Durante décadas, dizer “vou trabalhar no interior” soava quase como um regresso forçado, voltar à terra para um emprego mal pago ou para ajudar nos campos. Era o regresso de quem “não conseguiu ficar na cidade” ou de quem, por opção ou obrigação, voltava para cuidar dos pais e manter as raízes familiares. Em muitas conversas, esta decisão era acompanhada de um tom de pena ou de uma perceção de derrota, como se o sucesso profissional estivesse inevitavelmente ligado ao ritmo acelerado das grandes áreas metropolitanas.

O mapa do emprego em Portugal sempre puxou para o litoral. Lisboa, Porto e algumas cidades médias monopolizaram a maioria das oportunidades, concentrando empresas, serviços e investimentos. O litoral tornou-se um corredor dinâmico de negócios, enquanto o interior, de Bragança ao Alentejo profundo, foi ficando para trás, a perder habitantes, escolas, hospitais e, muitas vezes, esperança. A geografia, neste caso, não era apenas física: era social, económica e até emocional.

Nas últimas décadas, as migrações internas repetiram-se: jovens saíam para estudar e raramente voltavam. Com menos população, diminuíam os serviços; com menos serviços, menos motivos havia para ficar. Um ciclo difícil de inverter.

Depois veio a pandemia. E, com ela, uma palavra que parecia mágica: teletrabalho.

No papel, o teletrabalho parecia a solução perfeita para inverter o despovoamento: um programador em Penamacor, uma arquiteta em Trás-os-Montes ou um gestor na Beira Baixa, todos a trabalhar com equipas espalhadas por todo o mundo. A distância deixou de ser uma barreira.

De repente, a ideia de viver numa aldeia com vista para a serra, rodeado de silêncio e ar puro, sem perder o emprego na cidade, passou a ser real. Menos filas de trânsito, mais qualidade de vida, casas a preços decentes e dinheiro a circular na economia local. Soa a sonho, não soa?

Os municípios não ficaram parados. Muitos perceberam rapidamente o potencial e começaram a criar espaços de cowork em antigas escolas primárias, por exemplo, edifícios que, durante anos, tinham sido símbolos do abandono. Investiram em fibra ótica, instalaram antenas e promoveram campanhas para atrair nómadas digitais.

A imagem do interior deixou de ser apenas a do “fim do mundo” e ganhou contornos de refúgio moderno: um lugar onde se pode trabalhar para o mundo inteiro e, ao mesmo tempo, viver com mais tempo e menos stress.

A realidade raramente é tão perfeita como a fotografia de um anúncio turístico. Ainda existem muitas aldeias onde a internet rápida é mais promessa que realidade. Trabalhar com uma ligação instável não é apenas frustrante: pode significar perder clientes, falhar reuniões ou atrasar prazos.

E mesmo quando a rede funciona bem, há outros tipos de carências: acesso limitado a serviços de saúde especializados, falta de transportes públicos regulares e poucos espaços culturais ou de lazer. Para muitas famílias, especialmente com crianças, estas questões pesam tanto ou mais do que a qualidade de vida ou o custo da habitação.

Além disso, o teletrabalho exige disciplina e, muitas vezes, isolamento. Para alguns, isso é sinónimo de liberdade — poder gerir horários, trabalhar em silêncio, aproveitar o tempo de outra forma. Mas para outros, é solidão. Passar dias inteiros a falar apenas com um ecrã, sem colegas para partilhar uma pausa para café, pode ser desgastante e até afetar a saúde mental.

É aqui que entram as comunidades locais e os espaços de cowork, que funcionam como pontos de encontro e trocas informais. No entanto, nem todos os concelhos conseguem manter estas estruturas ativas e atrativas.

E depois há um obstáculo invisível: a mentalidade empresarial. Muitas empresas ainda medem produtividade pela quantidade de horas que alguém passa sentado no escritório, e não pelos resultados que apresenta. Apesar de a pandemia ter mostrado que o trabalho remoto funciona para muitas funções, há gestores que continuam desconfiados, temendo a perda de controlo ou diminuição da qualidade do trabalho.

Se queremos que o teletrabalho seja uma opção viável para fixar pessoas no interior, é preciso mais do que boa vontade e slogans políticos. É necessário:

  • Infraestruturas de qualidade: internet de alta velocidade em todo o território, eletricidade estável e transportes que liguem facilmente a cidades maiores.

  • Serviços essenciais garantidos: saúde, educação e segurança têm de estar assegurados. Uma família não se fixa apenas pela paisagem bonita.

  • Vontade municipal: apoios fiscais, rendas acessíveis e facilidades para empreendedores podem fazer a diferença.

  • Vontade empresarial: avaliar desempenho por objetivos e resultados, não por presença física.

Caso contrário, arrisca-se a ser apenas mais uma promessa bonita num folheto turístico, algo que entusiasma no momento, mas desaparece com o tempo. Sem estas bases, o teletrabalho no interior arrisca-se a ser apenas mais uma moda passageira, que entusiasma no momento mas se dissipa com o tempo.

No fundo, a pergunta não é se o teletrabalho é possível no interior. A verdadeira questão é: as empresas têm como o tornar sustentável?

Porque no final, não falamos apenas de tecnologia ou de trabalho: falamos de pessoas, de comunidades e de como queremos que seja o mapa humano de Portugal nas próximas décadas.