Um dos principais sintomas da não aceitação de si – ou seja, da não aceitação das condições de vida, da própria aparência e origem – é imaginar, sonhar e buscar lugares onde signifique ser alguém. Ser alguém é traduzido como fazer a diferença, ter sucesso, abrir portas com a simples presença. No mundo atual não basta existir para significar, pois todo existir humano é transformado em números, classes, tipos e categorias, critérios que levam em conta referências econômicas, status social, celebridade na mídia, notabilidade acadêmica, prestígio e influência.

Quando o ser humano se percebe por meio de referenciais, espelhos e contextos que medem e determinam seu valor em função da classe econômica e social a que pertence, ele se despersonaliza, se coisifica, tomando como referencial significador, o que é aderente e circunstancial. Na atualidade, é muito comum venerar e desejar a fama ou o nível de influência que é visto, por exemplo, entre personalidades online, os ditos influencers, assim como entre atletas vencedores de olimpíadas ou jogadores de futebol vitoriosos e ricos, e por isso considerados e aplaudidos.

Iniciando por constatar o lugar onde nasceu e qual a situação dessa origem nas tabelas de mais afortunados e menos afortunados, o indivíduo começa a buscar atingir os locais de fama e notoriedade. Essa fama é procurada entre as fileiras dos mais belos, dos mais ricos, dos mais inteligentes. Nesse contexto, preferencialmente a beleza, o dinheiro e a inteligência são veículos que conduzem à saída do anonimato. A moda, o teatro, o cinema, a internet são meios capacitadores deste desejo de vencer pela beleza ou pelas realizações intelectuais, e os caminhos se dividem entre carreiras acadêmicas ou comerciais. São posições nas quais se pode fazer a diferença. O mais difícil, que é vencer pelo dinheiro quando não se tem, torna-se o mais fácil, pois são inúmeros os golpes, antigos e atuais, desde o golpe do baú – casar por conveniência e vantagem – até os golpes políticos e religiosos.

Quando a pessoa não se aceita, ela sente que não pode ser aceita mas precisa ser aceita. Essa contradição é conflitiva. Como, não se aceitando, se quer aceitação? É o primeiro impasse, é também um drama e se sente que é urgente neutralizar essa contradição. Para resolver isso se faz de conta, se desconsidera os sentimentos de inferioridade ou de não aceitação, ao ignorá-los. Eles não existem mais. O que existe agora é um ser maravilhoso que merece obter e realizar seus desejos. Inventar uma nova pessoa, determinar novos parâmetros para o próprio comportamento abre horizontes e também instala os falsos ídolos. “Meu espelho é o mundo, é a plateia que me aplaude, sou o que ela me permite ser”. Vive-se para conseguir, e depois continuadamente, para manter o conseguido.

Sem aplausos a plateia ameaça. Sem plateia não se justificam espetáculos. A solução frequente é exibir a performance, a encenação, a vida artificial, e no artificial só o que pode ser representado e interpretado é considerado, e assim a equação final se resolve no ser ou não ser aplaudido. Essa nova categoria, de ambígua diferença ontológica, seduz quando se quer superar problemas e dificuldades sem questioná-las.

Não se aceitar (se percebendo como inculto ou como pobre ou feio, por exemplo) por estar no nível baixo das escalas que medem sucesso e realização social, essa não aceitação gera mentirosos e comprometidos. Buscando escamotear, esconder o que pensam que os diminuem, investem em uma vivência de dissimulação. Alguns desses indivíduos que buscam realizações recebem balões inflados que os colocam nos topos desejados. Lançar mão de conhecidos, utilizar campanhas públicas, aderir a causas humanitárias, destacar-se nos grupos religiosos, tudo isso é visto como escadas propulsoras. O sucesso é visível. Essa busca pode lançar mão de títulos acadêmicos, de lutas sociais e de amizades. É o oportunismo justificado. É o aumento das fileiras de aproveitadores, e é também o pico, o ápice de processos despersonalizantes e desumanizados.

Seres humanos despersonalizados, corrompidos e divididos, segmentados em suas problemáticas, buscam sempre ser significativos em algum contexto. Para alcançar essa meta, o sucesso, a importância, a manipulação das ideias de honestidade e bondade são os constituintes do manejo da massa de manobra que sustenta as sociedades, principalmente em seus aspectos religiosos e políticos. Essas agremiações procuram sempre convergir, atingir poder, sejam os econômicos sociais, sejam os considerados divinos.

Quando o homem se aceita, quando seus limites são integrados, a aceitação permite viver em igualdade, enfrentar o cotidiano, descobrir no dia a dia o que significa, o que proporciona vitória, o que possibilita fracassos. O estar com o outro é caracterizado pela solidariedade, e propicia ver no outro a si mesmo, viabilizando o encontro e a mudança. É isso que faz a vida significar enquanto participação, conflito e transformação. Só por meio dessa transformação se descobre o significado do existir. É essa antítese – esse questionamento – que amplia horizontes.