A escalada da humanidade na busca pelas novas tecnologias inaugura novos imaginários em novos cotidianos. Cabe ressaltar que somos incentivados por essas tecnologias. Foi assim, com a descoberta do fogo, da roda e de outras técnicas. Vamos combinar também que na pré-história a curiosidade já alimentava as novas formas de criação na construção social da sobrevivência. Há de se considerar que a fofoca, que é milenar, predominava para que novos imaginários surgissem. Então, somos frutos das técnicas! Elas influenciam na capacidade da convivência.

Como a cultura existe antes da educação, não há socialização sem cultura. A socialização é um processo contínuo no curso da vida. Para que exista a formação cultural, existirá a socialização. Ou seja, o conceito de socialização estará sempre em evolução porque as culturas populares são dinâmicas. Mesmo sendo uma complexa característica dos seres humanos, a socialização é aprendida a partir do enigmático contexto do mundo no cotidiano. Para Simmel, em todos os contatos sociais ocorre a socialização. Nesse sentido, o ser humano como um todo é visto como um complexo de conteúdos, forças e possibilidades sem forma; com base nas suas motivações e interações do seu “estar-no-mundo mutante”, modela a si mesmo como uma forma diferenciada e com fronteiras definidas (Simmel, 1917, p. 55) e, ao mesmo tempo, socializa-se.”1.

É importante salientar que mesmo numa estrutura dominante, o imaginário coletivo atravessa e conduz o processo de socialização. “Baczko destaca que para Weber, a vida social é produtora de um sistema de representações que fixam e traduzem um sistema de valores e normas, definindo um código coletivo pelo qual se expressam angústias, necessidades e expectativas dos agentes sociais.”2.

Então, há um código coletivo que envolve as culturas populares em sua dinâmica. Digamos que este código alimente as peculiaridades, as singularidades das culturas populares. E este código vem da onde? Já dizia o filósofo Vilém Flusser, “O mundo é codificado.” Se o ser humano é lúdico, o imaginário que é aura das culturas populares, gera coesão e significados como aponta Michel Maffesoli. Para tanto, as culturas populares são entendidas como um conceito enigmático, que perpassa por várias conotações e que envolvem conceitos como de cultura, de popular e de folclore.

O que merece atenção são as culturas populares que estão envolvidas pela construção do imaginário social a partir das telas, do consumo, e das tecnologias da informação e sua circulação. Devemos salientar que a televisão quando chegou na América Latina trouxe mudanças nas relações sociais. “No ano de 1923, o russo Vladimir Zworykin patenteou um aparelho chamado de iconoscópio, um tubo a vácuo com tela de células fotoelétricas, percorridas por feixes de luz. Segundo Mattos, “em 1931, a Eletric and Music Industries (EMI), da Inglaterra, tentou padronizar o número de linhas e de quadros transmitidos por segundo no sistema de televisão. (Mattos, 2002, p.166)”.

A televisão, como todos sabem, foi propulsora de inovações nas relações sociais. Somos frutos da televisão! Fofoqueira, precipitada, manipuladora, ideológica, fantasiosa, informativa, a televisão incentiva e incentivou modelos de convivências. A partir da década de setenta, quando a televisão passou a ser colorida no Brasil, ocorreu um estopim no imaginário social das culturas populares. O rádio, grande fenômeno de comunicação, continuou dando suporte para a televisão brasileira. “Ao contrário da televisão norte-americana, que se desenvolveu apoiando-se na forte indústria cinematográfica, a brasileira teve de se submeter à influência do rádio, utilizando inicialmente sua estrutura, o mesmo formato de programação, bem como seus técnicos e artistas. (Mattos, 2002, p. 49)”.

Daí podemos imaginar que a televisão e o rádio ajudaram e ajudam na construção do imaginário social das culturas populares no capitalismo. A esse respeito temos a folkcomunicação encabeçada pelo jornalista Luiz Beltrão para designar o intercâmbio das mensagens que o povo faz no seu dia a dia a partir da mídia, “(…) conjunto de procedimentos de intercâmbio de informações, ideias, opiniões e atitudes dos públicos marginalizados urbanos e rurais, através de agentes e meios direta ou indiretamente ligados ao folclore (1980:24)3.” Também a folkcomunicação foi estudada pelo professor Roberto Benjamin, que aproximou o seu objeto de estudo para o desenvolvimento de metodologias.

O jornalista José Marques de Melo afirma, “De qualquer maneira, o pensamento de Luiz Beltrão disseminou-se em todo o território nacional, conquistando seguidores que deram andamento a algumas de suas ideias ou discípulos que avançaram nas trilhas empíricas por ele abertas. Considero-me um deles, ainda que não o mais consequente, nessa área, como sem dúvida tem sido Roberto Benjamin, Oswaldo Trigueiro ou Joseph Luyten. Dos escritos desse grupo resultou um corpo conceitual que trata de explicitar (ou reinterpretar) a teoria da folkcomunicação.”4. Como exemplo encontramos nas culturas populares nuances da mídia em seu cotidiano.

Os pesquisadores do folclore, da cultura popular e das culturas populares têm como bastão as indagações para compreender os códigos existentes no cotidiano das culturas populares para oxigenar as metodologias científicas na área das ciências humanas. As culturas populares possuem uma vontade de legitimar o seu imaginário social e com isso há o despertar da devoção, o despertar do sagrado, o despertar da sobrevivência, o despertar da técnica, o despertar da dinâmica que consagra o seu movimento diante da mídia. Tudo isso faz acreditar que os estudos das culturas populares possam ajudar na construção de novos imaginários para a oxigenação de novas metodologias. Digamos que as culturas populares atuam como uma teia de significados simbólicos diante de suas manifestações e atuações. Essa teia de códigos, por sua vez, marcam uma comunidade. Essa forte representatividade social, encontra no cotidiano sua força, pois o cotidiano é o lugar do ritual, do sagrado e é onde o imaginário ganha sua pátria.

A televisão traz em seus modelos de exibições as culturas populares, para gerar interações no processo de socialização. Há de se considerar que tudo isso provoca uma construção social, “...para Giddens (1989, p. 293), construção social é a ação histórica dos agentes sociais na ‘estruturação de eventos no tempo e no espaço mediante a interação contínua de agência e estrutura, a interconexão da natureza mundana da vida diária com as formas institucionais que se estendem sobre imensos períodos de espaço e tempo’. Para Bourdieu (2003, p. 8-9), os ‘sistemas simbólicos’ (língua, arte, ciência, etc.), enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação, são ‘estruturas estruturantes’ que constroem a realidade – o sentido imediato do mundo – e que, portanto, estão no centro da luta política (‘ao mesmo tempo teórica e prática’) travada pelo poder de conservar ou de transformar o mundo social conservando ou transformando as categorias de percepção desse mundo.”5.

Assim, as redes sociais, o streaming, vão muito além da televisão, isso implica um novo espaço para alcance de todos. A comunicação diversa e regionalizada ainda é a fonte que evidencia as culturas populares. Mesmo, por vezes com conotações deturpadas, ainda favorecem no despertar dos costumes, das crenças, das danças, das músicas, da culinária, das lendas, dos mitos entre outras classificações. A transmissão das culturas populares para além da televisão revela a potência da visibilidade da pluralidade do Brasil.

Na plataforma Itaú Cultural Play6, que possui um catálogo diverso com o mote do streaming de todos os brasis, traz a virtualidade dessa pátria chamada cotidiano das culturas populares. O Jornal dos Romeiros no programa Falacocê no youtube abre espaço para as culturas populares mostrarem seus novos imaginários. A Hora Folk - Seu podcast de notícias culturais, “é o tradicional programa de notícias culturais que reflete sobre o mundo do entretenimento e a perspectiva do folclore em diálogo com temas sociais da atualidade”.

Também há o Projeto FolcloreBR de Anderson Awvas, além d'O colecionador de Sacis do jornalista Andrioli Costa que faz um apanhado do folclore e seu futuro7. Rede Artesol que traz a maior rede de artesanato do Brasil em sua plataforma. E a Associação Pisada do Sertão no município Alto José de Moura na Paraíba tem como essência a cultura popular. “A Pisada do Sertão passou a reconhecer a cultura como instrumento de inclusão e desenvolvimento social, e atualmente destaca-se em todo cenário nordestino e nacional por sua importância para o território em que atua.” Esses são alguns exemplos onde podemos identificar as culturas populares em ação na mídia.

Então, as culturas populares enxergam as redes sociais como um espelho e também como uma porta. Transformam e se identificam com o uso dessas redes. A potência da visibilidade das culturas populares nas redes sociais fazem um novo despertar, o despertar do acesso. Elas encontram muito além da televisão uma maneira de exibir seus códigos para o surgimento de novas metodologias.

Notas

1 O conceito “socialização” caiu em desuso? Uma análise dos processos de socialização na infância com base em Georg Simmel e Georg H. Mead.
2 O imaginário social como um campo de disputas: um diálogo entre Baczko e Bourdieu.
3 A espetacularização das culturas populares ou produtos culturais folkmidiáticos.
4 Luiz Beltrão.
5 As Teorias da Socialização e o Novo Paradigma para os Estudos Sociais da Infância.
6 Itaú Cultural Play.
7 Colecionador de Sacis.
8 Rede Artesol.
9 Pisada do Sertão.