“Uma trans foi encontrada morta dentro de casa vítima de suicídio”; “uma trans foi assassinada quando voltava para casa na tarde desta quarta-feira”; “um trans foi espancado, vítima de crime de ódio” e tantas outras manchetes são exemplos de crimes praticados contra pessoas trans que acontecem todo dia e que em praticamente sua totalidade ocorrem apenas pelo fato da vítima ser uma mulher ou um homem trans.

As pessoas acabam argumentando que “é a cidade que está mais violenta” ou “não são apenas as pessoas trans que sofrem com a violência” e seria até fácil culpá-las por essas falas “ignorantes” se não fosse a própria mídia e a internet mostrando o contrário, afirmando que apesar de tantas coisas ruins, os direitos das pessoas trans avançaram muito, quando na realidade praticamente não avançaram nada, de fato são praticamente um passo para frente e três para trás.

Como exemplo vamos pegar o “nome social”, as pessoas argumentam que agora as pessoas trans podem mudar o nome mais facilmente e refazer seus documentos, como RG e CPF, mas a questão que fica é que elas ainda são tratadas diferente, por serem trans. O fato de um homem ou mulher trans mudarem o nome é com o intuito da sociedade chamá-los por seus nomes corretos, entretanto o que ocorre é que mesmo ao mudarem de nome, a sociedade ainda precisa diferenciá-los das “pessoas normais” dizendo “ela/ele é uma mulher/homem trans”, como se dissesse “você pode ter mudado o seu nome, mas continua diferente dos demais”.

Esse exemplo do nome se pode verificar em vagas de emprego, quando o/a candidato(a) vão preencher a inscrição da vaga e perguntam o sexo da pessoa e se é uma mulher ou homem trans. Aí fica o questionamento, qual o intuito? Uma mulher trans é uma mulher, um homem trans é um homem, mas a sociedade não enxerga desse modo, eles são “homens e mulheres” desde que eles sejam colocados em outras categorias, como uma nova classe diferenciada da sociedade normal.

O próprio fato de se ter cotas para vagas de diversidade já é um absurdo pelo simples fato dessa cota soar como uma forma de permitir que a empresa ou o empregador mantenha o seu preconceito, mas seja obrigada a contratar o “diferente”. Isso não vai mudar a forma como a pessoa trans vai ser tratada pelos colegas, pelos chefes e pela empresa, pelo contrário, se corre o risco de expor a pessoa trans a uma situação tóxica e/ou perigosa por forçar um preconceituoso a aceitar uma pessoa trans por obrigatoriedade. A ideia da cota em si, em teoria, é muito boa, mas a execução como se pode ver na prática é desastrosa, ao contrário, novamente, do que as mídias e a internet digam.

Aliás, isso leva a outro ponto que é “a celebração do orgulho LGBTQIA+” em que as mídias, a internet e as empresas “celebram o orgulho” e demonstram apoio, quando na verdade é tudo uma jogada de marketing com o intuito de atrair pink money. Não apenas as empresas, mas celebridades, artistas, influencer e toda a categoria demonstram o quanto amam seus fãs LGBT e os apoiam, entretanto, a realidade se mostra bem diferente quando se para para analisar o quão poucas pessoas trans (se é que tem) estão em meio a eles e tem um emprego de destaque.

Não se tem apresentadores trans, jornalistas trans, atrizes trans, atores trans, jogadores de futebol trans e tantos outros exemplos e, quando se tem, são duas opções: ou tem uma pessoa trans, mas ela não é destaque; ou se tem apenas um ou dois exemplos e a sociedade trata como se fosse uma vitória monumental. Esse, aliás, é outro ponto a ser discutido, a falsa sensação de diversidade que a mídia passa e, pior, as próprias pessoas da classe LGBT batem palmas como se fossem grandes conquistas, quando na realidade elas estão recebendo menos que o mínimo que merecem e estão aplaudindo.

Essa falsa sensação se deve ao fato dos filmes, seriados, novelas e etc colocarem personagens de minorias nas obras, mas não se preocupam nem um pouco se a personagem vai ser bem escrita ou bem-feita. Uma das maiores críticas é o fato das personagens serem escritas a partir de serem ou gays ou lésbicas ou trans, como se a sexualidade fosse um traço de personalidade. Com as pessoas trans isso fica pior ainda, pois as produtoras, canais de televisão e etc colocam quase em letras garrafais que na obra tem uma personagem trans ou que tal atriz/ator é trans (e quase sempre fazendo o papel de uma pessoa trans) como se fossem um estandarte do progressismo e da diversidade, quando na realidade elas estão preocupadas em dinheiro, usar os atores trans e suas pautas para gerar engajamento e lucros e nunca mais dar trabalho para eles.

Além desse problema, o fato das pessoas comprarem essa narrativa e de até mesmo a classe LGBT+ comprar e aplaudir como de fosse uma grande conquista acaba por legitimar esse modus operanti das mídias. O fato de um ator ou atriz trans ter que ser reconhecido como “ator/atriz trans”, fazer um papel de uma pessoa TRANS e constantemente ser perguntada(o) da sua grande chance como uma pessoa trans só demonstra o fato de que a atriz ou o ator não está sendo levada(o) a sério como artista, mas apenas usada(o) como uma “ferramenta para demonstrar inclusão”. Eles não são vistos como atores que por acaso são trans, mas sim como trans que por acaso são atores.

Dentro ainda disso, temos sempre o estereótipo de papéis dados a esses atores, praticamente se restringindo a:

  1. Alívio cômico

  2. Figurante

  3. Coadjuvante sem profundidade

  4. Pessoa trans

É praticamente impossível ver, por exemplo, uma atriz trans fazer o papel de uma dona de casa com 2 filhos e casada, sem a história ter que relembrar de “ela é uma mulher trans”. É praticamente uma forma velada de se demonstrar que o importante é mostrar que tem a diversidade, as pessoas aplaudem, a classe LGBT+ também aplaude, mas o problema ainda continua que é o fato da pessoa trans continuar sendo visto como uma categoria a parte da “sociedade normal” e pior, dela ser usada pelos outros de forma escrachada e a atitude ser aplaudida como uma grande conquista. “Mas assim pelo menos elas estão tendo visibilidade”, não, não estão.

Elas continuam não conseguindo emprego, continuam sofrendo preconceito e sendo mortas e espancadas na rua e em casa, continuam não conseguindo ter um relacionamento, continuam sendo vistas como seres anormais, tudo porque o que é importante de se fazer não é feito, apenas se mascara os problemas com uma falsa sensação de aceitação e diversidade, criando-se uma bolha ilusória e imaginaria na sociedade de que “as coisas estão progredindo” quando na verdade, não estão, pelo menos em relação as pessoas trans.

Um exemplo, o perdão da palavra, grotesco é o fato de que até quando um filme ou série é dublado, a atriz trans é dublada por um homem fazendo voz fina ou anasalada e o homem trans é dublado por uma mulher fazendo voz grossa, para sinalizar que os atores são pessoas trans e não realmente “uma mulher e um homem de verdade”, como se isso precisasse ser frisado pela dublagem.

Entrando na questão de relacionamentos, não é incomum se terem relatos de pessoas trans dizendo o quanto são sexualizadas pelos outros. Não apenas isso, além de serem sexualizadas são vistas como uma espécie de “experiência” para ser experimentada. Elas nunca são levadas a sério como “interesses românticos”, sempre são vistas de forma sexual e erotizada, principalmente pelos homens. É extremamente comum ouvir relatos de mulheres trans dizendo que homens “héteros” vem atrás delas no sigilo, isso quando não são casados. Além disso, também relatam que na própria comunidade LGBT+ os homens gays são transfóbicos e não querem se relacionar com pessoas trans, pelo menos não de forma romântica.

Esse, aliás, é um dos maiores fatores da solidão das pessoas trans, elas não são vistas como possíveis opções românticas, são vistas apenas como experiências sexuais ou pra relações no sigilo. As pessoas (principalmente os homens) não vão querer ter um relacionamento porque eles começaram a questionar a própria sexualidade sem levar em conta que:

  • Uma mulher trans é uma mulher e um homem trans é um homem.

  • O fato de você ter sentido atração por ela/ele não vai mudar sua sexualidade.

O rótulo é uma das maiores problemáticas da sociedade, pois o fato da pessoa não querer sair da caixinha do que faz ela ter certo rótulo contribuí para a proliferação dos preconceitos. Principalmente hoje em dia, é tão comum ver pessoas destilando comentários e piadas transfóbicas e querendo se blindar dizendo “essa é a minha opinião”, “liberdade de expressão” ou se escondendo atrás de dogmas religiosos.

Sua opinião não te dá o direito de agir de forma preconceituosa, a liberdade de expressão não te dá o direito de dizer tudo o que você quer sem consequências e principalmente, sua religião não te dá o direito de tratar, dizer e agir com preconceito. O fato de pessoas trans continuarem relatando casos, continuarem reclamando e mesmo assim o preconceito continuar de forma tão escrachada, de não terem em quem se apoiar, de não conseguirem emprego, de não serem vistas como seres normais são as principais razões que levam tantas pessoas trans a cometer suicídio.

Enquanto ainda existir essa diferenciação de colocar as pessoas trans em uma categoria especial, tratar elas como um animal exótico, como uma forma de demonstração diversidade, como um adereço para fins pessoais (principalmente na política), a solidão das pessoas trans não vai acabar.

O que se precisa na verdade é focar em medidas para acabar com o preconceito, pois não adianta elogiar as pessoas trans, usá-las como massa de manobra, bater palma por elas receberem o mínimo, fazer um circo midiático com inverdade quando na realidade temos tantas pessoas trans sendo mortas e tirando suas vidas. Não adianta dizer que apoia as pessoas trans quando convive e faz vista grossa com pessoas transfóbicas, pois isso só faz com que elas não consigam confiar de verdade em ninguém.

Mais uma vez, a mulher trans é uma mulher, o homem trans é um homem. Enquanto a sociedade continuar separando os dois em compartimentos diferenciados dos “normais” não vai ter medidas o suficiente para que o preconceito com eles acabe. Antes de serem trans, antes de serem vulgarmente chamados de “mulheres com pinto e homens com vagina”, antes de serem uma minoria, antes de serem parte da classe LGBTQIA+, eles são seres humanos e o mínimo que se espera de uma sociedade dita civilizada, de um país e das pessoas é serem tratadas como tal.

Transfobia mata, não é mimimi é respeito e está na hora da sociedade começar a entender isso e das mídias entenderem que celebrar o mês do orgulho LGBTQIA+ e de vez em quase nunca ter um ator ou atriz trans trabalhando para eles não torna o problema solucionado.