A gestão eficiente do território nacional tem vindo a assumir, nos últimos anos, uma importância crescente em Portugal. O conhecimento rigoroso da estrutura fundiária é essencial para enfrentar os desafios relacionados com o ordenamento do território, a prevenção de riscos naturais, a justiça fiscal, a sustentabilidade florestal e o combate à desertificação do interior. Neste contexto, o cadastro predial, as políticas financeiras relacionadas com a propriedade, as parcelas agrícolas registadas no IFAP e o ordenamento florestal são áreas que se entrecruzam e exigem uma abordagem integrada, coordenada e transparente por parte do Estado e dos cidadãos.
Historicamente, Portugal tem sofrido de uma lacuna estrutural ao nível do cadastro predial. Durante décadas, muitos prédios, em especial os rústicos localizados em zonas do interior, não se encontravam corretamente registados ou identificados, o que resultava num território desorganizado e numa enorme dificuldade em planear, proteger e investir de forma eficaz. A ausência de informação sobre os limites dos terrenos e sobre quem são os respetivos proprietários tem contribuído para o abandono rural, para a fragmentação extrema da propriedade e para a proliferação de situações de indefinição legal, que dificultam a concretização de políticas públicas e privadas.
Face a este problema, o Estado português tem vindo a desenvolver vários instrumentos para promover o conhecimento do território e incentivar o registo voluntário das propriedades. Um dos mais relevantes foi a criação do Balcão Único do Prédio (BUPi), um projeto iniciado com base na Lei n.º 78/2017, que visa permitir aos proprietários registarem gratuitamente (vamos ver até quando...) os seus prédios rústicos e mistos, utilizando a georreferenciação como base técnica. O BUPi centraliza a informação existente nos serviços de registo, finanças e cartografia, permitindo identificar claramente os limites das propriedades e associar essa informação ao titular legal, quando possível, futuramente ainda vai ser outro problema dado as sobreposições existentes que terão de ser resolvidos com Técnicos de Cadastro, Solicitadores, proprietários e confinantes.
Esta iniciativa tem vindo a ser alargada progressivamente a todo o território nacional, e representa uma mudança significativa na forma como o Estado olha para a propriedade privada e para a gestão do solo. O recurso a tecnologias de informação geográfica permite uma maior fiabilidade dos dados e facilita a articulação entre as diversas entidades envolvidas na gestão do território.
Em complemento, foi publicado o Decreto-Lei n.º 15/2019, que estabelece o regime jurídico para a identificação e administração dos terrenos sem dono conhecido. Este diploma prevê que, nos casos em que não é possível identificar o proprietário de um prédio rústico ou misto, o terreno possa ser considerado presumivelmente do Estado, sendo então gerido provisoriamente por entidades como a Florestgal, uma empresa pública de gestão florestal. Se ao fim de 15 anos não houver prova de titularidade por parte de terceiros, o Estado consolida a propriedade desses terrenos. Este regime tem como objetivo reduzir o abandono do território, promover a utilização produtiva dos solos e garantir uma gestão sustentável das áreas florestais, relembrando que todos o nosso país tem aptidões diferentes.
A ligação entre o cadastro predial e as finanças públicas é igualmente significativa. O conhecimento exato do território permite uma atualização mais justa da matriz predial e, consequentemente, uma aplicação mais equilibrada do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). A inexistência de cadastro ou a omissão de prédios nos registos matriciais compromete a justiça fiscal, pois leva a que muitos imóveis não sejam devidamente taxados. Ao atualizar e completar o cadastro, o Estado garante que todos os proprietários contribuem equitativamente para os encargos públicos, reduzindo a evasão fiscal e melhorando a transparência do sistema tributário.
Por outro lado, a articulação com os sistemas de apoio ao setor agrícola é igualmente relevante. Em Portugal, o registo de parcelas agrícolas no sistema do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP) é condição obrigatória para o acesso aos apoios da Política Agrícola Comum (PAC). No entanto, muitas dessas parcelas encontram-se registadas sem correspondência clara no cadastro predial ou nos registos notariais. Esta discrepância entre os dados do IFAP e os registos oficiais de propriedade gera constrangimentos no acesso aos subsídios e dificulta o planeamento agrícola a longo prazo.
Ao integrar a informação cadastral com os dados do IFAP, através do BUPi, ou do Cadastro Predial Geométrico ou de outros sistemas interoperáveis, o país pode garantir maior transparência na atribuição de apoios e reforçar o combate à fraude e à má utilização dos fundos públicos, e também uma verdadeira política agrícola e/ou florestal.
No que diz respeito à floresta e ao ordenamento do território, a importância do cadastro é ainda mais evidente. Portugal tem sido ciclicamente fustigado por incêndios florestais de grandes dimensões, em parte devido ao abandono das terras, à desorganização fundiária e à falta de gestão ativa do território. Em muitas zonas, os terrenos são extremamente pequenos, dispersos e com proprietários desconhecidos ou ausentes, o que dificulta qualquer intervenção coordenada e eficaz, dando cada vez mais importância às Associações Florestal ou Agrícolas, ou mesmo conjunto de pessoas, criadas por todo o país. Esta situação está diretamente ligada à desertificação do interior, fenómeno que tem vindo a agravar-se nas últimas décadas devido à migração para os centros urbanos, à ausência de serviços públicos e ao declínio das atividades agrícolas e florestais.
A desertificação não se refere apenas à degradação ambiental, mas também à perda demográfica, económica e social de vastas regiões do país. A falta de dinamismo económico, associada à indefinição sobre a posse da terra, impede investimentos sustentáveis e perpetua o ciclo de abandono e degradação. Inverter este ciclo passa necessariamente por valorizar o território, reconhecer a titularidade da terra, promover a produção local e assegurar que os recursos naturais são geridos de forma sustentável.
Uma das medidas nesse sentido tem sido a criação das Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP) e das Operações Integradas de Gestão da Paisagem (OIGP). Estas iniciativas visam promover a gestão agrupada de territórios vulneráveis, através da articulação entre o Estado, os municípios, os proprietários e outras entidades locais. O objetivo é implementar modelos de gestão profissional, com intervenções ao nível da limpeza dos terrenos, da replantação de espécies mais resilientes, da criação de faixas de interrupção de combustível e da valorização económica da floresta.
O sucesso destas operações depende, contudo, da existência de um cadastro atualizado. Sem saber a quem pertencem os terrenos, não é possível planear ações eficazes, nem garantir o respeito pelos direitos de propriedade. Por isso, o cadastro predial surge como uma base técnica e legal indispensável ao ordenamento florestal, à proteção civil e ao desenvolvimento rural, algo que já teria de ser efetuado para todos o país, digamos há uns bons vinte anos atrás.
Em conclusão, a articulação entre cadastro predial, finanças, IFAP e ordenamento florestal constitui uma das principais chaves para desbloquear o potencial do território português. Através de políticas públicas bem desenhadas e de instrumentos acessíveis, é possível corrigir décadas de omissão, promover a equidade fiscal, incentivar a gestão sustentável da floresta e criar condições para combater a desertificação do interior.