Ele era um desses andarilhos. Caminhava quilômetros sozinho com sua bolsa caída ao ombro. Bolsa que mais parecia um saco esfarrapado, pendurado, sem vida, junto ao corpo magro e curvado de um homem que ninguém sabia de onde tinha vindo e nem para onde se dirigia. O cabelo era curto e penteado para frente, no mesmo estilo utilizado por pacientes de instituições que cuidam dos desafortunados psicologicamente. A barba era volumosa, preta e preenchia o rosto inteiro, chegando até perto dos olhos. O nome ninguém sabia, talvez pelo simples fato de que nunca o viam conversar com alguém. Ele acabou se tornando famoso no bairro, pois era tão misterioso e estranho que acabava atraindo a atenção de todos, exatamente por não saberem nada a respeito.
Gabriel era um adolescente inteligente e naturalmente curioso. No alto de seus 17 anos, gostava de explorar terrenos baldios, casas abandonadas, bosques escuros e locais ermos. Durante a noite, gostava de sair de bicicleta e pedalar pelo bairro vazio, aproveitando a brisa noturna e a paz que a falta de seres humanos proporciona. Seu pai proibia, mas esse era chegado numa bebida e também era viúvo, pois a esposa, mãe de Gabriel, era falecida. Sendo assim, era só o coroa entornar umas e capotar no sono pesado para que o rapaz abrisse o portão e saísse com a sua magrela a pedalar. A preocupação em não fazer barulho nem mesmo se fazia necessária, pois o velho Astolfo só acordaria no dia seguinte, mesmo que a terceira guerra mundial explodisse bem ao lado de seus ouvidos.
Naquela noite, Gabriel resolveu ativar o instinto de explorador e ir mais longe do que o habitual. Aventurou-se no bairro vizinho, que era composto de poucas casas e muito verde, no estilo rural do início da urbanização de todos os bairros residenciais que conhecemos. O menino, durante sua rota, encontrou uma trilha muito escura no meio do mato e, percebendo que não havia ninguém por ali, pedalou escuridão adentro, como numa aventura de um filme de terror.
Que sensação maravilhosa de liberdade era aquela que ele sentiu. Parecia que tudo que havia à sua volta lhe pertencia. Gabriel, o dono da escuridão. O lorde das sombras. Nunca havia se sentido tão tranquilo, alegre e confiante. Era como se ali, naquele lugar e naquele momento, estivesse experienciando um ritual de passagem para a vida adulta. Uma viagem sem volta para uma nova etapa de sua existência. Tudo que uma mente jovem e imaginativa poderia produzir, com referências de diversos filmes, séries, livros e músicas que Gabriel havia consumido durante seu pouco tempo de vida na terra.
Pedalava tentando encontrar uma trilha sonora que coubesse naquele momento. Talvez uma trilha de algum filme épico. Conan, o Bárbaro? O Último dos Moicanos? Ou, quem sabe, alguma banda de Heavy Metal, Punk Rock? As opções eram inúmeras. O jovem tinha bom gosto musical e também gostava de filmes de terror, mistério e ficção. Seu pai, antes de sua mãe falecer, tinha passado muitas referências musicais e cinematográficas para o filho. E o rapaz levava essas referências para a vida.
No colégio, era da turma do fundão, ainda que tirasse boas notas. Ficava desenhando caveiras e monstros no caderno e, sempre que podia, colocava fones de ouvido para fugir da realidade, já que esta não era fácil. Perder a mãe tão jovem tinha tornado o menino mais recluso e triste. Foi assim que ele começou a praticar os pedais noturnos, numa tentativa de encontrar um mundo onde só ele existia, onde nenhuma realidade pudesse lhe fazer mal. E, naquela noite, esse mundo parecia estar mais próximo do que em todas as vezes anteriores.
Foi então que ele avistou uma clareira no meio da trilha. Porém, estranhou o excesso de luz. Na verdade, não havia nada estranho, pois ele não tinha se dado conta de que a lua, naquela noite, estava cheia. Além disso, era uma sexta-feira. Então, ele parou no meio da clareira e ficou observando a lua, em seu pleno esplendor, no meio de um céu limpo e estrelado. E, sem nenhuma luz artificial à sua volta, era possível também ver muitas estrelas. Uma paisagem digna de fotografias e obras de arte.
Eis que, de repente, ouviu-se um barulho no mato, como o de folhas se mexendo. Perguntou, com uma voz meio trêmula: “tem alguém aí?”. Uma figura, então, se aproximou. Era o andarilho. Menos mal. Finalmente, poderia ter uma conversa com o tal sujeito, descobrir segredos que ninguém mais sabia e talvez até virariam grandes amigos, compartilhando suas muitas experiências envolvendo a solidão. Porém, o homem estava estranho, diferente do que se via durante o dia. Parecia que sua postura estava mais curvada e que sua barba havia ficado um tanto mais comprida. Deu um longo salto em direção a Gabriel. O rapaz, então, escutou lindas vozes, em coro, entoando a mais perfeita melodia. De onde vinham essas vozes? Seriam fruto de sua Imaginação? Ou seriam anjos vindo buscá-lo?















