Naturalmente que esta não é uma questão que gostaria de levantar em nenhum dos meus artigos, mas com o status quo atual, é necessário defender aquele que é um direito inerente a cada um de nós desde a nascença.

Na teoria, a liberdade de expressão é um dos pilares inegociáveis dos regimes democráticos, estando materialmente consagrada em Constituições e em diversos acordos estabelecidos internacionalmente. Na prática, é constantemente relativizada e limitada, o que faz com que aquilo que era universal passe a ser um privilégio apenas para alguns.

Enquanto defensor da Declaração Universal dos Direitos Humanos, reconheço que nem tudo o que está lá consagrado é aplicado, e o exemplo perfeito são as democracias fragilizadas como o Brasil, que estão a revelar agora as suas facetas autoritárias e que sempre procuraram esconder através de leis ou discursos eloquentes das principais figuras políticas do país.

Nos casos mais extremos, como a Rússia, a China, o Irão, Nicarágua, Venezuela, Cuba, torna-se evidente que utilizam o pretexto da “segurança nacional” para perseguir todos aqueles que se opõem ao regime vigente que está enraizado e que perdura no tempo.

O modus operandi destes regimes é também aplicado em regimes democráticos, como referi anteriormente: regimes como o do Brasil, que, através do seu sistema judicial, utiliza o pretexto da estabilidade ou segurança nacional para perseguir jornalistas, detentores de cargos públicos e cidadãos comuns, procurando assim silenciar alguma da oposição e descontentamento que vai existindo.

Para alguns, a Constituição Federal de 1988 não é suficiente e, por isso, é necessário recorrer a outras formas “legais” para perseguir e punir quem coloca em causa a liberdade e a democracia. Ou seja, quem faz as leis beneficia delas e tudo aquilo que for contra a narrativa dominante e o sistema vigente é uma ameaça que precisa ser neutralizada.

Vários são os casos emblemáticos no Brasil, entre eles, bloqueios de perfis nas redes sociais de jornalistas, perseguição judicial e política a detentores de cargos públicos, detenção de humoristas e até de cidadãos comuns que demonstraram com um simples batom vermelho o seu descontentamento e que não apoiam a governação atual.

Consequentemente, torna-se visível a crescente comparação entre a ofensa com crítica legítima, entre erro de opinião e crime. Enquanto se fizer esta confusão, irá abrir-se um espaço perigoso para censuras seletivas, onde uns são punidos e outros protegidos, dependendo da cor partidária.

Discursos ou atos racistas, homofóbicos, antissemitas e com apologias a crimes ou a ditaduras não devem ser tolerados. É preciso romper com os discursos de ódio camuflados de “opiniões legítimas” e com as críticas políticas conotadas como “ataques antidemocráticos”.

Para quem não sabe, George Orwell (1903-1950) já havia definido qual era o papel de um Estado totalitário.

Um Estado controlador e rígido contra a liberdade individual de expressão, que controla a linguagem (Novilíngua), manipula a realidade histórica e pune o pensamento independente (Crimideia).

Atualmente, a maioria dos líderes totalitários e os seus discípulos vão beber a estas ideias de como o Estado deve ser (natureza) e o seu papel (comportamento) na sociedade, ou seja, este não procura silenciar, mas moldar o que cada um de nós é capaz de pensar e como pensar.

Um dos instrumentos mais utilizados pelos Estados totalitários e pelas democracias “disfarçadas” de regimes totalitários é o controlo, ou, utilizando o politicamente correto, a regulamentação da imprensa e dos media digitais.

É importante para o Estado o controlo absoluto de tudo aquilo que é escrito, partilhado e publicado, pois quem controla a narrativa controlará todo o debate político e o espaço mediático.

No Brasil, o partido dominante e da atual governação, além de controlar e influenciar diretamente as matrizes de uma das grandes e mais assistidas cadeias de televisão, procura também captar para si, um dos poderes mais importantes além dos três conhecidos de um Estado (Executivo, Legislativo e Judicial): o poder do Streaming, o da comunicação digital.

Mais uma vez, e seguindo o mesmo raciocínio de Orwell, quem tem para si o controlo absoluto dos media irá favorecer os interesses dominantes e moldará o pensamento popular, filtrando aquilo que é bom e aquilo que prejudicaria o exercício das funções do governo.

A meu ver, as redes sociais tornaram-se autênticos coliseus romanos onde tudo é observado pelas pessoas (espectadores), analisado e julgado pelo Estado (imperador). Toda a opinião divergente do comum será alvo de perseguição, censura e punição, e a maioria irá apoiar cegamente essa decisão e, no final, até baterá palmas.

À guisa de conclusão, importa referir que a censura sempre foi a sombra da liberdade e esta foi sendo silenciada com as novas formas de atuação (intimidação) do Estado e das suas instituições, levando efetivamente à morte da liberdade de expressão por decreto.

A democracia não pode existir apenas quando há consenso, ela deve existir igualmente quando há dissenso, quando há crítica, pois só assim é que é possível preservar o espaço público como lugar da palavra e não do medo, da censura. Só assim, através de um diálogo livre e racional, os cidadãos podem tomar decisões legítimas para que haja um Estado que os sirva e não que os aprisione.

É preciso combater as demagogias e aqueles cânticos repletos de promessas encantadoras, pois aquilo que a maioria dos profissionais da política faz é dizer aquilo que o povo quer ouvir e não aquilo que ele realmente precisa. Alimentam uma esperança que não existe para que o povo confie neles cegamente, sendo que deveríamos ter aprendido alguma coisa com a História, pois quando essa confiança exacerbada ganha uma maior relevância, eles facilmente revelam a sua natureza tirana.

Não podemos hoje, cair na desgraça de que calar é prudência. Pois, amanhã, esta irá tornar-se em submissão.