a vida continuasse sendo um espaço de pequenas decisões diante do grande desencontro. Acreditava que o mundo não acabava com a partida dela e repetia que a vida era curta, que cobrava e retribuía de maneiras implacáveis. Era uma filosofia resignada: viver significava aceitar perdas e ganhos, aprender a conviver com a falta e com o consolo que vem dos próprios passos. Ainda assim, cada gesto cotidiano carregava a lembrança dela, e ele preferia acolher essa presença fragmentada do que fingir que nada havia mudado.

Ao recontar a vida dela, reapareciam as frases que ele mais temia: o dinheiro roubara seu coração; as mentiras haviam desalmarado sua alma; a dor que ela sentia o atingia mais do que qualquer deslealdade. No fim, terminava sempre com a mesma afirmação, sussurrada como um segredo: nascera para amá-la, mesmo que ela fosse embora. Era nesse enunciado que se concentrava todo o sentido de sua devoção: uma entrega que não exigia retorno, uma disposição de permanecer, mesmo diante da inevitável partida.

Ele lembrava, às vezes, das sutilezas do cotidiano que mostravam quem ela era de fato: um gesto distraído ao ajeitar o cabelo, a risada que surgia leve e sem ensaio, a maneira como falava com os vizinhos ou como guardava bilhetes antigos em caixas. Essas pequenas coisas, dizia ele, eram mais reveladoras do que qualquer ostentação. E, mesmo sabendo que ela poderia partir a qualquer momento, cultivava a esperança de que o tempo alterasse destinos, de que, por entre idas e vindas, ainda encontrasse sentido na possibilidade de que, porventura retorna.